sábado, 12 de maio de 2012

Como os produtos químicos nos afetam

[Traduzo abaixo artigo com o mesmo título desta postagem, de autoria de Nicholas D. Kristof, publicado no International Herald Tribune de 4 de maio. Links no texto e anotações entre colchetes são de minha responsabilidade.]

Cientistas estão observando, cada vez mais alarmados, que alguns produtos químicos comuns que são mimetizadores ou "copiadores" de hormônios podem ter efeitos grotescos.

Um herbicida largamente utilizado atua como um hormônio feminino e feminiliza animais machos selvagens. Deste modo, exemplares machos de rãs podem ter órgãos femininos, e alguns peixes machos por estranho que pareça produzem ovos. Em um lago da Flórida, contaminado por tais produtos químicos, crocodilos (alligators) machos tinham pênis minúsculos.

Hoje, há cada vez mais evidências que ligam essa classe de produtos químicos a problemas em seres humanos. Isso inclui câncer de mama, infertilidade, baixa contagem de esperma, deformidades genitais, menstruação precoce, e até mesmo diabetes e obesidade.

Philip Landrigan, um professor de pediatria na Escola de Medicina Monte Sinai, diz que um defeito congênito denominado hipospadia -- um mau posicionamento da uretra -- é hoje duas vezes mais comum entre recém-nascidos do que costumava ser. Ele suspeita de "desintegradores endócrinos" (endocrine disruptors), assim chamados porque podem devastar o sistema endócrino que governa os hormônios.

Desintegradores endócrinos estão por toda parte. Eles estão em recibos térmicos que são emitidos por bombas de gasolina e caixas automáticos. Estão em alimentos enlatados, cosméticos, plásticos e embalagens de alimentos.  Faça um exame de sangue ou urina, e seguramente você os encontrará lá, assim como em leite humano e no sangue do cordão umbilical de bebês recém-nascidos.

Neste ano de campanha eleitoral [nos EUA], estamos destinados a ouvir reclamações intermináveis sobre excesso de regulamentação governamental. Mas, eis aqui uma área na qual cientistas estão cada vez mais críticos em relação ao nosso governo por sua falha em lidar com os grandes da área química (Big Chem) e regulamentar adequadamente os desintegradores endócrinos.

No mês passado, a Sociedade Endócrina [Endocrine Society], a associação líder de especialistas em hormônios, repreendeu a Administração de Medicamentos e Alimentos [Food and Drug Administration] por sua falha em não banir o bisfenol A, um desintegrador endócrino comum conhecido por BPA, nas embalagens de alimentos. No ano passado, oito organizações médicas representando as áreas de genética, ginecologia, urologia e outras fizeram um apelo conjunto na revista Science por uma regulamentação mais restritiva dos desintegradores  endócrinos.

Não deveria o nosso governo ser tão vigilante com relação às ameaças existentes em nossos supermercados como o é nas montanhas do Afeganistão?

Pesquisadores advertem que desintegradores endócrinos podem deflagrar mudanças hormonais no corpo, que podem não se fazer notar durante décadas. Um deles, chamado DES, uma forma sintética de estrogênio, foi uma vez ministrada regularmente a gestantes para evitar aborto ou náuseas matinais e praticamente não causou problemas às próprias gestantes. Mas, verificou-se décadas depois que provocara câncer vaginal e câncer de mama em suas filhas, e por isso foi banido.

Cientistas sabem, de longa data, que variações mínimas nos níveis hormonais influenciam o desenvolvimento do feto. Por exemplo, uma gêmea é muito levemente masculinizada se o outro gêmeo for masculino, porque ela é exposta a alguns de seus hormônios. Estudos identificaram que essas gêmeas, em média, acabam por ser ligeiramente mais agressivas e ávidas de sensação quando adultas, mas têm taxas menores de distúrbios alimentares. Hoje, especialistas temem que desintegradores endócrinos tenham efeitos similares, agindo como hormônios e, em particular, perturbando o delicado equilíbrio para os fetos. A iniciativa mais recente por estudiosos é uma memorável análise de 78 páginas a ser publicada no mês que vem na Endocrine Reviews, a publicação líder nessa área.

"São necessárias mudanças fundamentais em testes químicos e determinação de segurança, para proteger a saúde humana", afirma a análise. Linda S. Birnbaum, a principal cientista ambiental e toxicóloga do país, endossa as conclusões. O artigo foi escrito por um grupo de 12 pessoas, que passou três anos examinando as evidências. Esse grupo concluiu que o sistema de segurança do país contra desintegradores endócrinos não funciona. "Para vários desintegradores endócrinos bem estudados, acho que é razoável dizer que temos dados suficientes para concluir que esses produtos químicos não são seguros para as populações humanas", disse Laura Vandenberg, uma bióloga de desenvolvimento na Universidade Tufts [Boston, EUA] que foi a principal redatora naquele grupo.

Novas pesquisas preocupantes sobre os efeitos de longo prazo desses produtos químicos estão sendo constantemente publicadas. Um estudo descobriu que gestantes que têm níveis mais elevados de um desintegrador endócrino comum, o PFOA [ácido perfluorotanóico, em inglês], têm o triplo da possibilidade de terem filhas que se tornarão obesas quando crescerem. Entretanto, não há como evitar o PFOA. Ele está em tudo, desde os sacos de pipoca de microondas até soluções utilizadas na limpeza de tapetes.

O pessoal Big Chem diz que tudo isso é sensacionalismo. Até agora, conseguiram bloquear a emissão de regulamentações restritivas nos EUA, mesmo a Europa e o Canadá já tendo adotado controles mais severos sobre os desintegradores endócrinos. É certo, há incertezas. Mas, os cientistas que conhecem melhor e bem a fundo os desintegradores endócrinos já estão adotando medidas para protegerem suas famílias. John Peterson Myers, cientista-chefe no Environmental Health Sciences [Ciências Ambientais da Saúde, em tradução livre] e um coautor da nova análise, disse que sua família parou de comprar comida enlatada. "Não usamos microondas com plásticos", acrescentou. "Não usamos pesticidas em nossa casa. Rejeito recibos, sempre que posso. Minha solicitação padrão (default) no caixa automático, de conhecimento do meu banco, é "nenhum recibo". Nunca peço recibo num posto de gasolina".

Estou seguindo as dicas dos especialistas, e desejo que a administração Obama faça o mesmo.

[Perguntinha inocente: o que existe no Brasil com relação a isso? ...]

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