sábado, 26 de maio de 2012

Agência S&P deixa metade do setor financeiro espanhol com a classificação de "lixo"

[O artigo que traduzo abaixo, publicado ontem pelo jornal espanhol El País (o que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade), evidencia mais uma vez o poder supranacional absurdo adquirido pelas agências de classificação de riscos econômico-financeiros, que são capazes não só de aniquilar empresas mas também de colocar países inteiros à beira da falência quando os rebaixam! E o mais surreal disso é que tais agências julgam todo mundo e não são julgadas por ninguém, ninguém as "classifica", ninguém as rebaixa!! Quando rebaixou a nota dos EUA em agosto do ano passado, essa mesma agência S&P foi pública e inequivocamente acusada pelo Tesouro americano de ter cometido um erro de 2 trilhões de dólares nos seus cálculos sobre as finanças do país e nada aconteceu -- nem a agência se explicou, nem os EUA a processaram! Estranho, né?


Além do poder exorbitante de que desfrutam, essas agências demonstram um sádico e macabro prazer em piorar ao extremo o que já está péssimo -- elas emitem seus relatórios extremamente pessimistas de rebaixamento exatamente quando países e suas principais empresas estão no auge da crise, via de regra tentando desesperadamente sair dela com medidas saneadoras por iniciar ou já em andamento. Isso já aconteceu com Portugal, Irlanda, Itália, Grécia, Espanha e até mesmo com os EUA. A coisa chegou a tal ponto, que a União Europeia já cogita seriamente em criar um mecanismo que ponha freio a esse inadmissível poder absoluto dessas agências.

Acompanho de perto a crise espanhola por causa da forte presença do Banco Santander no Brasil -- é por ele, por exemplo, que os empregados ativos e inativos da Eletrobrás recebem seus proventos. Embora pareça existir uma separação jurídica entre a matriz espanhola do banco e suas filiais no exterior, no caso extremo de uma eventual quebra do banco na Espanha, a verdade é que a filial brasileira é uma das principais fontes de recursos financeiros para sua matriz. Na imprensa de hoje já circula um anúncio do Santander Brasil alardeando sua solidez no ranking internacional de bancos, o que é sintomático e me deixa com a pulga atrás da orelha.]


A agência Standard & Poor's (S&P) deixou metade do sistema financeiro espanhol, composto por 14 instituições, com a classificação de "segunda categoria" ou "bônus lixo" (bono basura, para os espanhóis -- os junk bonds dos americanos). Chegou-se a essa situação após a decisão, publicada ontem (25) à tarde, de rebaixar a classificação de solvência de cinco entidades financeiras espanholas, entre elas a Bankia (já estatizada, e que está pedindo ao governo espanhol a bagatela de 19 bilhões de euros para seu financiamento financeiro!), Popular e Bankinter, que ficam abaixo do nível considerado propício para investimentos. Os outros dois bancos que sofreram a "tesourada" da S&P foram Banca Cívica, que já estava com a cotação de "lixo" e foi absorvida por Caixabank, e a matriz de Bankia, Banco Financiero y de Ahorro, que também já estava restrita aos especuladores pela S&P.

Em termos de ativos, a decisão da S&P deixa também um terço do sistema [financeiro espanhol] em suspenso quanto à sua qualidade creditícia, com 765 bilhões  classificados como "lixo", dos quais mais de 500 bilhões correspondem a créditos. É importante lembrar que empresas nacionalizadas como Catalunya Caixa e Novagalicia não passaram pelo crivo da agência.

Da mesma maneira, quanto ao futuro, todas as instituições avaliadas pela S&P permanecem com perspectiva negativa ou, o que é pior, em revisão para um rebaixamento com exceção da Banca Cívica, que sai beneficiada por sua absorção por Caixabank.

A decisão da S&P, que a agência justifica pela má situação da economia espanhola, chega em um mau momento para o sistema [grande novidade, ver meu comentário acima!], que está sob a pressão dos mercados diante das dúvidas que sua situação real suscita entre os investidores estangeiros. Além disso, essa foi a segunda vez em apenas uma semana [que o setor financeiro espanhol foi atingido], já que na quinta-feira passada, dia 17, foi a agência Moody's que anunciou outro rebaixamento em massa de instituições espanholas.

Em ambos os casos, o corte na classificação é consequência do rebaixamento da nota do reinado de Espanha. De A para BBB+ para S&P, o que equivale à queda de um nível até um patamar considerado bom; de um alto notável para outro baixo para a Moody's, ao cair de um golpe dois níveis (de A1 para A3). Para a primeira agência, o nível de "lixo" começa a partir de BB+ e, para a Moody's, em Ba1 [ver tabela].

Em sua argumentação, a S&P afirma que o rebaixamento não foi maior porque as instituições contam de forma implícita com o apoio do Estado para se recapitalizarem [vejam o raciocínio maquiavélico da S&P: primeiro, ela rebaixa a nota do país; depois, ela rebaixa p'ra "lixo" a nota de suas empresas financeiras e, literalmente, joga esses ativos podres no colo do governo e lhe atribui explicitamente a responsabilidade final de saneá-los! Ganha um doce quem adivinhar a chance que a Espanha tem de recuperar sua classificação ...]. Quanto às grandes empresas, que por ora mantêm suas notas após o rebaixamento que tiveram em abril, a agência adverte que estarão pendentes da evolução da economia espanhola em caso de uma piora adicional da situação, o que incidirá negativamente em seus resultados e, por extensão, em seus perfis de crédito.


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