segunda-feira, 30 de setembro de 2013

O Brasil e seus vexames: temos 237 tratados sem aval do Congresso

[Cada dia que passa é mais uma notícia de um vexame adicional a que o país é submetido, aqui e lá fora. E, invariavelmente, pelo menos um dos chamados "poderes" da República tem culpa no cartório -- e, não raro, mais de um deles  nos empurra para a vergonha pública, como nos conta a reportagem de ontem, 28/9, do Globo, que reproduzo a seguir. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

O que dizer de um país que busca um pouco mais de protagonismo no cenário internacional e, ao mesmo tempo, negligencia os acordos por ele negociados e assinados? É o que acontece com o Brasil, alvo de críticas, constrangimentos e cobranças dos parceiros internacionais. Estima-se que existem nada menos do que 237 tratados que ainda não estão valendo, por não terem sido ratificados pelo Legislativo Brasileiro. Deste total, 180 ainda se encontram no Executivo, 55 tramitam na Câmara e 2 estão no Senado.

Entre os casos mais gritantes, está o texto da Convenção sobre a Conservação das Espécies Migratórias de Animais Silvestres, assinado em 23 de junho de 1979, na Alemanha, que só agora tramita no Senado, para depois ser sancionado. Também está na Casa o memorando de entendimento, assinado em 20 de julho de 2008, em Letícia, na Colômbia, entre os governos brasileiro, colombiano e peruano, para combater atividades ilícitas nos rios fronteiriços e comuns.

Na Câmara, destacam-se um acordo de extradição Brasil-China, celebrado em novembro de 2004; a isenção de vistos para passaportes diplomáticos com o Irã, assinada em 2009; o acordo de defesa da concorrência do Mercosul, assinado em 2010; e o acordo da Unasul sobre democracia. Essa situação fere a imagem do Brasil, que leva anos para ratificar um acordo, enquanto, em boa parte dos países, o prazo não chega a seis meses.

O processo de celebração de acordos internacionais no Brasil obedece às seguintes etapas: negociação, assinatura, aprovação parlamentar e ratificação. Após assinado, não há prazo legal para que o texto seja enviado ao Legislativo. Na Câmara, já com o nome de projeto de decreto legislativo, o acordo passa por várias comissões, além do plenário, para depois seguir ao Senado.

Tratados podem ganhar urgência

Para o presidente da Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado, Ricardo Ferraço (PMDB-ES), há irresponsabilidade e leniência por parte do governo e da Câmara dos Deputados. Ao Globo, ele ameaçou não permitir mais a apreciação desses atos, enquanto não surgir uma forma de tornar mais rápida a tramitação. Entre as propostas em estudo estão a supressão da Câmara na votação desses tratados — incumbência que passaria a ser apenas do Senado — e a classificação dessas matérias como urgentes pelo Executivo.

"Esse procedimento de convivência com esses acordos bilaterais está no limite do intolerável. Quem faz acordos não são governos, mas Estados, que acertam e ajustam agendas e metas. Na prática, está faltando responsabilidade e a participação do Congresso acaba se tornando irrelevante. É uma ratificação de faz de conta. O papel do Congresso é próximo do ridículo e o Poder Executivo faz de conta que nada está acontecendo", disparou Ferraço.

Diferença em relação a parceiros

No Brasil, o Executivo, às vezes, demora anos para encaminhar os acordos para o Legislativo, devido à burocracia e ao desinteresse existente nos ministérios setoriais. Enquanto isso, em boa parte dos países signatários, o processo leva até seis meses. Ferraço disse até que, se a situação permanecer como está, o mais provável é que os tratados sejam devolvidos. "Nossa comissão não é anexo do Itamaraty, nem do poder Executivo, muito menos almoxarifado e tampouco cartório", afirmou o senador.

Vergonha. Ricardo Ferraço, presidente da Comissão de Relações Exteriores, lamenta atraso. - (Foto: Givaldo Barbosa/O Globo).

[Política externa é assunto demasiado importante para ficar na dependência de cabeças de bagre, e se há algo que nunca faltou nos nossos poderes Legislativo e Executivo -- ambos no caminho crítico da aprovação de protocolos diplomáticos -- é esse tipo de cabeça. E, para não se cometer injustiça, é bom deixar claro que o MRE - Ministério das Relações Exteriores e o Itamaraty também costumam deixar suas impressões digitais -- não raro, as 20 -- nessas lambanças, sendo de bom alvitre lembrar que nossa diplomacia entrou para a família dos invertebrados, com sua espinha dorsal sem qualquer rigidez à pressão de políticos e países vizinhos.

O caso da Convenção firmada com a Alemanha desde junho de 1979 e ainda não aprovada pelo Congresso é absurdo, inexplicável e inadmissível. Fiz um levantamento para ver quem tem rabo preso nessa palhaçada:
  • Poder Executivo: a Convenção foi assinada no governo do general João Figueiredo, e passou pelos governos de José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique, NPA (Nosso Pinóquio Acrobata, Lula) e NPS (Nosso Pinóquio de Saias, Dilma).
  • Poder Legislativo: desde 1979 foram presidentes do Senado Petrônio Portela, Luís Viana Filho, Jarbas Passarinho, Nilo Coelho, Moacir Dalla, José Fragelli, Humberto Lucena, Nelson Carneiro, Mauro Benevides, Humberto Lucena (novamente), José Sarney, Antonio Carlos Magalhães, Jáder Barbalho, Edison Lobão, Ramez Tebet, José Sarney (novamente), Renan Calheiros, Tião Viana, Garibaldi Alves Filho, José Sarney (novamente, desta vez por 4 anos) e Renan Calheiros. -- De 1979 para cá, presidiram a Câmara Federal Marco Antônio Maciel, Flávio Portela Marcílio, Nelson Marchezan, Flávio Portela Marcílio (novamente), Ulysses Guimarães (por 4 anos), Antônio Paes de Andrade, Ibsen Pinheiro, Inocêncio de Oliveira, Luís Eduardo Magalhães, Michel Temer, Aécio Neves, Efraim Morais, João Paulo Cunha (um dos mensaleiros), Severino Cavalcanti, José Aldo Rebelo, Arlindo Chinaglia, Michel Temer (novamente), Marco Aurélio Maia, Henrique Eduardo Alves.
  • Ministério das Relações Exteriores, a partir de 1979: Ramiro Saraiva Guerreiro (por 6 anos), Olavo Setúbal, Abreu Sodré, Francisco Rezek, Celso Lafer, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Felipe Lampreia (interinamente, de maio a julho de 1993), Celso Amorim, Luiz Felipe Lampreia (por 6 anos, até 12/1/2001), Luiz Felipe de Seixas Corrêa (interinamente, de 12 a 29/1/2001), Celso Lafer (novamente), Celso Amorim (novamente, desta vez por 8 anos), Antonio Patriota, Eduardo dos Santos (interinamente, por 2 dias) e Luiz Alberto Figueiredo.
Todos esses cidadãos listados aí em cima têm inequívoca responsabilidade por essa palhaçada de ficarmos já 24 anos sem aprovar ainda a Convenção sobre a Conservação das Espécies Migratórias de Animais Silvestres firmada com a Alemanha em 23 de junho de 1979. Olhando com calma a lista, vê-se que inúmeros nomes dela constantes não permitem realmente esperar que algo coerente e decente se faça sob suas gestões. Mas a culpa é de todos, indistintamente.

Todos os demais casos citados na reportagem, de protocolos diplomáticos emperrados no Congresso ocorreram na década petista no governo. Aí a coisa fica braba: esperar o quê de uma turma formada por NPA, Celso Amorim, José Sarney, Renan Calheiros, João Paulo Cunha, Marco Aurélio Maia & etc, Henrique Alves, Antonio Patriota e NPS et caterva?! Detalhe: o senador Ricardo Ferraço, que está botando a boca no trombone é do PMDB-ES, portanto da base do governo.

E o país ainda se acha com estofo para ocupar uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU ...] 











2 comentários:

  1. Prezado Vasco, no penúltimo parágrafo vc quis dizer 34 anos... Abs.

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  2. Caro Paulo, para sorte minha e dos leitores do blogue você está sempre atento ... Obrigado e um forte abraço.

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