[Volta e meia os governantes britânicos dão umas mancadas de matar de inveja os Bush, os Obamas, os NPA e as Dilmas da vida. Depois de botar banca e defender um ataque militar à Síria, o premiê David Cameron teve que recuar porque o Parlamento britânico cortou-lhe o topete de brigão "justiceiro" e desautorizou a participação do Reino Unido em tal empreitada. Agora, surge uma estranha e absurda exportação inglesa para a mesma Síria de produtos químicos passíveis de serem usados para fazer gás asfixiante, como nos conta o jornal The Independent em reportagem de ontem, 01/9, que traduzo a seguir. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]
O governo foi acusado esta noite de "negligência impressionante" em seus controles de armas, depois que veio à tona que autoridades autorizaram há um ano a exportação para a Síria de dois produtos químicos que podem ser usados para a produção de um agente asfixiante como o gás sarin [este gás atua essencialmente no sistema nervoso e é muito usado em guerra química].
O secretário de Negócios Vince Cable terá que explicar ao Parlamento, na segunda-feira [hoje], por que foram expedidas licenças de exportação para substâncias de múltiplo uso para a Síria, por seis meses em 2012, enquanto grassava a guerra civil no país e pairava o receio de que o regime pudesse utilizar armas químicas contra seus próprios cidadãos. A divulgação de tais licenças para fluoreto de potássio e fluoreto de sódio, que podem ambos ser empregados na fabricação de gás asfixiante, surgiu quando o secretário de Estado americano John Kerry disse que os EUA tinham evidências de que o gás sarin havia sido utilizado na atrocidade do ataque de Damasco no mês passado.
Kerry anunciou que traços do gás asfixiante, encontrados em amostras de cabelo e sangue de vítimas do ataque na capital síria que teria ceifado mais de 1.400 vítimas, faziam parte de uma argumentação que está sendo preparada pela administração Obama para uma intervenção militar [torçamos para que não seja uma história igual à das armas de destruição em massa do Iraque ...].
O Department for Business, Innovation and Skills [Departamento para Negócios, Inovação e Habilidades Especiais, em tradução livre] insistiu em que, embora as licenças tivessem sido garantidas em janeiro de 2012 para uma empresa química do Reino Unido (RU) de nome não identificado, os produtos não foram enviados à Síria antes da revogação das licenças de exportação em julho passado em resposta ao endurecimento das sanções da União Europeia (UE).
Em carta anterior ao Parlamento, não publicada, o secretário Cable reconheceu que autoridades da sua secretaria haviam autorizado a exportação de uma quantidade não especificada de produtos químicos, sabendo que eles constavam de uma lista internacional de componentes de armas químicas.
Críticos do secretário de Negócios -- cuja secretaria informou que havia aceitado as garantias da companhia exportadora de que os produtos químicos seriam utilizados na fabricação de estruturas metálicas de janelas e de boxes de banheiros -- disseram que parece que foi por acaso que os produtos não chegaram à Síria [gente crédula assim parece ter sido formada no Itamaraty ...].
O secretário sombra dos Negócios Chuka Umunna disse ao The Independent: "É um alívio que os produtos químicos em questão nunca tenham sido realmente enviados [no sistema de governo britânico a oposição forma um gabinete paralelo ou gabinete sombra, em que existe um secretário ("sombra") correspondente a cada secretário do governo]. Mas, à luz do fato de que no início de 2012 o regime de Assad já vinha há vários meses reprimindo violentamente os dissidentes internos e os serviços de inteligência agora indicam o uso de armas químicas em várias ocasiões, faz-se necessária uma explicação completa sobre o porquê de se ter aprovado a exportação daqueles produtos químicos já de início".
O parlamentar trabalhista Thomas Docherty, membro do Comitê de Controle da Exportação de Armas da Câmara dos Comuns, apresentará hoje indagações parlamentares demandando saber porquê e para quem as licenças de exportação foram concedidas. Ele disse: "isso parece ser um caso de negligência impressionante -- o governo teve efetivamente muita sorte de que aqueles produtos não fossem enviados à Síria. O que estava fazendo o departamento de Cable ao autorizar a venda de produtos químicos que ele próprio sabia que poderiam ter um segundo uso na produção de armas químicas, quando a guerra na Síria já estava havia tempo em andamento?"
As licenças de exportação dos dois produtos químicos foram concedidas em 17 e 18 de janeiro do ano passado para "uso em processos industriais", após ter sido julgado por autoridades do Departamento de Negócios que "havia claramente um risco de que pudessem ser usados na repressão interna ou serem desviados para esse fim", de acordo com a carta enviada por Cable ao comitê de controle de armas. Cable disse: "as licenças foram concedidas porque não havia fundamentos para recusá-las".
Embora esse tipo de exportação tivesse sido tornado ilegal pela UE em 17 de junho do ano passado, no contexto de um pacote de sanções contra o regime de Bashar al-Assad, as mencionadas licenças [britânicas] não foram revogadas senão em 30 de julho. Especialistas em armas químicas disseram que, embora as duas substâncias possam ter uma variedade de empregos tais como a fluoração de água, os fluoretos de sódio e potássio são também essenciais para produzir o efeito químico que torna um gás como o sarin tão tóxico.
Serviços de inteligência do Ocidente suspeitavam há tempo que o regime sírio estivesse utilizando empresas de fachada para desviar para programas de armamentos materiais importados de uso múltiplo. Acredita-se que armas químicas contendo sarin tenham sido empregadas no conflito sírio em 14 ocasiões desde 2012.
Na noite de sábado, o departamento de Cable reafirmou que estava satisfeito com o fato de as licenças de exportação terem sido concedidas corretamente. Um porta-voz disse: "o governo do RU opera um dos sistemas de controle de exportação de armas mais rigorosos do mundo. O exportador e a empresa destinatária demonstraram que os produtos químicos destinavam-se a uso civil legítimo -- o acabamento metálico de perfis de alumínio empregados na fabricação de boxes para chuveiros e de estruturas de janelas".
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