domingo, 29 de setembro de 2013

A Primavera burra

[Reproduzo abaixo mais um excelente artigo de Guilherme Fiuza, publicado ontem no Globo.]

A Primavera burra

Guilherme Fiuza (*) -- O Globo, 28/9/2013

O Supremo Tribunal Federal melou a prisão dos mensaleiros, na mão grande. Como se sabe, pela primeira vez na história a corte máxima tem juízes partidários, como Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, obedientes aos seus senhores petistas. E os principais réus do mensalão, que por acaso mandam no Brasil, têm os melhores advogados de Brasília — pagos a peso de ouro com uma dinheirama que eles não precisam dizer de onde veio, mas pode-se supor. Foi com essa blitz política (disfarçada de jurídica), ou, em bom português anglo-saxão, com esse lobby, que o Brasil foi roubado de novo, à luz do dia.

E o que fizeram os brasileiros, que agora são revolucionários e esculhambam o trânsito a qualquer hora do dia para “mudar o Brasil”? Não fizeram nada. Os bravos manifestantes da Primavera Brasileira de 2013 assistiram ao novo assalto, como diria Anitta, ba-ban-do.

O golpe dos embargos infringentes foi vexaminoso. Uma manobra tosca, que embaralhou um julgamento cristalino e cindiu o direito e o bom senso — o que é uma cisão grave, mas não nesse Brasil onde civismo é jogar pedra em vidraça. Votos como o do ministro Marco Aurélio mostraram que o julgamento só poderia ser reaberto — decisão drástica — se não pairassem dúvidas sobre a legalidade dos embargos.

Pois bem: o julgamento foi reaberto em casos onde houve quatro votos contrários à sentença. E a própria decisão de reabertura teve cinco votos contrários! Não seria então o caso de entrar com embargos infringentes contra a aceitação dos embargos infringentes?

Não, não seria, porque nesse caminho de prostituição da técnica, a lógica já foi abandonada no acostamento há muito tempo, e o espírito da lei já foi pendurado na parede, ao lado de um retrato do filho do Brasil. A blitz dos advogados milionários do PT fez o STF virar as costas para a lógica e o espírito da lei. Normal. Quem está do outro lado é só o Brasil, esse pobre coitado, que não tem nada concreto para oferecer: nem cargos, nem prestígio, nem favores, nem negócios, nem mesmo a emoção de um café da manhã com José Dirceu, o astro da penumbra.

Foi comovente ver a bancada petista no Supremo, em ações grandiloquentes e tom épico, defendendo com garra um futuro tranquilo e confortável. O PT inaugurou o patriotismo privado.

Para o pobre coitado do outro lado, batizado com nome de madeira nativa (profetizando a cara de pau), o que aconteceu no Supremo Tribunal Federal é apenas o fim. Se as massas (e os gatos pingados) não sabem direito por que vão às ruas, se não é só por 20 centavos, se é por tudo — e tudo, como se sabe, é igual a nada —, a zombaria do STF contra o país inteiro, aliviando os maiores assaltantes da história da República, cujo grupo político por acaso governa o Brasil, é a causa das causas. É para inundar as ruas de gente, é para cercar os palácios da Justiça Federal em todo o território, é para, aí sim, parar tudo e avisar que isso aqui não é a casa da mãe Dilma e de seus companheiros parasitários.

Mas o que se viu por aí depois do golpe do STF? Bem, escolha a sua manifestação preferida: black blocs vaiando e ameaçando artistas de cinema na chegada ao Festival do Rio; revolucionários da Cinelândia recebendo a adesão do Batman e do Saci Pererê; ninjas, fora do eixo e fora de órbita, discutindo a relação com a polícia (decidindo o que veio primeiro, a pedra ou a pimenta); sindicalistas privatizando as ruas e decidindo quem pode ir e vir.

Enquanto isso, estoura novo escândalo na boquinha que Dilma Rousseff cultivou dentro do Ministério do Trabalho — o mensalão redivivo na farra das ONGs piratas. Mais R$ 400 milhões desviados para a turma que a presidente fingiu escorraçar em 2011, com o inesquecível Carlos Lupi, mas que na verdade protegeu, porque é dando que se recebe. Os réus que o STF acaba de refrescar fizeram escola, só não vê quem não quer. E ninguém parece querer. Não apareceu um único mascarado no horizonte para acuar os sócios do governo popular nesse novo escárnio. Eles preferem rosnar contra artistas de cinema.

Não pode haver mais dúvidas: os movimentos de protesto que levaram os brasileiros às ruas em 2013 passarão à história como a Primavera Burra.

PS: o ministro do Trabalho passa bem, os ministros infringentes idem, e os mensaleiros estão estourando champanhe com a nova disparada de Dilma no Ibope. Vêm aí mais quatro anos de sucção pacífica.

(*) Guilherme Fiuza é jornalista





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