O escritor Charles C. Mann argumenta que nenhuma outra pessoa modificou tão radicalmente a face da Terra quanto Cristóvão Colombo. - (Foto: AP - Fonte: The Economist). |
Tabaco, batatas e perus chegaram à Europa vindos da América. Em troca, os europeus para lá levaram trigo, sarampo e cavalos. Mas, quem chegou a pensar em minhocas? Onde quer que essa espécie apareceu nas florestas americanas ela mudou a paisagem, arejando o solo, decompondo a vegetação caída no chão e acelerando a erosão e a troca de nutrientes. As minhocas facilitaram o crescimento de algumas plantas, enquanto roubavam o habitat de outras. Elas tomaram o espaço vital de outros insetos, enquanto proviam uma nova fonte de alimentação para alguns pássaros.
Resumindo, uma floresta com minhocas é diferente de uma floresta sem elas. Como consequência, a minhoca começou a transformar a América.
Essa historiazinha surpreendente é apenas uma das muitas compiladas pelo jornalista Charles Mann em seu livro mais recente: "1493: Uncovering the New World Columbus Created" ["1493: Revelando o Novo Mundo que Colombo criou", em tradução livre]. Enquanto o best-seller anterior de Mann -- "1491: New Revelations of the Americas Before Columbus" ["1491: Novas revelações sobre as Américas antes de Colombo", em tradução livre] -- focaliza a história das Américas pré-colombianas, ele agora volta sua atenção para as alterações provocadas pela descoberta desse continente pelos europeus.
Para Mann, nenhuma outra pessoa mudou tão radicalmente a face da Terra como Colombo. A travessia do Atlântico por Colombo, diz Mann, marcou o início de uma nova era não apenas para as Américas mas também para a Europa, a Ásia e a África. Foi o amanhecer da era do comércio global. Os oceanos deixaram de ser barreiras para pessoas, mercadorias, bens, animais, plantas e micróbios. Foi como se Pangéia, o supercontinente [hipotético] que se fragmentou há cerca de 150 milhões de anos [dando origem aos continentes atuais], tivesse sido reunificado num piscar de olhos geológico.
Antes dos navios Santa Maria, Niña e Pinta levantarem âncora em 1492, não apenas a existência das Américas era desconhecida pelo resto do mundo como também a China e a Europa sabiam muito pouco uma sobre a outra. Um século depois, o mundo era outro muito diferente. Galeões espanhóis ancoravam em portos chineses levando prata retirada por africanos na América do Sul. Em troca, comerciantes de roupa espanhóis recebiam seda da China, distribuída por intermediários no México. E as pessoas de posse que buscavam relaxar -- seja em Madri, Meca ou Manila -- acendiam folhas de tabaco importadas das Américas.
De maneira inflamada e com muito deleite nos detalhes narrativos, Mann conta a história da criação do mundo globalizado, oferecendo muitas surpresas ao longo do caminho. Quem de nós sabia do papel da batata doce na explosão populacional na China? Quem sabia que começou no Peru a melhoria na agricultura com a utilização de dejetos de pássaros como fertilizante? Certamente, poucos sabem do papel decisivo desempenhado pelo mosquitos transmissores da malária no destino dos EUA.
O "intercâmbio colombiano"
O autor leva seus leitores em uma jornada de descobertas ao redor do globo pós-colombiano. A história começa em Jamestown, uma colônia britânica onde é hoje o estado americano da Virginia, local em que um navio pirata holandês aportou em 1619 com cerca de duas dezenas de escravos negros a bordo, capturados quando os piratas atacaram um navio de escravos português. Como era época de colheita, os colonos de Jamestown aproveitaram a oportunidade para comprar os escravos.
Essa compra chancelou a escravidão na América. Mas, os fazendeiros de tabaco da Virginia não se aperceberam de que, ao comprar o trabalho dos escravos da África, eles adquiriram também as doenças que esses africanos carregavam em seu sangue. O plasmodium falciparum, um parasita que causa a malária, conseguira agora estabelecer-se na América do Norte. Surtos dessa febre foram um preço elevado que esses fazendeiros pagaram por explorarem escravos africanos.
Mann argumenta que isso teve consequências de longo alcance. No norte, onde o clima frio dificultava a sobrevivência dos mosquitos transmissores da malária, imigrantes europeus tornaram-se uma alternativa barata para os escravos africanos. No sul dos EUA, entretanto, as pessoas de origem caucasiana davam-se pior nos campos de algodão e tabaco infestados de mosquitos. Apenas os escravos africanos traziam consigo um certo grau de resistência aos insetos e à doença. Desse modo, continua Mann, a malária cimentou a escravidão no sul dos EUA. Os brancos, proprietários de plantações, se retiravam para suas mansões em locais arejados que ofereciam uma proteção parcial contra a doença, deixando os escravos negros a trabalhar nos campos.
O "Intercâmbio Colombiano" -- nome dado por historiadores a essa permuta intercontinental de seres humanos, animais, germes e plantas -- afetou mais do que somente os americanos. Na China, por exemplo, a nova era começou quando marinheiros relataram o aparecimento súbito de europeus nas Filipinas em 1570. O surpreendente quanto a isso é que haviam atravessado o oceano vindo do leste. Até então, a China havia manifestado pouco interesse na Europa, na crença de que seus habitantes tinham pouco a oferecer à sua florescente civilização. Dessa vez, entretanto, os novos visitantes traziam algo da América que eletrizou a China: a prata. Este metal precioso era a forma de moeda mais importante em que todas as transações comerciais eram realizadas na dinastia Ming. Assim, aos olhos dos chineses, os navios espanhóis vindos da América do Sul chegavam carregados com nada menos que dinheiro puro.
Não era de espantar, então, que um vigoroso comércio trans-Pacífico se desenvolvesse rapidamente. Para decepção da coroa espanhola, grande parte da prata obtida nos Andes era entregue não à Espanha mas à distante China. Em troca, seda, porcelana e outras mercadorias de luxo chinesas abriram caminho para o leste via México.
A Corrida da Prata
Mann usa o exemplo de duas cidades que cresceram fortemente no século 17, para ilustrar a mudança que envolveu o globo nesse período. Ostentosas, agressivas e vibrantes de energia, essas cidades representavam o espírito de uma nova era.
Uma delas, talvez a cidade mais selvagem na história do mundo, foi construída nas alturas das montanhas dos Andes. Potosí, a cidade da mineração da prata, circundada apenas por neve e rochas nuas, inchou até atingir o tamanho de Londres em apenas duas décadas. Enquanto os buscadores de fortuna oriundos da Europa se deleitavam nos bordéis de alto luxo da cidade, milhares de nativos trabalhavam e lutavam por suas vidas na escuridão das maiores minas de prata do planeta.
Parián, a primeira "Chinatown" do mundo, dificilmente pode ser considerada como tendo surgido de maneira menos bizarra. Localizada logo fora de Manila, Parián rapidamente tornou-se mais populosa que a própria cidade espanhola quando um labirinto de lojas, casas de chá e restaurantes cresceu em torno de um par de grandes armazéns. Representantes espanhóis vinham aqui fazer seus negócios, e a boa prata de Potosí podia comprar quase tudo, de botas de couro a baús feitos de marfim e a conjuntos de chá. Até figuras de Jesus como um bebê, habilmente entalhadas em mármore estavam à venda.
Para os governantes chineses, entretanto, essa inundação de prata mostrou-se uma praga. Quanto mais desse metal precioso os navios espanhóis transportavam para Manila, mais seu valor caía. Resultado: inflação, deficits fiscais, agitações sangrentas e, por fim, o colapso do regime. O último imperador Ming foi sucedido pela dinastia Qing.
Colheitas americanas na China
Mas, mais até que a própria prata, o que desempenhou um papel chave no destino da China foram três colheitas que chegaram no rastro daquele metal precioso -- batatas, batata doce e milho. Essas plantações não nativas, resistentes e altamente produtivas, podiam desenvolver-se mesmo em solos que não suportavam o cultivo do arroz.
Essas três colheitas americanas afetariam faixas inteiras de terra no sul e no oeste do império chinês, onde o terreno montanhoso parecia impróprio para a agricultura porque o solo ou estava já exaurido ou era infértil para o cultivo. As novas plantas da América, entretanto, transformaram terras então áridas em terras aráveis. Com o governo chinês estimulando agressivamente a agricultura, milhões de pessoas ganharam um novo meio de subsistência como agricultores de batata ou milho nas montanhas. Hoje, essas colheitas importadas dos Andes formam uma parte considerável da dieta da população de mais de um bilhão de pessoas da China, que é hoje o segundo maior produtor mundial de milho, após os EUA, e de longe o maior produtor mundial de batatas.
Mas, essa revolução agrícola teve suas desvantagens, à medida que muitas florestas nas montanhas cederam lugar às novas terras agricultáveis. Essas encostas, agora sem árvores, ficaram sem proteção contra as chuvas e deslizamentos de terras começaram a ocorrer em muitos lugares. As áreas à volta dos rios Yangtzé [rio Azul] e Amarelo tornaram-se castigadas praticamente cada ano por enchentes enormes. [Pelo visto, a China mantém uma longa tradição de agressões ao meio ambiente. O rio Yangtzé recebeu seu pior golpe com a construção da gigantesca usina de Três Gargantas em seu leito -- ver postagens de 5 de junho e de 21 de maio de 2011.]
Na sede do centro de meteorologia da China em Beijing, Mann pôde examinar mapas que documentavam como o número e a escala das enchentes se alteraram ao longo dos séculos. "Percorrer rapidamente os mapas foi como assistir a um filme de colapso ambiental", ele recorda.
Mudando vencedores e perdedores
O aumento de contato entre os continentes certamente gerou progresso, mas trouxe também sofrimento e exploração. Não há praticamente nada para o qual as pessoas não tenham tido que suar e morrer por ele, escreve Mann, acrescentando que sua pesquisa ensinou-lhe uma coisa acima de tudo: se tivéssemos que desistir de tudo que estivesse sujo de sangue, não restaria muita coisa.
O surgimento da agricultura moderna demonstra isso dramaticamente. Tudo começou com descobertas de dois alemães. Alexander von Humboldt foi o primeiro a se interessar pelos nativos que traziam bolos fedorentos, retirados dos penhascos rochosos onde os pássaros pousavam ao longo da costa peruana. O químico Justus von Liebig verificou depois que o pó resultante disso transformava-se em um fertilizante excelente, graças ao seu elevado conteúdo de nitrogênio e fósforo.
Guano, como os nativos locais denominavam essa substância feita a partir de dejetos endurecidos de pássaros, tornou-se logo um dos produtos importados mais importantes no progressista continente europeu. Mann calcula que, em números de hoje, o valor total das exportações de fertilizante natural pelo Peru equivaleriam a US$ 15 bilhões (11 bilhões de euros).
Dessa vez, os chineses estavam entre os que sofriam, forçados a trabalhar no ambiente fedendo a amônia do guano. Um total de cerca de 100.000 chineses foram atraídos para a longínqua América do Sul, seduzidos por falsas promessas.
Assim como a agricultura europeia se tornou dependente de um produto natural originário da América do Sul, o mesmo aconteceu com sua indústria quando a borracha se tornou parte indispensável da tecnologia moderna, seja sob a forma de pneus de carros, de isolamento de cabos ou de anéis de vedação em tubulações. Retirada da casca do tronco da seringueira, a borracha natural foi exportada através do Atlântico em quantidades cada vez maiores. Qualquer que fosse o crescimento das exportações de borracha pelo Brasil, a demanda aumentava ainda mais rapidamente e os preços continuavam a subir.
Mas, houve um fim súbito a esse processo quando um tipo de fungo ou ferrugem dizimou praticamente todas as plantações de seringueiras da América do Sul. Tailândia, Indonésia e Malásia tornaram-se então os superprodutores de borracha, substituindo Brasil, Venezuela e Suriname. Isso se tornou possível quando um britânico chamado Henry Wickham, que se tornou uma espécie de herói do "Intercâmbio Colombiano", contrabandeou sementes de seringueiras para fora do Brasil em 1876.
A facilidade com que um segundo Wickham poderia surgir -- desta vez espalhando pelo mundo não a seringueira, mas seu fungo -- ficou evidente para Mann durante uma viagem de pesquisa, quando percebeu que ele mesmo estava no meio de um seringal asiático calçando as mesmas botas que havia utilizado havia apenas uns meses antes em uma jornada pela floresta tropical brasileira. O que aconteceria se alguns esporos do fungo estivessem ainda colados às suas botas?
Em algum momento o Intercâmbio Colombiano fechará seu círculo, escreve Mann, e então o mundo terá outros problemas.
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["1493: Uncovering the New World Columbus Created" (livro, 560 pgs) - Charles C. Mann, Ed. Knopf, 2011 - cerca de US$ 12,00 (brochura) e US$ 10,00 na versão eletrônica]
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