Woody Allen comentou uma vez que lhe seria mais fácil acreditar em Deus se Ele depositasse em seu nome [dele, Woody] uma grande soma de dinheiro num banco suiço. Abrigar ricos nos Alpes tornou-se uma experiência menos celestial nos últimos anos, devido à caça feita pelos EUA aos seus sonegadores de impostos e aos executivos financeiros que lhes prestam serviços.
Receoso de que outros bancos possam ter o mesmo destino do Wegelin, um venerável banco privado que foi indiciado em Nova Iorque em 2012 e acabou fechado, o governo suiço tem procurado um acordo com os EUA que permitisse ao seu setor bancário se livrar dos problemas de uma vez. Em vez disso, teve de fazer um acordo que cobre os bancos que não estão já sob investigação, o que exclui algumas das maiores instituições financeiras do país.
O acordo está astutamente estruturado. Dos 300 bancos da Suiça, 285 conseguirão escapar de processo judicial se fornecerem certas informações sobre clientes americanos e seus consultores, e pagarão multas de 20% a 50% dos saldos não declarados dos clientes, dependendo de quando a conta foi aberta e de outros fatores. Serão beneficiados com redução de multas os bancos que convencerem clientes a declarar o que possuem antes que o programa comece. Os bancos não são obrigados a participar do esquema, mas os riscos legais são desanimadores para os que não o fizerem, mesmo se tiverem pouco dinheiro americano não declarado. Se quiserem receber um atestado de que operam corretamente, as instituições financeiras sem clientes estrangeiros terão que apresentar relatórios independentes provando que nada têm a esconder.
Um jornal suiço comparou o acordo a uma "engolição de sapos". Outro, chamou-o de "o início de uma rendição organizada". A associação de bancos o vê como um mal necessário -- o único modo de acabar com uma incerteza legal, embora a um custo que estressará certas instituições. Bancos privados suiços de pequeno e médio porte já estão enfrentando dificuldades. Em 2012, seu retorno médio sobre o investimento dos acionistas (equity) foi de 3% -- o número de bancos privados caiu para 148 (13 a menos), na maior parte devido a liquidações voluntárias. A consultora KPMG espera que isso caia mais, de 25 a 30% em 2016, já que a retirada ou regressão de ameaças legais estimula a volta das fusões.
Alguns dos compradores potenciais em qualquer onda futura de fusão e compra têm ainda que fazer suas pazes com os americanos. Excluídos do acordo estão 14 bancos predominantemente grandes, que estão sob investigação há algum tempo -- incluindo o Credit Suisse e o Julius Bär. Eles terão que fazer acordos individualmente, com multas que se espera serem consideráveis, algumas talvez comparáveis aos US$ 780 milhões pagos pelo UBS em 2009. Esses banco estão também sob a pressão de países europeus que sofreram evasão fiscal, incluindo a Alemanha, cujo parlamento rejeitou um acordo que permitiria aos suiços efetuar pagamentos regulares de impostos retidos dos clientes, evitando ter que citar nomes [não sei se é a presença dos Alpes que gera esse peculiar conceito de moral e ética dos suiços].
Banqueiros suiços argumentam arriscadamente que o segredo bancário permanece intacto, mencionando que as leis sobre privacidade não foram eliminadas. Mas, bancos têm sido molestados para fornecer informações suficientes, a menos dos nomes reais dos clientes, para permitir que os americanos façam demandas fortes de "assistência legal mútua" que deixam as cortes suiças sem outra opção que não a de ordenar aos bancos que forneçam detalhes pessoais dos clientes. Essas cortes têm ainda uma flexibilidade, porque os EUA têm ainda que ratificar um acordo fiscal alterado com a Suiça, graças a táticas de bloqueio do senador [republicano] Rand Paul que argumenta que tal acordo violaria o direito dos americanos à privacidade [com esse conceito pecualiaríssimo de "liberdade", esse senador certamente acabará convidado para uma parceria com Caetano Veloso, que contribuiria com seu conceito coxo de "liberdade de expressão"]. Mas, esse obstáculo acabará por ser eliminado ou contornado.
Tudo isso alimenta a especulação de que a Suiça possa perder sua coroa de líder dos centros financeiros extraterritoriais, mesmo estando ainda bem à frente de seus rivais asiáticos que vêm crescendo rapidamente (ver gráfico). Ela pode encontrar consolo no fato de que os americanos planejam usar as informações coletadas dos suiços -- incluindo as "listas de desistentes", que contêm dados sobre fechamentos de contas e transferências para bancos no exterior -- para ir atrás de outras jurisdições. Isto faz parte de uma estratégia de "efeito dominó", diz Jeffrey Nieman, um ex-promotor público federal, que objetiva forçar os sonegadores de impostos para "tão longe de seu trajeto normal que não poderão assegurar-se de que o pirata à sua espera para tomar-lhes seu dinheiro lá estará quando voltarem".
Ainda no topo - Destinação da riqueza financeira extraterritorial, em trilhões de dólares. - (Gráfico: The Economist).
[O gráfico acima evidencia a enorme importância do Reino Unido nesse mercado trilionário, e explica a preocupação dos britânicos com o risco de perder essa posição com as mexidas propostas e em andamento para a reestruturação do setor bancário da UE (União Europeia) que poderia, entre outras consequências, transferir para Paris essa posição de liderança na Europa, com inevitáveis desdobramentos em outros mercados.]
Nenhum comentário:
Postar um comentário