[O artigo abaixo, de Elton Alisson (com a colaboração de Claudia Izique e Noêmia Lopes) foi publicado hoje no site da FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]
O clima no Brasil nas próximas décadas deverá ser mais quente – com
aumento gradativo e variável da temperatura média em todas as regiões do
país entre 1 ºC e 6 ºC até 2100, em comparação à registrada no fim do
século 20. No mesmo período, também deverá diminuir significativamente a ocorrência
de chuvas em grande parte das regiões central, Norte e Nordeste do
país. Nas regiões Sul e Sudeste, por outro lado, haverá um aumento do
número de precipitações.
As conclusões são do primeiro Relatório de Avaliação Nacional (RAN1) do
Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), cujo sumário executivo
foi divulgado nesta segunda-feira (09/08), durante a 1ª Conferência
Nacional de Mudanças Climáticas Globais (Conclima). Organizado pela
FAPESP e promovido com a Rede Brasileira de Pesquisa e Mudanças
Climáticas Globais (Rede Clima) e o Instituto Nacional de Ciência e
Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-MC), o evento ocorre até a próxima sexta-feira (13/09), no Espaço Apas, em São Paulo.
De acordo com o relatório, tendo em vista que as mudanças climáticas e
os impactos sobre as populações e os setores econômicos nos próximos
anos não serão idênticos em todo o país, o Brasil precisa levar em conta
as diferenças regionais no desenvolvimento de ações de adaptação e
mitigação e de políticas agrícolas, de geração de energia e de
abastecimento hídrico para essas diferentes regiões. Dividido em três partes, o Relatório 1 – em fase final de elaboração –
apresenta projeções regionalizadas das mudanças climáticas que deverão
ocorrer nos seis diferentes biomas do Brasil até 2100, e indica quais
são seus impactos estimados e as possíveis formas de mitigá-los.
As projeções foram feitas com base em revisões de estudos realizados
entre 2007 e início de 2013 por 345 pesquisadores de diversas áreas,
integrantes do PBMC, e em resultados científicos de modelagem climática
global e regional. “O Relatório está sendo preparado nos mesmos moldes dos relatórios
publicados pelo Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas [IPCC, na sigla em inglês],
que não realiza pesquisa, mas avalia os estudos já publicados”, disse
José Marengo, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe) e coordenador do encontro. “Depois de muito trabalho e interação, chegamos aos resultados principais dos três grupos de trabalho [Bases científicas das mudanças climáticas; Impactos, vulnerabilidades e adaptação; e Mitigação das mudanças climáticas]”, ressaltou.
Principais conclusões
Uma das conclusões do relatório é de que os eventos extremos de secas e
estiagens prolongadas, principalmente nos biomas da Amazônia, Cerrado e
Caatinga, devem aumentar e essas mudanças devem se acentuar a partir da
metade e no fim do século 21. A temperatura na Amazônia deverá aumentar progressivamente de 1 ºC a 1,5
ºC até 2040 – com diminuição de 25% a 30% no volume de chuvas –, entre 3
ºC e 3,5 ºC no período de 2041 a 2070 – com redução de 40% a 45% na
ocorrência de chuvas –, e entre 5 ºC a 6 ºC entre 2071 a 2100.
Enquanto as modificações do clima associadas às mudanças globais podem
comprometer o bioma em longo prazo, a questão atual do desmatamento
decorrente das intensas atividades de uso da terra representa uma ameaça
mais imediata para a Amazônia, ponderam os autores do relatório. Os pesquisadores ressaltam que estudos observacionais e de modelagem
numérica sugerem que, caso o desmatamento alcance 40% na região no
futuro, haverá uma mudança drástica no padrão do ciclo hidrológico, com
redução de 40% na chuva durante os meses de julho a novembro – o que
prolongaria a duração da estação seca e provocaria o aquecimento
superficial do bioma em até 4 ºC. [Se nos lembrarmos que a Amazônia é nossa última grande fronteira de geração hidrelétrica, queiram ou não os ambientalistas comodistas de plantão, as perspectivas não são das melhores.]
Dessa forma, as mudanças regionais decorrentes do efeito do desmatamento
se somariam às provenientes das mudanças globais e constituíram
condições propícias para a savanização da Amazônia – problema que tende a
ser mais crítico na região oriental, ressaltam os pesquisadores. “As projeções permitirão analisar melhor esse problema de savanização da
Amazônia, que, na verdade, percebemos que poderá ocorrer em
determinados pontos da floresta, e não no bioma como um todo, conforme
previam alguns estudos”, destacou Tércio Ambrizzi, um dos autores
coordenadores do sumário executivo do grupo de trabalho sobre a base
científica das mudanças climáticas.
A temperatura da Caatinga também deverá aumentar entre 0,5 ºC e 1 ºC e
as chuvas no bioma diminuirão entre 10% e 20% até 2040. Entre 2041 e
2070 o clima da região deverá ficar de 1,5 ºC a 2,5 ºC mais quente e o
padrão de chuva diminuir entre 25% e 35%. Até o final do século, a
temperatura do bioma deverá aumentar progressivamente entre 3,5 ºC e 4,5
ºC e a ocorrência de chuva diminuir entre 40% e 50%. Tais mudanças
podem desencadear o processo de desertificação do bioma.
Por sua vez, a temperatura no Cerrado deverá aumentar entre 5 ºC e 5,5
ºC e as chuvas diminuirão entre 35% e 45% no bioma até 2100. No
Pantanal, o aquecimento da temperatura deverá ser de 3,5ºC a 4,5ºC até o
final do século, com diminuição acentuada dos padrões de chuva no bioma
– com queda de 35% a 45%.
Já no caso da Mata Atlântica, como o bioma abrange áreas desde a região
Sul do país, passando pelo Sudeste e chegando até o Nordeste, as
projeções apontam dois regimes distintos de mudanças climáticas.
Na porção Nordeste deve ocorrer um aumento relativamente baixo na
temperatura – entre 0,5 ºC e 1 ºC – e decréscimo nos níveis de
precipitação (chuva) em torno de 10% até 2040. Entre 2041 e 2070, o
aquecimento do clima da região deverá ser de 2 ºC a 3 ºC, com diminuição
pluviométrica entre 20% e 25%. Já para o final do século – entre 2071 e
2100 –, estimam-se condições de aquecimento intenso – com aumento de 3
ºC a 4 ºC na temperatura – e diminuição de 30% a 35% na ocorrência de
chuvas.
Nas porções Sul e Sudeste as projeções indicam aumento relativamente
baixo de temperatura entre 0,5 ºC e 1 ºC até 2040, com aumento de 5% a
10% no número de chuva. Entre 2041 e 2070 deverão ser mantidas as
tendências de aumento gradual de 1,5 ºC a 2 ºC na temperatura e de 15% a
20% de chuvas. Tais tendências devem se acentuar ainda mais no final do século, quando o
clima deverá ficar entre 2,5 ºC e 3 ºC mais quente e entre 25% e 30%
mais chuvoso.
Por fim, para o Pampa, as projeções indicam que até 2040 o clima da
região será entre 5% e 10% mais chuvoso e até 1 ºC mais quente. Já entre
2041 e 2070, a temperatura do bioma deverá aumentar entre 1 ºC e 1,5 ºC
e haverá uma intensificação das chuvas entre 15% e 20%. As projeções
para o clima da região no período entre 2071 e 2100 são mais agravantes,
com aumento de temperatura de 2,5 ºC a 3 ºC e ocorrência de chuvas
entre 35% e 40% acima do normal. “O que se observa, de forma geral, é que nas regiões Norte e Nordeste do
Brasil a tendência é de um aumento de temperatura e de diminuição das
chuvas ao longo do século”, resumiu Ambrizzi. “Já nas regiões mais ao Sul essa tendência se inverte: há uma tendência
tanto de aumento da temperatura – ainda que não intenso – e de
precipitação”, comparou.
Impactos e adaptação
As mudanças nos padrões de precipitação nas diferentes regiões do país,
causadas pelas mudanças climáticas, deverão ter impactos diretos na
agricultura, na geração e distribuição de energia e nos recursos
hídricos das regiões, uma vez que a água deve se tornar mais rara nas
regiões Norte e Nordeste e mais abundante no Sul e Sudeste, alertam os
pesquisadores. Por isso, será preciso desenvolver ações de adaptação e mitigação
específicas e rever decisões de investimento, como a construção de
hidrelétricas nas regiões leste da Amazônia, onde os rios poderão ter
redução da vazão da ordem de até 20%, ressalvaram os pesquisadores.
“Essas variações de impactos mostram que qualquer tipo de estratégia
planejada para geração de energia no leste da Amazônia está ameaçada,
porque há uma série de fragilidades”, disse Eduardo Assad, pesquisador
da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). “Dará para contar com água. Mas até quando e onde encontrar água nessas
regiões são incógnitas”, disse o pesquisador, que é um dos coordenadores
do Grupo de Trabalho 2 do relatório, sobre Impactos, Vulnerabilidades e Adaptação.
De acordo com Assad, é muito caro realizar ações de adaptação às
mudanças climáticas no Brasil em razão das fragilidades que o país
apresenta tanto em termos naturais – com grandes variações de paisagens –
como socioeconômicas. “A maior parte da população brasileira – principalmente a que habita as
regiões costeiras do país – está vulnerável aos impactos das mudanças
climáticas. Resolver isso não será algo muito fácil”, estimou.
Entre os setores econômicos do país, segundo Assad, a agricultura é um
dos poucos que vêm se adiantando para se adaptar aos impactos das
mudanças climáticas. “Já estamos trabalhando com condições de adaptação há mais de oito anos.
É possível desenvolver cultivares tolerantes a temperaturas elevadas ou
à deficiência hídrica [dos solos], disse Assad.
O pesquisador também ressaltou que os grupos populacionais com piores
condições de renda, educação e moradia sofrerão mais intensamente os
impactos das mudanças climáticas no país. “Teremos que tomar decisões
rápidas para evitar que tragédias aconteçam".
Mitigação
Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília (UnB), e uma
das coordenadoras do Grupo de Trabalho 3, sobre Mitigação das Mudanças
Climáticas, apresentou uma síntese de estudos e pesquisas sobre o tema,
identificando lacunas do conhecimento e direcionamentos futuros em um
cenário de aquecimento global.
Bustamante apontou que a redução das taxas de desmatamento entre 2005 e
2010 – de 2,03 bilhões de toneladas de CO2 equivalente para 1,25 bilhão
de toneladas – já tiveram efeitos positivos na redução das emissões de
gases de efeito estufa (GEE) decorrentes do uso da terra. “As emissões decorrentes da geração de energia e da agricultura, no
entanto, aumentaram em termos absolutos e relativos, indicando mudanças
no perfil das emissões brasileiras”, disse.
Mantidas as políticas atuais, a previsão é de que as emissões
decorrentes dos setores de energia e de transportes aumentem 97% até
2030. Será preciso mais eficiência energética, mais inovação tecnológica
e políticas de incentivo ao uso de energia renovável para reverter esse
quadro. Na área de transporte, as recomendações vão desde a transformação de um
modal – fortemente baseado no transporte rodoviário – e o uso de
combustíveis tecnológicos. “É preciso transferir do individual para o
coletivo, investindo, por exemplo, em sistemas aquaviários e em veículos
elétricos e híbridos”, ressaltou Bustamante.
O novo perfil das emissões de GEE revela uma participação crescente do
metano – de origem animal – e do óxido nitroso – relacionado ao uso de
fertilizantes. “Apesar desses resultados, a agricultura avançou no
desenvolvimento de estratégias de mitigação e adaptação”, ponderou.
Para a indústria, responsável por 4% das emissões de GEE, a lista de
recomendações para a mitigação passa pela reciclagem, pela utilização de
biomassa renovável, pela cogeração de energia, entre outros.
As estratégias de mitigação das mudanças climáticas exigem, ainda, uma
revisão do planejamento urbano de forma a garantir a sustentabilidade
também das edificações de forma a controlar, por exemplo, o consumo da
madeira e garantir maior eficiência energética na construção civil.
Informação para a sociedade
Os pesquisadores participantes da redação do relatório destacaram que,
entre as virtudes do documento, está a de reunir dados de estudos
científicos realizados ao longo dos últimos anos no Brasil que estavam
dispersos e disponibilizar à sociedade e aos tomadores de decisão
informações técnico-científicas críveis, capazes de auxiliar no
desenvolvimento de estratégias de adaptação e mitigação para os
possíveis impactos das mudanças climáticas. “Nós, cientistas, temos o desafio de conseguir traduzir a seriedade e a
gravidade do momento e as oportunidades que as mudanças climáticas
globais encerram para a sociedade. Sabemos que a inação representa a
ação menos inteligente que a sociedade pode tomar”, disse Paulo Nobre,
coordenador da Rede Clima.
Por sua vez, Celso Lafer, presidente da FAPESP, destacou, na abertura do
evento, que a Fundação tem interesse especial nas pesquisas sobre
mudanças climáticas, expresso no Programa FAPESP de Pesquisa em Mudanças
Climáticas Globais (PFPMCG), mantido pela instituição. “Uma das preocupações básicas da FAPESP é pesquisar e averiguar o
impacto das mudanças climáticas globais naquilo que afeta as
especificidades do Brasil e do Estado de São Paulo”, afirmou.
Também participaram da abertura do evento Bruno Covas, secretário do
Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Carlos Nobre, secretário de
Políticas e Programa de Pesquisa e Desenvolvimento (Seped) do Ministério
da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), e Paulo Artaxo, membro da
coordenação do PFPMCG.
Carlos Nobre ressaltou que o relatório será a principal fonte de
informações que orientará o Plano Nacional de Mudanças Climáticas que,
no momento, está em revisão. “É muito importante que os resultados desse estudo orientem os trabalhos
em Brasília e em várias partes do Brasil, em um momento crítico de
reorientar a política nacional, que tem de ir na direção de tornar a
economia, a sociedade e o ambiente mais resilientes às inevitáveis
mudanças climáticas que estão por vir”, afirmou.
Segundo ele, o Brasil já sinalizou compromisso com a mitigação,
materializado na Política Nacional de Mudanças Climáticas e que prevê
redução de 10% e 15% das emissões entre 2010 e 2020, respectivamente,
relativamente a 2005. “São Paulo lançou, em 2009, um programa ambicioso, de redução de 20% das
emissões, já que a questão da mudança no uso da terra não é uma questão
tão importante no Estado, mas sim o avanço tecnológico na geração de
energia e em processos produtivos. O Brasil é o único país em
desenvolvimento com metas voluntárias para redução de emissões”. Ele ressaltou, entretanto, que “a adaptação ficou desassistida". "Não é
só mitigar; é preciso também se adaptar às mudanças climáticas. As três
redes de pesquisa – Clima, INCT e FAPESP – avançam na adaptação, que é o
guia para o desenvolvimento sustentável".
[O quadro é altamente preocupante, não apenas por si mesmo mas também, e principalmente, porque no caminho crítico das decisões está o governo petista -- que a burrice suicida do nosso eleitorado pode manter por mais quatro anos no poder. Se Dona Dilma aplicar nesse quadro o mesmo critério do absurdo da transposição do rio São Francisco -- em fundamentação, concepção e execução -- estaremos simples e novamente ferrados. Outro aspecto assustador é que a solução e/ou mitigação dos problemas apontados requer cuidadoso e detalhado planejamento, algo de que Dona Dilma, a doce, e os petistas não entendem absolutamente nada -- mas que em sua burrice típica e hiperbólica se recusam a reconhecer.]
Nenhum comentário:
Postar um comentário