segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Nossas empresas aéreas só querem mamar nas tetas do governo e reduzir seus riscos com o nosso dinheiro

[Nosso setor aéreo comercial é mais um mostruário claro e inequívoco de péssima gestão, tanto das empresas aéreas quanto do governo. O histórico do setor tem duas falências emblemáticas, ambas perfeitamente evitáveis e ambas tendo o governo federal como responsável, Panair e Varig, que estão na raiz dos problemas, deficiências e desacertos que a avião comercial brasileira enfrenta há décadas. A Panair faliu em 1961, último ano de governo de JK, e a Varig desapareceu em 2006, mais ou menos no meio do primeiro mandato do NPA (Nosso Pinóquio Acrobata, Lula). O desmanche da Varig foi resultado de uma trama maquiavélica, em que três figuras de governo sobressaem: NPA, Dilma (então ministra-chefe da Casa Civil) e José Dirceu (que foi o antecessor de Dilma no cargo, obrigado a se demitir em 2005 por causa do escândalo do mensalão) -- ver longa reportagem da revista Piauí de julho de 2013 sobre a disputa que matou a Varig (no site da revista só acessível a assinantes). Sempre se falou de estreitíssimas ligações entre José Dirceu e a TAM -- o fato é que, eliminada a Varig, a TAM ocupou seu espaço e virou o que é hoje. Se os governos petistas tivessem dado à Varig o mesmo paparico que sempre deram a setores privilegiados da economia (indústria automobilística e, mais recentemente, o grupo de Eike Batista, por exemplo), a história seria outra. A Fundação Ruben Berta ter sua enorme parcela de culpa na degringolada da Varig, mas se o governo tivesse mesmo intenção de salvar a empresa teria como enquadrar a Fundação. Para completar a tragédia, não há setor nenhum no mundo que consiga ser eficiente e rentável sob a tutela de duas agências de governo tipo Anac e Infraero.  O texto abaixo é de Miriam Leitão. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

Biruta de aeroporto

Miriam Leitão - O Globo, 25/8/2013

As empresas aéreas não precisam de ajuda do governo, precisam de boa gestão, atenta regulação e boa infraestrutura aeroportuária. Mas foram pedir ajuda ao governo porque Brasília é o caminho favorito das empresas brasileiras de terra, mar e ar. Números da Anac mostram um crescimento espantoso de passageiros e de receita líquida desde 2004. Agora, o vento é contra.

Vento contra sempre haverá. É da vida das voadoras. Elas têm a maior parte das suas despesas em dólar porque fazem leasing de avião em empresa estrangeira, têm dívida externa e a Petrobras não perdoa: de 15 em 15 dias tem reajuste de querosene de aviação. [Essa "tradição" de leasing de aviões em empresa estrangeira soa a mutreta: TAM, Gol e Avianca não têm um avião sequer da Embraer, nem nas rotas domésticas, ao contrário da Azul e da Trip -- por que será? A Azul tem 31 aeronaves Embraer em operação e mais 15 encomendadas.].

Quando o dólar ficou baixo, tão baixo que o ministro Guido Mantega levantava imposto de importação e punha IOF em entrada de capital, as empresas tiveram uma baixa de custo. Isso durou bastante tempo. Coincidiu com o período de maior crescimento da renda e da ampliação da classe média no governo Lula. Após uma queda de 5,9% no ano do ajuste de 2003 (no qual houve, apesar disso, aumento de receita de 7,6%), a demanda por transporte aéreo de passageiro cresceu todos os anos a nível chinês. Eu disse chinês? Foi mais. Em 2010, a medida do setor, RPK, que é bilhetes vendidos multiplicado por quilômetros voados, chegou a aumentar 23,8%. Naquele ano superou a China. O número de passageiros transportados atingiu a marca dos 100 milhões, informou a Anac.

Veja o gráfico abaixo do aumento ano a ano da demanda de transporte aéreo de passageiro. Na receita líquida das companhias aéreas também o saldo é positivo. Houve de 2003 para cá três anos negativos (2006: -8,1%; 2007: -0,6% e 2009: -7,6%), mas a queda foi totalmente superada. Em 2004, o crescimento foi de 12,3%; 2005, 3,3%; 2008, espantosos 27%; 2010, 25%; 2011, 14%; 2012, 12,7%. Na receita líquida, a Anac agrega o transporte de passageiros, carga e mala postal, mas não o táxi-aéreo.


Os números são sólidos: o mercado cresceu, a receita aumentou na maioria dos anos na última década e o número de empresas do mercado é muito pequeno e concentrado. É praticamente um duopólio que começa a perder participação pelo crescimento das menores, mas houve fatos como a compra da Webjet pela Gol. A empresa comprada foi fechada logo depois. Em qualquer país do mundo, a lei antitruste impediria isso. O mercado é restrito para as estrangeiras.

Elas podem reclamar que a Petrobras tem duas políticas de preço: um de reajuste quinzenal para os preços não visíveis, e outra de preços que só sobem quando o governo deixa. Mas numa época em que o imposto sobre carbono começa a recair sobre algumas voadoras do mundo, principalmente na Europa, não faz sentido incentivar querosene de aviação. Aliás, subsídio a combustível fóssil não faz sentido algum, apesar de o Brasil usar em outras modalidades de transportes e até no automóvel por puro populismo.

Quem voa no Brasil tem do que reclamar. Espaços encurtaram, lanches ficaram raros e na Gol só água é de graça. Quem compra passagem e se arrepende meia hora depois tem que esperar três meses para receber o dinheiro de volta. Quem antecipar a viagem paga mais, quem quer postergar também. A milhagem raramente pode ser usada. Os voos atrasam e nada acontece. Tudo aguentamos, mas dar dinheiro público no ano de vento contrário, após anos de vento de cauda, é pedir demais aos senhores passageiros.

[Alguns adendo ao excelente artigo da Miriam: - i) em 2011, as passagens aéreas subiram nada menos que 53%; -ii) de tanto mamar nas tetas do governo, nossas empresas ficaram com a boca torta -- o governo Dilma tem feito a farra do boi com o nosso dinheiro com o empresariado: comprometeu seriamente o BNDES com o grupo Eike Batista, entupiu a indústria automobilística de benesses para que ela continue nos vendendo carros inseguros, e agora estimula o Congresso a perdoar R$ 3 bi dos clubes de futebol. Enquanto isso, setores vitais como o de saneamento básico ficam à míngua de investimentos federais. -- iii) Se se concretizar o absurdo da ajuda do governo às empresas aéreas, vamos botar dinheiro nosso no bolso da Lan (chilena) e da Delta (americana), sócias respectivamente da TAM e da Gol?! Como é que fica isso?!

Não é só no transporte de passageiros que o nosso setor aéreo padece com a falta de visão estratégica e de planejamento do governo federal. A empresa gaúcha Aeromot, fornecedora da Embraer e da FAB há mais de 40 anos, está em situação difícil por falta de encomendas. Se o governo Dilma tivesse com ela um décimo da boa vontade que tem mostrado  com os Eikes e Anfaveas da vida, ela poderia ser salva.]

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