[No dia 9 deste mês fiz uma postagem sobre o aparecimento de novos implicados no escândalo do cartel delatado pela Siemens. Ali já apareciam os primeiros sinais de que o setor elétrico pauista estaria envolvido na esparrela. Hoje o jornal paulista Estadão faz denúncia sobre o envolvimento também do setor de saúde, além do elétrico, nas trapaças da Siemens, texto a seguir. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]
A carta que levou a investigações, no Brasil e na Alemanha, sobre
irregularidades cometidas pela Siemens em licitações e formação de
cartel no sistema metroferroviário cita "práticas ilícitas" não só nos
transportes, mas também nos setores de energia e de equipamentos médicos
da empresa. Para os investigadores, a rotina denunciada no documento,
enviado em junho de 2008 à matriz da multinacional, engloba fraudes em
concorrências públicas e pagamento de propinas a agentes públicos
brasileiros.
A carta com as acusações, que hoje os investigadores sabem ser de um
ex-executivo da multinacional, foi enviada ao ombudsman da Siemens na
Alemanha e a autoridades brasileiras em junho de 2008. Embora fosse
anônima, a riqueza de detalhes que continha em suas cinco páginas, 77
tópicos e seis anexos levou os investigadores a deflagrar uma apuração
sem precedentes. Na Siemens, resultou na demissão da cúpula em diversos
países - inclusive no Brasil. Em muitos países, resultou também n a
instauração de procedimentos investigatórios pelos órgãos competentes.
No início da denúncia, o autor, dirigindo-se ao então ombudsman da
Siemens na Alemanha, Hans-Otto Jordan, afirma que apontará "alguns fatos
e documentos que demonstram práticas ilegais da Siemens, no passado e
atualmente" e cita projetos dos metrôs de São Paulo e Brasília, onde
aponta a prática de corrupção. Ele prossegue: "Esse tipo de prática não é
um privilégio da Divisão de Transportes. São práticas comuns também nas
divisões de Transmissão e Distribuição de Energia, Geração de Energia e
de Sistemas Médicos".
O autor da denúncia que colocou a Siemens no centro do grande escândalo
mundial não fornece detalhes sobre malfeitos nessas áreas específicas
nem cita nomes ou esferas de governo. No Brasil, a multinacional alemã
tem contratos milionários com empresas de diversos governos. No federal,
controladas da Eletrobrás como Furnas, Chesf e Eletronorte tem
contratos com a empresa. No governo paulista, a Cesp contratou a Siemens
em diversas ocasiões.
Verossímil. Os investigadores veem o relato do
denunciante como verossímil porque outras informações transmitidas na
carta agora são confirmadas pelos seis executivos que trabalharam na
Siemens e firmaram, em 22 de maio de 2013, acordo de leniência com o
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). São subscritores do
pacto o Ministério Público Federal e o Estadual.
Os lenientes - quatro executivos brasileiros e dois alemães que ocupavam
cargos do alto escalão da companhia - revelaram a formação de um cartel
no sistema metroferroviário de São Paulo, situação já apontada pelo
autor da carta.
"É impressionante observar que, apesar de todos os escândalos e
consequências para toda a companhia, a Siemens Brasil continua pagando
propinas no Brasil para conseguir contratos lucrativos", acentuou o
denunciante. "Espero que as informações mencionadas possam ajudá-lo em
sua difícil função como ombudsman em uma companhia que não aprendeu com
as lições do passado".
Outro cartel. O Cade conduz investigação sobre
expedientes atribuídos à Siemens que teriam violado a competição no
setor energético. Instalada em 2006 e ainda não concluída, uma
investigação conduzida pela Secretaria de Direito Econômico do órgão
aponta para a formação de cartel na venda de transformadores de
distribuição de energia elétrica que teria provocado prejuízo de pelo
menos R$ 1,7 bilhão a empresas do setor entre 1988 e 2004. A informação
foi revelada em 2007 pelo jornal Folha de S. Paulo [seria interessante saber que destinou se deu a essa denúncia, já que a prática criminosa foi mantida].
Nesse caso, a Siemens é vítima do próprio instrumento do qual se
beneficia em relação ao setor metroferroviário, já que outra empresa, a
ABB, fez um acordo de leniência com o Cade, livrando-se de pagar uma
multa milionária. Na ocasião, o presidente da Empresa de Pesquisa
Energética, Maurício Tolmasquim, relatou que costumava ouvir muitas
queixas do setor elétrico sobre preços de equipamentos muito acima do
mercado internacional, e disse crer na existência de diversos cartéis na
área. "Acho que é a ponta do iceberg", disse então.
Trechos da carta: "Eu gostaria de trazer para o seu
conhecimento alguns fatos e documentos que demonstram práticas ilícitas
adotadas pela Siemens no Brasil, nos dias de hoje e no passado,
particularmente nos seguintes projetos: CPTM Linha G (Linha 5 do Metrô
de São Paulo), CPTM Série 3000 e contrato de manutenção do Metrô-DF".
"Esse tipo de prática não é privilégio da divisão de transportes. Elas
também são comuns nas áreas de transmissão e distribuição de energia,
geração de energia e na divisão de sistema de saúde, que trabalham com
empresas públicas".
"Essa carta e os documentos anexados a ela serão distribuídos às
autoridades brasileiras que estão investigando o caso de pagamento de
propina pela Alstom em diversos projetos do Brasil, dentre os quais a da
linha G da CPTM. É surpreendente observar que, apesar dos escândalos e das consequências
para toda a companhia, a Siemens Brazil continua a pagar propina no
País para ganhar contratos rentáveis".
Veja também:
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