[Mais um artigo competente, que desnuda a gestão da nossa terna ex-guerrilheira e nos ajuda a entender por que o país está economicamente ladeira abaixo, praticamente na banguela. De quebra, joga um pouco mais de luz nas razões por trás dos movimentos de rua de hoje.]
Em cima do laço
Raul Velloso (*) --
O Globo, 08/7/2013
O ministro da Fazenda acaba de anunciar um corte de R$ 15 bilhões no
custeio geral do governo, para viabilizar a nova meta fiscal de 2013. Ao
mesmo tempo, na direção oposta, fala-se de maiores desonerações
tributárias no transporte urbano, algo que também agradaria aos
manifestantes. Como em situações que vivi várias vezes no governo, esse
tipo de corte é pouco eficaz, mas é o que resta à Fazenda quando se
trata de fazer ajustes em cima do laço. O certo seria mudar a estrutura
do gasto, como se verá ao final.
A verdade é que o governo foi pego no contrapé quando estouraram as
manifestações. Primeiro, porque enfrenta uma séria crise de
credibilidade na gestão fiscal, crise essa inteiramente desnecessária.
Que os resultados fiscais vêm piorando há bastante tempo, é fato. Só
que, em vez de apresentar justificativas válidas — a crise etc. —, o
governo resolveu esconder a situação real mediante o uso do que ficou
conhecido como “contabilidade criativa”. Havia espaço para os saldos
fiscais caírem, pelo menos até certo ponto, pois, no conceito de “dívida
líquida”, que exclui da dívida bruta as aplicações financeiras, a razão
dívida/PIB não tenderia a subir. Bastaria o governo dizer que, passado o
auge da crise, tudo voltaria ao normal.
Outro problema tem a ver com a brutal expansão dos financiamentos do
BNDES, que se têm viabilizado pela inédita emissão de títulos públicos
dos últimos anos. Um maior volume de financiamentos para viabilizar a
expansão da infraestrutura será crucial para tirar o país do buraco, mas
dois subprodutos do que tem ocorrido até agora começam a despertar
preocupação. Como tem havido pouca infraestrutura e outras prioridades
no leque de aplicações do BNDES, o forte crescimento da dívida pública
bruta resultante dessas emissões precisa ser mais bem justificado.
Paralelamente, o salto observado nas transferências de dividendos do
BNDES ao Tesouro, em grande medida relacionado com essas operações, tem
um forte cheiro de maquiagem fiscal.
O governo é também mal avaliado pelo fato de o modelo de crescimento do
consumo, que vem sendo posto em prática há vários anos, ter se esgotado.
Em vez de mudar o curso do “transatlântico” na direção de mais
investimento e menos consumo, optou-se por esgarçar o modelo ao máximo,
interferindo indevidamente no sistema de preços (como nos congelamentos
de preços e tarifas básicas), e tolhendo a ação privada séria nas
concessões de infraestrutura. Para completar, anunciou-se no início do
ano que não haveria mais meta fiscal a cumprir, algo em que o ministro
da Fazenda acaba de voltar atrás. É nesse contexto que se diz que foi
abandonado o tripé macroeconômico herdado da fase FHC e do início do
governo Lula. A síntese disso tudo é que a inflação está acima do
tolerável e a economia anda a passo de cágado.
Agora que é preciso, em adição, responder adequadamente às
manifestações, o governo procura desviar as atenções para outros temas,
dessa feita uma confusa reforma política, cuja impossibilidade prática
só vai aumentar a pressão das massas à frente. E anuncia, abertamente, o
rompimento de contratos, ao suspender reajustes de pedágios programados
normalmente para agora.
Além de recuperar a credibilidade fiscal e da gestão econômica, sem o
que acabaremos perdendo a classificação de “grau de investimento” das
agências de risco internacionais, o que seria um caos para o país, penso
ser hora de se fazer uma discussão mais profunda e produtiva do
orçamento federal, exatamente por ser o lugar onde reformar é
efetivamente prioritário.
Ninguém sabe disso com clareza, mas 75% do gasto da União se dão com uma
gigantesca folha de pagamento de benefícios previdenciários e
assistenciais, além dos salários de servidores, resultado de um
exagerado modelo de transferência de dinheiro para certos segmentos, não
necessariamente os mais necessitados. Essa folha corresponde hoje a
cerca de 54 milhões de contracheques, onde se pendura mais de metade da
população brasileira, se raciocinarmos com duas pessoas sustentadas a
cada contracheque.
Os 25% restantes da despesa total se decompõem em 8% para gastos
correntes em saúde; 1,3% para os investimentos em transportes; 4,7% para
os demais investimentos; e os demais 11% são gastos correntes
pulverizados em setores que às vezes deveriam ser prioritários e não o
são. Essa última parcela inclui, ainda, o espremido custeio geral da
máquina, de onde o ministro da Fazenda quer agora tirar algo 50% acima
do gasto em transportes, obviamente inviável.
Ressalte-se que em 1987, um pouco antes da implementação do atual modelo
de gastos, os gastos em saúde representavam os mesmos 8% do total,
enquanto os de investimento eram 16% do todo. Enquanto isso, a “grande
folha de pagamento” pesava bem menos: 39% do total.
Como se vê pelos protestos, saúde e infraestrutura estão na linha de
frente dos gritos. Ou seja, só transferir dinheiro não é suficiente. A
tarefa é grande e urgente. O país precisa correr porque está em cima do
laço.
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(*) Raul Velloso é economista, especializado em análise macroeconômica e finanças públicas.
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