sexta-feira, 5 de julho de 2013

Brasil investe pouco no ensino básico

[Infelizmente, o tom cor-de-rosa do primeiro parágrafo do artigo abaixo do Valor Econômico do dia 04/7 vai progressivamente desbotando nos parágrafos seguintes, até desembocar na cor negra da dura realidade do ensino no Brasil. Dona Dilma devia tomar calmante, chá de camomila, remédio para o fígado e ler com calma esta reportage, e assim entender um pouco mais do que está acontecendo nas ruas.]

Nos últimos dez anos, o Brasil elevou de forma expressiva os gastos públicos com educação, que somaram 5,8% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2010, quando se consideram despesas diretas municipais, estaduais e federais com escolas públicas (97% do total) e subsídios às famílias no ensino privado (3%), em contas da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Em proporção do PIB, o percentual é equivalente à média dos países que compõem a OCDE, de 5,8%, e até maior do que em países reconhecidos pela qualidade do ensino, como Estados Unidos (5,5%), Espanha (5%) e Coreia (4,9%), sempre considerando gastos públicos em instituições públicas de ensino e bolsas em instituições privadas.

Quando esse número é ajustado para levar em consideração o tamanho da economia, o número de alunos, o nível de ensino e, principalmente, quando se olha para os resultados que o país tem obtido em provas internacionais, o que parece grande fica pequeno. Por aluno, os 5,8% do PIB brasileiro se transformam em gasto anual de US$ 2.964, muito abaixo da média dos países da OCDE, de US$ 8.332.

Panorama da educação brasileira - Evolução dos gastos no setor, no Brasil e em outros países do mundo (clique na imagem para ampliá-la) - (Fonte: Valor Econômico).

De novo, contudo, a despesa por estudante esconde a realidade, pois o Brasil continua gastando muito mais no ensino superior e muito menos no ensino básico, apesar de haver melhorado essa "divisão". Considerando todos os níveis de governo, o Brasil gastou, em 2010, US$ 2.653 por aluno nos ensinos básico e médio, e cinco vezes mais no ensino superior, com US$ 13.137 por estudante.

No ensino básico, o país está quase na lanterna entre os 34 países da OCDE (e muito abaixo da média de US$ 8.412), enquanto, no ensino superior, dez países gastam mais que o Brasil por aluno, e a média é de US$ 11.382.

Para especialistas em educação e em contas públicas, a pior notícia desses números é que, mais do que gastar pouco, o Brasil gasta mal os recursos destinados à educação. Entre 2008 e 2013, as despesas com educação subiram, em média, 82% nas capitais, 70% nos Estados e 122% na União, em termos nominais. No mesmo período, a inflação acumulada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de 39,6%, já considerando a alta de 5,86% do índice em 2013, prevista pelo mercado no boletim Focus do dia 24 de junho.

No Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), prova da OCDE destinada a avaliar habilidades de leitura, matemática e ciências, o Brasil atingiu nota média de 401 pontos em 2009, 33 pontos a mais do que em 2000. Embora tenha sido um dos maiores aumentos de nota observados entre os países que participam da prova, o Brasil segue em 53º lugar no ranking de 65 países, atrás de Chile e México, que investem 4,1% e 5,3% do PIB em educação, respectivamente.

Diante das manifestações que tomaram as cidades brasileiras nas últimas semanas, com bandeiras que demandam mais recursos para saúde e educação, a Câmara aprovou a destinação dos royalties do pré-sal para essas duas áreas. O Senado também se comprometeu a votar antes do recesso parlamentar, em meados de julho, o Plano Nacional de Educação (PNE), que entre outras metas estabelece que 10% do PIB sejam destinados para educação, o que significa praticamente dobrar recursos para o setor.

Para economistas e estudiosos da educação, no entanto, apenas elevar gastos direcionados para a área pode não resultar em melhora da qualidade do serviço prestado à população, caso não venham acompanhados de mudanças estruturais, como valorização da carreira de professor, redefinição de etapas do ensino, implementação de metas e bonificação de bons professores e escolas, por exemplo. Ainda assim, argumentam, para equiparar o ensino público brasileiro ao de países desenvolvidos, e elevar o gasto por aluno, será preciso investir uma parcela maior do PIB para fazer frente às defasagens históricas no ensino do país.

Priscila Cruz, diretora-executiva do Todos pela Educação, diz que não é possível dar um salto de qualidade na educação brasileira sem investir mais, já que o país tem uma população jovem e precisa ainda fazer o trabalho de qualificação que outras economias fizeram no século passado. A questão, afirma Priscila, é que o aumento de recursos tem de vir acompanhado de boa gestão e excelência na implementação de políticas públicas. Caso contrário, é possível elevar recursos sem ter contrapartida na qualidade. Um exemplo está no ensino médio, afirma. Os recursos para educação nessa faixa dobraram em dez anos. Ainda assim, apenas 10% dos alunos apresentam nível de aprendizado condizente com a sua série, mesmo patamar observado há dez anos.

Nesse caso, embora tenham aumentado os recursos, o desenho equivocado do ensino médio brasileiro, que tem 13 matérias obrigatórias fixas, enquanto em diversos outros países o currículo é flexível, travou avanços significativos no aprendizado, diz Priscila. "Ou o financiamento vem acompanhado de reformulação, ou podemos desperdiçar os investimentos a mais".

Mansueto Almeida, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), faz diagnóstico semelhante. No curto prazo, segundo ele, é fácil ceder ao apelo de elevar recursos para áreas como o ensino público, mas a discussão está começando pelo lado errado. "A melhoria do serviço não é uma questão de curto prazo e depende de reformas institucionais, com investimento em treinamento e qualidade dos professores, políticas de bônus para os funcionários e escolas com melhor desempenho", diz.

É uma dinâmica diferente dos programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, que dependem majoritariamente de aumento da despesa e têm impacto quase imediato. O aumento do gasto para 7% ou 10% do PIB, diz, deveria ser resultado desse rearranjo na condução das políticas públicas, e não uma meta por si só. "Para elevar a qualidade da saúde e da educação, o aumento do gasto sozinho pode resultar em desperdício de recursos".  A essas críticas, Naércio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, adiciona a má distribuição de recursos. "Hoje, um aluno do ensino superior recebe seis vezes mais recursos do Estado do que um aluno da educação infantil."

A necessidade de priorizar o ciclo básico de educação, em detrimento do superior, é um dos pontos consensuais entre os especialistas ouvidos pelo Valor. O Brasil tem avançado nesse caminho. Em 2000, pelos dados compilados pela OCDE, o Brasil destinava 2,4% do PIB para o ensino básico (fundamental e médio), percentual que cresceu para 4,3% do PIB dez anos depois. Na mesma comparação, entre 2000 e 2010, a parcela destinada ao ensino superior passou de 0,7% para 0,9%.

Para Menezes, a perenidade das políticas públicas ao longo de administrações distintas é um caminho para garantir resultados melhores, como no caso do Ceará. São duas políticas que, de certa forma, independem dos recursos. "Apenas transferir recursos não resolve a questão", diz.

O grande volume investido na área resultou em aumento das notas no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) em todos os ciclos. Ainda assim, mesmo onde o desempenho melhorou mais, nos anos iniciais do ensino fundamental (que avalia o desempenho dos alunos da 5ª série), a nota no ensino público (4,7 pontos) continua distante da obtida no ensino privado, que é de 6,5 pontos. Quanto mais elevado o nível de ensino, maior a discrepância.

Outro indicador importante, que mede a distorção idade-série entre alunos do ensino médio (adolescentes mais velhos em séries em desacordo com a sua idade), recuou de 44,8% para 32,8% entre 2007 e 2011, mas segue elevada tanto por causa do ingresso tardio na escola quanto por causa das taxas ainda altas de repetência e abandono escolar.

Ana Maria Barufi, economista do Bradesco, avalia que são necessários anos de investimento forte no setor para que a qualidade do aprendizado melhore. Nelson Cardoso Amaral, professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), também avalia que avanços importantes foram feitos na última década, e que não são percebidos pelo Ideb. "Mudanças substanciais em processos educacionais são lentos. Mesmo com recursos substanciais, a melhora da qualidade pode não aparecer de imediato." A capacidade de aprendizado do aluno, diz o professor da UFG, também depende de melhora do perfil socioeconômico da população e de investimento em infraestrutura, para equipar escolas com bibliotecas, quadras e laboratórios.

Segundo Amaral, a partir da evolução desses outros indicadores, é possível passar a focar em elevar a qualidade do ensino. O momento para isso é agora, enquanto o Brasil ainda pode capacitar a população e aproveitar o que resta do bônus demográfico. Além disso, há a expectativa de ingresso de recursos para a área com os royalties da exploração de óleo no pré-sal.

Apenas esses recursos não serão suficientes para elevar o investimento público em educação para 10% do PIB, o que significa dizer que a sociedade precisará fazer escolhas. Priscila, do Todos pela Educação, afirma que é preciso que os recursos que ingressarão nos cofres públicos carimbados para a educação não sejam mal aproveitados. Os royalties do pré-sal, diz, poderiam ser usados para elevar os salários dos professores. Apesar da expectativa de que a quantia somará mais de R$ 200 bilhões nos próximos anos, Priscila afirma que não seriam suficientes para equiparar o salário dos professores do ensino fundamental e médio aos salários médios dos profissionais de outras áreas, o que tornaria a carreira na educação mais competitiva.

Amaral também afirma que apenas o pré-sal será insuficiente para elevar o porcentual destinado à educação para 10% do PIB e avalia que outras medidas serão necessárias, como a redefinição do destino das contribuições existentes, estabelecimento de novas contribuições e levar União, Estados e municípios a gastar mais do que o mínimo constitucional com a área.

Para Mansueto, do Ipea, o debate no Brasil é sempre "aditivo". Ou seja, a cada nova demanda da sociedade, aumenta-se a carga tributária para acomodar a reivindicação. Hoje, no entanto, a carga tributária do país é uma das maiores do mundo e o debate precisará se dar em torno do mix de gastos do governo. "Ou vamos discutir se estamos dispostos a mudar a regra do salário mínimo, por exemplo, ou a resposta vai ser mais carga tributária, mais dívida ou mais inflação", afirma.


Um comentário:

  1. Artigo muito preciso na sua análise e no seu diagnóstico. Canhestra abordagem, essa do governo, no que se refere à educação, dentre outros casos. Gasta-se pessimamente, e os salários dos professores jamais é contemplado e continua perenemente aviltado. A situação do ensino básico negligenciado pode ser comparada à construção de luxuoso prédio, onde se faz notável economia nas fundações. É claro que a comparação é pra lá de piegas, beirando idiota, mas... qual a minha alternativa para comentar a falta plena de lógica?

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