Mudar o rumo
Cristovam Buarque -- O Globo, 27/7/2013
Nada
indica mais a pobreza da política brasileira do que a proposta de pacto
para mudar algumas regras no sistema eleitoral, quando precisamos de
união para uma mudança de rumo.
Anos
atrás fui à Irlanda investigar porque um dos países mais atrasados em
educação havia se transformado em exemplo mundial nesta área. Quis
visitar a cidade de Kork, onde, nos anos 70, as lideranças políticas do
país haviam decidido uma união para priorizar a educação nos anos
seguintes. O embaixador do Brasil, Stelio Amarante, disse que não havia
tempo porque as estradas eram ruins. Perguntei como um país tão bom em
educação tinha suas estradas ruins. Ele respondeu: "Por isso mesmo!
Gastaram o dinheiro em educação e não em estradas. Agora o país vai modernizá-las".
Os líderes irlandeses olharam o futuro e fizeram as contas para definir prioridades. Nós estamos acostumados a olhar para o imediato e a não fazer as contas. Esta é uma das razões da insatisfação que leva às manifestações do povo, especialmente da juventude que está querendo reorientar os recursos para mudar o rumo do país.
Há
seis anos o Brasil se dedica à construção de estádios para a Copa do
Mundo de 2014, sem olhar a educação e o ano 2030. O Distrito Federal não
tem times que atraiam torcedores, mas fez estádio para 72 mil
espectadores ao custo de R$ 1,6 bilhão.
Uma conta mostra
que apenas com os recursos deste estádio seria possível financiar a
formação de pelo menos 6.800 engenheiros de excelência, desde a primeira
série do ensino fundamental, em superescolas com padrão internacional
até a formatura em cursos similares ao do Instituto Tecnológico da
Aeronáutica (ITA), um número maior do que a soma de todos os engenheiros
formados no Instituto em seus 64 anos.
Se
considerarmos que cada um desses profissionais vai contribuir para o
desenvolvimento do país e gerar uma renda igual ao salário deles, algo
em torno de R$
20 mil por mês, ao longo de 35 anos de trabalho o montante resultaria
em cerca de R$ 63,6 bilhões, valor equivalente a 40 estádios similares
ao novo Mané Garrincha.
Se considerarmos o custo dos 12 estádios da Copa, deixaremos de formar pelo
menos cerca de 30.400 cientistas e tecnólogos da mais alta qualidade.
Estes profissionais serviriam de base para o desenvolvimento científico e
tecnológico do Brasil, desde que os líderes brasileiros olhassem para o futuro e fizessem as contas.
Neste caso, talvez no futuro, alguém pergunte: "Como é possível que um país com a excelente qualidade na educação, uma das melhores do mundo, não tenha na sua capital um estádio para 72 mil pessoas?". E alguém diria: "Por isso mesmo, preferiram formar 6.800 engenheiros de máxima qualidade. Agora vão fazer o estádio".
O Brasil tem muitos problemas. Um dos mais graves é não fazer contas, nem olhar o futuro. Felizmente, o povo e especialmente os jovens começaram a fazer as contas e a irem às ruas usando a guerrilha cibernética para forçar uma unidade brasileira pela mudança de rumo nas nossas prioridades.
[A argumentação do senador é um tanto bastante capenga, e não cai muito bem para quem fez (ou pretende fazer) da educação sua bandeira e já ocupou essa pasta no (des)governo do NPA. Achei a história da Irlanda meio da carochinha, mas deixêmo-la de lado. Vejamos o queijo suiço da ponderação do senador: - i) abominar estádios pura e simplesmente é burrice, país nenhum que se preza faz isso pois quem tem matéria cinzenta entre as orelhas sabe que esporte é parte da educação (e da saúde) de um povo -- se o Sr. Cristovam fosse um legislador e um homem público mais aplicado saberia que a Constituição Federal estabelece como competência da União, dos Estados e do Distrito Federal "legislar concorrentemente sobre educação, cultura, ensino e desporto" (Art. 24, inciso IX -- o destaque é meu) -- ou seja, zelar pelo esporte é uma obrigação constitucional de governo; - ii) o preço abusivo e injustificável de um estádio não o torna automática e conceitualmente descartável e inútil -- não se trata de fazer estádio ou escolas, tem que fazer os dois, criteriosamente e sem bandalha; - iii) bizarramente, o Sr. Cristovam escolheu como exemplo de melhor utilização da dinheirama do estádio Mané Garrinha a formação de "engenheiros de excelência" -- putz, mas logo uma carreira universitária e de ponta?! Por que não professores, do primário à universidade, os multiplicadores por excelência?! E aqueles "engenheiros de excelência", chegariam até esse ponto estudando onde?! Seria aberta uma "avenida" só para eles, em detrimento de outras carreiras e profissões não menos importantes?!
Em matéria de educação, nossa sina se nos afigura melancólica, para dizer o mínimo: uma presidente e gestora incompetente (nossa doce Dona Dilma), que logo no início de seu mandato deixou claro que considera mais importante investir em secos & molhados do que em educação, um ministro da Educação medíocre (Aloizio Mercadante) e um ex-ministro dessa pasta e pretenso moralista dessa área que é de uma exuberante penúria de argumentos e conhecimentos .
Voltando ao esporte: se fosse mais observador e perspicaz, Dom Cristovam perceberia o uso estratégico, sistemático e coerente que os EUA fazem do esporte, independente de seu valor intrínseco para os americanos. As competições esportivas são uma das raríssimas formas de "soft power" empregadas pelo Big Brother em sua política de hegemonia. E a China trilha o mesmo caminho (só que com critérios pouco ou nada ortodoxos).]
Neste caso, talvez no futuro, alguém pergunte: "Como é possível que um país com a excelente qualidade na educação, uma das melhores do mundo, não tenha na sua capital um estádio para 72 mil pessoas?". E alguém diria: "Por isso mesmo, preferiram formar 6.800 engenheiros de máxima qualidade. Agora vão fazer o estádio".
O Brasil tem muitos problemas. Um dos mais graves é não fazer contas, nem olhar o futuro. Felizmente, o povo e especialmente os jovens começaram a fazer as contas e a irem às ruas usando a guerrilha cibernética para forçar uma unidade brasileira pela mudança de rumo nas nossas prioridades.
[A argumentação do senador é um tanto bastante capenga, e não cai muito bem para quem fez (ou pretende fazer) da educação sua bandeira e já ocupou essa pasta no (des)governo do NPA. Achei a história da Irlanda meio da carochinha, mas deixêmo-la de lado. Vejamos o queijo suiço da ponderação do senador: - i) abominar estádios pura e simplesmente é burrice, país nenhum que se preza faz isso pois quem tem matéria cinzenta entre as orelhas sabe que esporte é parte da educação (e da saúde) de um povo -- se o Sr. Cristovam fosse um legislador e um homem público mais aplicado saberia que a Constituição Federal estabelece como competência da União, dos Estados e do Distrito Federal "legislar concorrentemente sobre educação, cultura, ensino e desporto" (Art. 24, inciso IX -- o destaque é meu) -- ou seja, zelar pelo esporte é uma obrigação constitucional de governo; - ii) o preço abusivo e injustificável de um estádio não o torna automática e conceitualmente descartável e inútil -- não se trata de fazer estádio ou escolas, tem que fazer os dois, criteriosamente e sem bandalha; - iii) bizarramente, o Sr. Cristovam escolheu como exemplo de melhor utilização da dinheirama do estádio Mané Garrinha a formação de "engenheiros de excelência" -- putz, mas logo uma carreira universitária e de ponta?! Por que não professores, do primário à universidade, os multiplicadores por excelência?! E aqueles "engenheiros de excelência", chegariam até esse ponto estudando onde?! Seria aberta uma "avenida" só para eles, em detrimento de outras carreiras e profissões não menos importantes?!
Em matéria de educação, nossa sina se nos afigura melancólica, para dizer o mínimo: uma presidente e gestora incompetente (nossa doce Dona Dilma), que logo no início de seu mandato deixou claro que considera mais importante investir em secos & molhados do que em educação, um ministro da Educação medíocre (Aloizio Mercadante) e um ex-ministro dessa pasta e pretenso moralista dessa área que é de uma exuberante penúria de argumentos e conhecimentos .
Voltando ao esporte: se fosse mais observador e perspicaz, Dom Cristovam perceberia o uso estratégico, sistemático e coerente que os EUA fazem do esporte, independente de seu valor intrínseco para os americanos. As competições esportivas são uma das raríssimas formas de "soft power" empregadas pelo Big Brother em sua política de hegemonia. E a China trilha o mesmo caminho (só que com critérios pouco ou nada ortodoxos).]
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