[Reprodução a seguir a coluna de hoje de Dora Kramer, como sempre redigida como se ela usasse um bisturi como instrumento de sua escrita. Só lamento que ela não tenha censurado Joaquim Barbosa por sua recente palestra em Brasília.]
Paira entre os ministros do Supremo Tribunal Federal a sombra de uma
dúvida sobre a demora na indicação do substituto de Carlos Ayres Britto,
aposentado há mais de seis meses. Estaria a presidente Dilma Rousseff consciente de que a conclusão do
julgamento do mensalão com a Corte incompleta pode beneficiar os
condenados e, com isso, se caracterizar uma interferência de fato do
Poder Executivo em decisão judicial?
Há, no tribunal, consenso de que é razoável que um presidente da
República leve tempo para fazer a melhor escolha. Um relativo atraso,
portanto, é considerado aceitável. O ministro Luiz Fux levou 195 dias
para ser indicado e Eros Grau, quase oito meses. O que se tem
questionado é o atraso que pode vir a ser excessivo e, sobretudo,
prejudicial ao andamento dos trabalhos da Corte. A preocupação não diz
respeito só ao mensalão, mas também à paralisia em outras decisões do
STF.
As questões relativas ao controle de constitucionalidade, por exemplo,
só têm efeito vinculante, só produzem a chamada "eficácia geral" quando
decididas por maioria dos integrantes da Corte. Semana passada mesmo, um
julgamento dessa natureza foi suspenso porque houve empate e o
colegiado resolveu esperar a indicação do novo ministro devido à
impossibilidade de o presidente dar o voto de Minerva.
Em matéria criminal, como é o caso do mensalão, o empate favorece os
réus, conforme visto na absolvição de alguns deles cujas sentenças
receberam cinco votos pela condenação e cinco pela inocência. Na fase do exame dos embargos infringentes - recurso da defesa dos réus
que obtiveram pelo menos quatro votos contrários à condenação - a
situação poderá de novo se apresentar, caso o STF aceite examinar esse
tipo de embargo.
Se a Corte até lá estiver com sua composição de 11 ministros completa,
tanto pode haver a confirmação das sentenças como pode ocorrer que algum
deles mude seu voto ou os dois que não participaram do julgamento
(Teori Zavascki e o novo indicado) votem de modo a alterar o resultado.
Não é a possível mudança das penas que provoca inquietação no STF, mas a
configuração de uma interferência - ainda que por inércia - do Planalto
ao manter artificialmente o tribunal em situação de empate e, com isso,
induzir a um resultado. Não é à toa nem por acaso que o colegiado tem
número ímpar. Esse tipo de omissão não é bem vista no Supremo, onde circula indagação
sobre qual a diretriz que orienta a presidente Dilma em postergar a
indicação. Estará ela agindo voluntária ou involuntariamente? Consciente
ou inconscientemente?
Nua e crua. O presidente do Supremo disse que os partidos no Brasil não
têm nitidez ideológica nem programática. Não guardam relação de
identidade com o eleitor, não são por ele reconhecidos como
representantes de correntes de pensamento. Verdade.
Joaquim Barbosa afirmou que a maioria dos projetos de lei não é
iniciativa do Poder Legislativo, cuja submissão ao Executivo expressa
sua debilidade. Verdade.
O ministro declarou em palestra aos alunos do Instituto de Educação
Superior de Brasília que há problemas graves no sistema representativo
brasileiro. Verdade.
Foi alvo de reação indignada no Congresso e, segundo alguns
parlamentares, as palavras de Barbosa não contribuem para o
"fortalecimento das instituições". Questionável.
É de se perguntar se negar a realidade contribui de alguma forma. Não
seria de se esperar que o Parlamento reagisse de outra maneira. Até
porque aceitar o que foi mais que uma crítica (uma constatação óbvia de
conteúdo inquestionável) obrigaria suas excelências a sair da defensiva e
partir para uma ofensiva de reconstrução do sistema político,
partidário e eleitoral do País.
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