O exercício de qualquer liberdade exige inerente, concomitante e necessariamente o exercício da responsabilidade e a imprescindível noção do peso e das implicações desse exercício, sob pena de se criarem problemas e se instalarem conflitos absolutamente desnecessários e evitáveis, vez e outra de sérias consequências. Atentar para que não se está aqui, em hipótese nenhuma, pregando a covardia como norma de conduta. O ponto central é não descambar da liberdade para a libertinagem de expressão.
Garantida pelo inciso IV do Art. 5˚ da Constituição Federal ("
é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato"), a liberdade de expressão é um desses princípios que entre nós frequentemente fica no limiar (cerca de 99,9%) da irresponsabilidade. No caso do NPA, por exemplo, há uma década só tem faltado um dedo para a repetição intolerável dessa irresponsabilidade.
O exemplo mais recente da importância do exercício responsável da liberdade de expressão é o da
palestra proferida pelo ministro Joaquim Barbosa nesta segunda-feira (20/5) a estudantes de Direito de uma faculdade privada em Brasília, em que ele criticou duramente a atuação do Congresso Nacional. Segundo o ministro, o Congresso é dominado pelo Executivo e se
notabiliza por sua ineficiência e incapacidade de deliberar. Afirmou
ainda que os partidos no Brasil são de mentirinha, sem preocupação
programática, e que seus líderes querem apenas o poder pelo poder. Disse
também que a Câmara é composta em grande parte por parlamentares que
não representam a população.
O cidadão Joaquim Barbosa exerceu na plenitude seu direito constitucional de dizer o que pensa sobre nosso Congresso e nossos partidos, e disse-o extremamente bem. O problema é que não estava falando como um simples cidadão. Embora não revestido formal e fisicamente da toga preta que ostenta no STF, quem falava aos estudantes de Direito e, ao fim, para o país inteiro, era inequivocamente o ministro togado Joaquim Barbosa, presidente da Suprema Corte que é o sustentáculo do Judiciário, um dos poderes da República. É óbvio ululante que fora escolhido como palestrante pela notória projeção conquistada durante o julgamento do mensalão no STF. Não fosse isso, não há a menor dúvida de que o convidado seria outro -- muito provavelmente o ministro Ayres Brito, se ainda na ativa e no cargo ora ocupado por Barbosa.
Acho que a fala do ministro-presidente do STF Joaquim Barbosa foi, lamentavelmente, infeliz, inoportuna e irresponsável. Ele não pode dizer o que disse, refletida ou irrefletidamente. Como guardião da Constituição, na qualidade de ministro do STF, lhe é vedado ignorar que o Judiciário, embora independente, tem que viver harmoniosamente com o Legislativo e o Executivo (Art. 2˚ da Constituição Federal). Como juiz e também como cidadão em pleno uso de suas faculdades mentais, lhe é interditado desconhecer o atual quadro delicado das relações entre o Legislativo e o Judiciário por força, principalmente, da
PEC 33 oriunda da Câmara dos Deputados, que pretende castrar o STF submetendo-o à censura do Congresso em assuntos a este relativos.
Não adianta ele ter, horas depois da palestra, divulgado nota dizendo que não teve intenção de criticar o Parlamento. Isso só o torna ainda mais irresponsável. A última coisa que interessa ao país é ter um presidente do Supremo Tribunal Federal falastrão e inconsequente. Joaquim Barbosa deixou escapar uma magnífica oportunidade de ficar calado.
Joaquim Barbosa dá palestra no Instituto de Educação Superior (IESB), em Brasília - (Foto:
André Coelho / O Glob).
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