sábado, 11 de maio de 2013

A questão da redução da maioridade penal no Brasil (I)

[A crescente ocorrência de crimes praticados por adolescentes, legalmente considerados menores, vários deles de natureza hedionda e com a agravante de reincidência por vários desses indivíduos delituosos, provocou a retomada da questão da redução da maioridade penal no país. Com o intuito de contribuir para a discussão fria e séria do assunto, reproduzo a seguir alguns artigos sobre o assunto.]

Equívocos e contradições

Jason Tércio (escritor) -- O Globo, 3/5/2013

O debate sobre "redução da maioridade penal", por ser um tema novo no Brasil, está patinando em dois equívocos: tanto os que são a favor quanto os contrários reagem pressupondo que adolescentes seriam julgados como adultos e cumpririam penas em penitenciárias de adultos. Não é assim que funciona na maioria dos países com idade penal abaixo dos 18 anos.

Portanto, não se trata exatamente de reduzir a maioridade penal de 18 anos, mas de introduzir a responsabilidade criminal abaixo dessa idade, e para autores de crimes violentos, que seriam julgados por tribunal específico, com direito a defesa, e a eventual pena seria cumprida numa instituição juvenil, mantendo-se a assistência socioeducativa prestada atualmente. 

Outro equívoco, ou falácia, é dos oponentes da mudança: criticam a responsabilidade penal como se fosse extinguir as demais ações já existentes. Óbvio que seria um complemento. Da mesma forma que as causas da violência urbana são várias, também são múltiplas as soluções, inclusive no âmbito penal.

Há mais de dez anos o Código Civil reconheceu a evolução mental dos adolescentes brasileiros, sobretudo após a chegada das tecnologias digitais, a internet e as novas mídias. Hoje um adolescente a partir dos 16 anos assume responsabilidades que eram exclusivas de adultos: pode casar, votar, assinar contrato de aluguel de imóvel, ser sócio de empresa, filiar-se a sindicato, fazer testamento, ser titular de conta bancária, outorgar procuração, adquirir emancipação, ser testemunha, ser autor de ação popular, viajar para qualquer cidade do país sem autorização dos pais, aos 14 pode legalmente ter relações sexuais com outro(a)s adolescentes.


Mas, se cometer um crime, subitamente é infantilizado, tratado como pessoa sem discernimento do bem e do mal, sem autonomia nem capacidade de decisão. Uma contradição injustificável.

A Convenção das Nações Unidas sobre Direitos da Criança, ratificada por 193 países, não sugere idade mínima para responsabilidade penal. O modelo brasileiro de proteção da criança e do adolescente, focado unicamente em medidas socioeducativas, se esgotou na última década do século passado. Em todos os países mais avançados e democráticos do mundo, menores de 18 anos têm responsabilidade criminal quando cometem crimes violentos (inclusive estupro), sem prejuízo da assistência e proteção.

A maioria dos criminosos profissionais violentos começa a carreira na menoridade. Exceto casos excepcionais, por exemplo, vingança, ninguém é bonzinho e honesto durante toda a infância/adolescência e depois dos 18 anos resolve roubar e matar. Os adolescentes que mais praticam crime violento estão na faixa de 16 a 18 anos. 

No ano passado o Brasil teve 53 mil homicídios, cerca de 25 por 100 mil habitantes. Inglaterra, França, Alemanha e Japão -- países com idade penal entre 10 e 14 anos -- têm a média de 1 homicídio anual por 100 mil habitantes. Evidentemente os motivos disso são inúmeros e variados, mas um dos principais é a ausência de impunidade.

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Uma proposta para a maioridade penal

Elio Gaspari (jornalista) -- Folha de S. Paulo, 5/5/2013

Vinte e seis estados americanos têm leis conhecidas pelo nome de "Três chances e você está fora" ("Three strikes and you are out"). De uma maneira geral funcionam assim: o delinquente tem direito a dois crimes, quase sempre pequenos. No terceiro, vai para a cadeia com penas que variam de 25 anos de prisão a uma cana perpétua. Se o primeiro crime valeu dez anos, a sociedade não espera pelo segundo. O sistema vale para criminosos que, na dosimetria judiciária, pegariam dois anos no primeiro, mais dois no segundo e, eventualmente, seis meses no terceiro.

Essa versatilidade poderia ser usada no Brasil para quebrar o cadeado em que está presa a sociedade na questão da maioridade penal. Uma pesquisa do Datafolha mostrou que 93% dos paulistanos defendem a redução da maioridade para 16 anos. De outro lado, alguns dos melhores juristas do país condenam a mudança. É verdade que a população reage emocionalmente depois de crimes chocantes, como o do jovem que matou um estudante três dias antes de completar 18 anos, mas essa percentagem nunca ficou abaixo de 80%.

Seria o caso de se criar o mecanismo da "segunda chance". A maioridade penal continuaria nos 18 anos. No primeiro crime, o menor seria tratado como menor. No segundo, receberia a pena dos adultos. Considerando-se que raramente os menores envolvidos em crimes medonhos são estreantes, os casos de moleza seriam poucos. O jovem que matou o estudante Victor Hugo Deppman depois de tomar-lhe o celular já tinha passado pela Fundação Casa por roubo. O menor que queimou viva a dentista Cinthya Magaly Moutinho de Souza também era freguês da polícia. Estariam prontos para a maioridade penal. 

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(continua)

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