[A crescente ocorrência de crimes praticados por adolescentes, legalmente considerados menores, vários deles de natureza hedionda e com a agravante de reincidência por vários desses indivíduos delituosos, provocou a retomada da questão da redução da maioridade penal no país. Com o intuito de contribuir para a discussão fria e séria do assunto, reproduzo a seguir alguns artigos sobre o assunto.]
Equívocos e contradições
Jason Tércio (escritor) -- O Globo, 3/5/2013
O debate sobre "redução da maioridade penal", por ser um tema novo no
Brasil, está patinando em dois equívocos: tanto os que são a favor
quanto os contrários reagem pressupondo que adolescentes seriam julgados
como adultos e cumpririam penas em penitenciárias de adultos. Não é
assim que funciona na maioria dos países com idade penal abaixo dos 18
anos.
Portanto, não se trata exatamente de reduzir a maioridade penal de 18
anos, mas de introduzir a responsabilidade criminal abaixo dessa idade, e
para autores de crimes violentos, que seriam julgados por tribunal
específico, com direito a defesa, e a eventual pena seria cumprida numa
instituição juvenil, mantendo-se a assistência socioeducativa prestada
atualmente.
Outro equívoco, ou falácia, é dos oponentes da mudança: criticam a
responsabilidade penal como se fosse extinguir as demais ações já
existentes. Óbvio que seria um complemento. Da mesma forma que as causas
da violência urbana são várias, também são múltiplas as soluções,
inclusive no âmbito penal.
Há mais de dez anos o Código Civil reconheceu a evolução mental dos
adolescentes brasileiros, sobretudo após a chegada das tecnologias
digitais, a internet e as novas mídias. Hoje um adolescente a partir dos
16 anos assume responsabilidades que eram exclusivas de adultos: pode
casar, votar, assinar contrato de aluguel de imóvel, ser sócio de
empresa, filiar-se a sindicato, fazer testamento, ser titular de conta
bancária, outorgar procuração, adquirir emancipação, ser testemunha, ser
autor de ação popular, viajar para qualquer cidade do país sem
autorização dos pais, aos 14 pode legalmente ter relações sexuais com
outro(a)s adolescentes.
Mas, se cometer um crime, subitamente é infantilizado, tratado como
pessoa sem discernimento do bem e do mal, sem autonomia nem capacidade
de decisão. Uma contradição injustificável.
A Convenção das Nações Unidas sobre Direitos da Criança, ratificada por
193 países, não sugere idade mínima para responsabilidade penal. O
modelo brasileiro de proteção da criança e do adolescente, focado
unicamente em medidas socioeducativas, se esgotou na última década do
século passado. Em todos os países mais avançados e democráticos do
mundo, menores de 18 anos têm responsabilidade criminal quando cometem
crimes violentos (inclusive estupro), sem prejuízo da assistência e
proteção.
A maioria dos criminosos profissionais violentos começa a carreira na
menoridade. Exceto casos excepcionais, por exemplo, vingança, ninguém é
bonzinho e honesto durante toda a infância/adolescência e depois dos 18
anos resolve roubar e matar. Os adolescentes que mais praticam crime
violento estão na faixa de 16 a 18 anos.
No ano passado o Brasil teve 53 mil homicídios, cerca de 25 por 100 mil habitantes. Inglaterra, França, Alemanha e Japão -- países com idade penal entre 10 e 14 anos -- têm a média de 1 homicídio anual por 100 mil habitantes. Evidentemente os motivos disso são inúmeros e variados, mas um dos principais é a ausência de impunidade.
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Uma proposta para a maioridade penal
Elio Gaspari (jornalista) -- Folha de S. Paulo, 5/5/2013
Vinte e seis estados americanos têm leis conhecidas pelo nome de "Três
chances e você está fora" ("Three strikes and you are out"). De uma
maneira geral funcionam assim: o delinquente tem direito a dois crimes,
quase sempre pequenos. No terceiro, vai para a cadeia com penas que
variam de 25 anos de prisão a uma cana perpétua. Se o primeiro crime
valeu dez anos, a sociedade não espera pelo segundo. O sistema vale para
criminosos que, na dosimetria judiciária, pegariam dois anos no
primeiro, mais dois no segundo e, eventualmente, seis meses no terceiro.
Essa versatilidade poderia ser usada no Brasil para quebrar o cadeado em
que está presa a sociedade na questão da maioridade penal. Uma pesquisa
do Datafolha mostrou que 93% dos paulistanos defendem a redução da
maioridade para 16 anos. De outro lado, alguns dos melhores juristas do
país condenam a mudança. É verdade que a população reage emocionalmente
depois de crimes chocantes, como o do jovem que matou um estudante três
dias antes de completar 18 anos, mas essa percentagem nunca ficou abaixo
de 80%.
Seria o caso de se criar o mecanismo da "segunda chance". A maioridade
penal continuaria nos 18 anos. No primeiro crime, o menor seria tratado
como menor. No segundo, receberia a pena dos adultos. Considerando-se
que raramente os menores envolvidos em crimes medonhos são estreantes,
os casos de moleza seriam poucos. O jovem que matou o estudante Victor
Hugo Deppman depois de tomar-lhe o celular já tinha passado pela
Fundação Casa por roubo. O menor que queimou viva a dentista Cinthya
Magaly Moutinho de Souza também era freguês da polícia. Estariam prontos
para a maioridade penal.
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(continua)
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