O exemplo mais recente do efeito anestesiante do futebol é o da compra do passe de Neymar pelo Barcelona. Embora a Espanha viva uma das piores crises econômico-financeiras de sua história incluindo também, claro, a Catalunha, o time catalão Barcelona pagou sem pestanejar 50 milhões de euros pelo jogador brasileiro (valor total da transação). A Catalunha perde dinheiro, mas não perde jamais a pose. Vive obcecada com a separação da Espanha, mas não tem cacife econômico para isso. Sua bronca com Madri chega às raias da paranoia. Uma vez, em Barcelona (sua capital) entrei numa livraria e pedi um guia de Madri -- a vendedora me respondeu: "não temos nada sobre essa cidade"... A Catalunha considera "inaplicável" a Lei Orgânica de Melhora da Qualidade Educativa (LOMCE, em espanhol) recém-emitida pelo governo espanhol, e suas escolas privadas se recusam a oferecer a escolarização em castelhano.
O FMI (Fundo Monetário Internacional) projeta para o PIB da Espanha uma queda de 1,6% em 2013 e um aumento de 0,7% em 2014. A taxa de desemprego no país atingiu seu recorde histórico no primeiro trimestre de 2013: nada menos que 27,2% , segundo o Instituto Nacional de Estatísticas espanhol. O quadro abaixo mostra o valor do salário mínimo espanhol, em comparação com o de outros países europeus:
País SMI mes ------------ --------- Luxemburgo 1.801,49 € Bélgica 1.472,42 € Irlanda 1.461,85 € Holanda 1.456,20 € Francia 1.425,67 € Gran Bretaña 1.244,42 € España 748,30 € Grecia 683,76 € Portugal 565,83 € Polonia 353,04 € Rumanía 157,26 € Bulgaria 148,28 €
Pois bem, com todo esse pano de fundo ninguém na Espanha chiou com essa contratação milionária do Barcelona -- pelo menos nos sites dos jornais El País e El Mundo não encontrei nenhum comentário negativo sobre isso, pelo contrário. Os catalães estão inclusive encarando isso como mais uma vitória sua contra "o país que tem Madri como capital"...
Que me desculpem espanhóis e catalães, mas vejo nessa transação um despropósito, para dizer o mínimo. Embora evidente que € 50 milhões não resolvem o problema financeiro da Catalunha e, muito menos, da Espanha, o valor simbólico negativo disso me parece irrefutável. O site da BBC Mundo traz um artigo interessante de seu correspondente em Barcelona, Andy West, datado de 3 de janeiro deste ano, com o título "Pode o futebol acalmar a crise espanhola?". A melhor e mais perfeita definição sobre o desvario financeiro do futebol espanhol foi feita pelo catalão Tomás Obrado Cugat, zelador de um prédio de apartamentos em Barcelona: "muita gente neste país tem problemas graves e se preocupa com o que vai comer amanhã -- para eles o futebol não é importante, o futebol não os alimenta". Falou e disse.
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