[Em 8/12/2011 fiz uma postagem -- "Brasil atrapalha a luta por democracia na Síria", diz opositor -- em que reproduzi uma entrevista com Burhan Ghalioun, presidente do Conselho Nacional de Transição da Síria, que acusava o Brasil de "desinformado" em relação ao que realmente estava acontecendo na Síria, por insistir em "diálogo" enquanto Bashar al-Assad continuava matando rebeldes e civis. Dois anos e 70.000 mortos depois, as coisas não mudaram: continua o genocídio na Síria, sob o patrocínio de al-Assad, e o Brasil continua empacado e teimoso na ladainha do tal diálogo. Mas, do Planalto e do Itamaraty não se ouve nada de objetivo e concreto sobre atitude qualquer do nosso país para uma solução negociada ou não do conflito sírio. Reproduzo a seguir o artigo de hoje no Globo sobre Síria, do escritor Marco Lucchesi.]
Desastre na Síria
Marco Lucchesi (*) -- O Globo, 15/5/2013
Damasco é uma das mais belas cidades do mundo, que não sei e não posso
abandonar. Velha e soberba capital do califado omíada, cujas fronteiras
se estendiam do Afeganistão à Península Ibérica. Promotora de um
convívio admirável entre culturas e religiões diversas, Damasco era
conhecida como “cidade do amor” na alta e refinada tradição da poesia
árabe.
Hoje infelizmente Damasco assume feições contrárias e monstruosas,
cidade vítima do ódio que se espalhou pela Síria, alimentado por um
regime que se apoia numa rede espessa e complexa da criminalidade
internacional, de que o tráfico de drogas é apenas uma parte, a que
responde uma aliança transversal, antes impensável, entre os serviços
secretos da Síria e do Irã com grupos sunitas extremistas. Guerra civil
aberta ao mundo, num grande tabuleiro, cujas partes envolvidas já não se
limitam ao desenho de um país autônomo, mas a um cabo de força de
interesses incontornáveis entre a Otan e a Rússia, a Arábia Saudita e o
Irã, Israel e Hezbolá.
O encontro da presidente Dilma com seu homólogo egípcio, Mohamed Mursi,
ocorrido semana passada, em Brasília, não poderia não tratar desse
espetacular genocídio, que completou dois anos, com um saldo
aproximativo de setenta mil mortos, até a presente data.
O Brasil é um dos sócios do derramamento de sangue. Não chega à altura
dos países citados, da estreita diplomacia dos Estados Unidos e nem
tampouco das empresas que abastecem o regime de Assad, como Itália,
França, Alemanha, Venezuela, Líbano, Angola e Coréia do Norte.
O Brasil é sócio minoritário no derramamento de sangue pelo que não
realizou a favor da paz e do diálogo antes do desastre. Os movimentos de
oposição na Síria esperavam muito de nós e da comunidade internacional,
quando a geopolítica da primavera árabe não encontrava problemas que
repercutissem em escala perigosa além da Líbia, Tunísia e Egito.
Sabíamos todos que com a Síria a história não podia ser a mesma. Na
época, o Brasil teve duas atitudes curiosas: duríssima com o Paraguai,
após o impeachment de Lugo, e tímida e modesta com o regime de Assad. E
não se tratava, ainda, àquela altura, de pleitear intervenção armada ou
zona de exclusão aérea. Mas de pressão e diálogo, dentro e fora do país,
com fortes ligações do Brasil com o Oriente Médio.
As negociações precisam ser retomadas, com todos os protagonistas da
guerra, mesmo com forças políticas que apresentem, ao menos, uma
interface moderada. Não basta pensar num Fla-Flu patrocinado pelo
Brasil. Sejamos sérios. Nossa riqueza consiste em ouvir todas as partes.
Leio com raiva e absurda esperança alguns versos do jovem poeta sírio,
Golan Haji: “Os mortos estão sendo enterrados, mas como enterrar o
sofrimento? Estou só, como a nossa mãe, só como esta árvore. Um pássaro
acaba de morrer. Quebrou-se a casa dos gritos. Um diamante rompe o vidro
sujo do mundo”.
(*) Marco Lucchesi é escritor.
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