quarta-feira, 15 de maio de 2013

Afinal, o que quer e faz o Brasil em relação ao genocídio na Síria?

[Em 8/12/2011 fiz uma postagem -- "Brasil atrapalha a luta por democracia na Síria", diz opositor -- em que reproduzi uma entrevista com Burhan Ghalioun, presidente do Conselho Nacional de Transição da Síria, que acusava o Brasil de "desinformado" em relação ao que realmente estava acontecendo na Síria, por insistir em "diálogo" enquanto Bashar al-Assad continuava matando rebeldes e civis. Dois anos e 70.000 mortos depois, as coisas não mudaram: continua o genocídio na Síria, sob o patrocínio de al-Assad, e o Brasil continua empacado e teimoso na ladainha do tal diálogo. Mas, do Planalto e do Itamaraty não se ouve nada de objetivo e concreto sobre atitude qualquer do nosso país para uma solução negociada ou não do conflito sírio. Reproduzo a seguir o artigo de hoje no Globo sobre Síria, do escritor Marco Lucchesi.]

Desastre na Síria

Marco Lucchesi (*) -- O Globo, 15/5/2013

Damasco é uma das mais belas cidades do mundo, que não sei e não posso abandonar. Velha e soberba capital do califado omíada, cujas fronteiras se estendiam do Afeganistão à Península Ibérica. Promotora de um convívio admirável entre culturas e religiões diversas, Damasco era conhecida como “cidade do amor” na alta e refinada tradição da poesia árabe.

Hoje infelizmente Damasco assume feições contrárias e monstruosas, cidade vítima do ódio que se espalhou pela Síria, alimentado por um regime que se apoia numa rede espessa e complexa da criminalidade internacional, de que o tráfico de drogas é apenas uma parte, a que responde uma aliança transversal, antes impensável, entre os serviços secretos da Síria e do Irã com grupos sunitas extremistas. Guerra civil aberta ao mundo, num grande tabuleiro, cujas partes envolvidas já não se limitam ao desenho de um país autônomo, mas a um cabo de força de interesses incontornáveis entre a Otan e a Rússia, a Arábia Saudita e o Irã, Israel e Hezbolá.

O encontro da presidente Dilma com seu homólogo egípcio, Mohamed Mursi, ocorrido semana passada, em Brasília, não poderia não tratar desse espetacular genocídio, que completou dois anos, com um saldo aproximativo de setenta mil mortos, até a presente data.
 
O Brasil é um dos sócios do derramamento de sangue. Não chega à altura dos países citados, da estreita diplomacia dos Estados Unidos e nem tampouco das empresas que abastecem o regime de Assad, como Itália, França, Alemanha, Venezuela, Líbano, Angola e Coréia do Norte.

O Brasil é sócio minoritário no derramamento de sangue pelo que não realizou a favor da paz e do diálogo antes do desastre. Os movimentos de oposição na Síria esperavam muito de nós e da comunidade internacional, quando a geopolítica da primavera árabe não encontrava problemas que repercutissem em escala perigosa além da Líbia, Tunísia e Egito. Sabíamos todos que com a Síria a história não podia ser a mesma. Na época, o Brasil teve duas atitudes curiosas: duríssima com o Paraguai, após o impeachment de Lugo, e tímida e modesta com o regime de Assad. E não se tratava, ainda, àquela altura, de pleitear intervenção armada ou zona de exclusão aérea. Mas de pressão e diálogo, dentro e fora do país, com fortes ligações do Brasil com o Oriente Médio.

As negociações precisam ser retomadas, com todos os protagonistas da guerra, mesmo com forças políticas que apresentem, ao menos, uma interface moderada. Não basta pensar num Fla-Flu patrocinado pelo Brasil. Sejamos sérios. Nossa riqueza consiste em ouvir todas as partes.

Leio com raiva e absurda esperança alguns versos do jovem poeta sírio, Golan Haji: “Os mortos estão sendo enterrados, mas como enterrar o sofrimento? Estou só, como a nossa mãe, só como esta árvore. Um pássaro acaba de morrer. Quebrou-se a casa dos gritos. Um diamante rompe o vidro sujo do mundo”.

(*) Marco Lucchesi é escritor.
 
 

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