quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Quem realmente se beneficia com os "Big Data"?

[O texto que traduzi abaixo é da autoria de Daniel Sarewitz e foi publicado na revista virtual Slate. "Big data" em tecnologia da informação refere-se a uma coleção de conjuntos de dados tão grande e complexa que se torna difícil processá-la com as ferramentas disponíveis de gerenciamento de bancos de dados ou aplicações tradicionais de processamento de dados. Ver também "What is big data?", da IBM.]

Este é o primeiro de uma série de artigos sobre "big data" e seu impacto na sociedade escritos por Daniel Sarewitz, co-diretor do CSPO [Consortium for Science, Policy & Outcomes -- "Consórcio para Ciência, Políticas e Resultados", em tradução livre]. Ele está publicado também em "As We Now Think" ["Como Pensamos Agora"], um site editado pelo CSPO na Universidade Estadual do Arizona (ASU, em inglês). A ASU é parceira da Slate e da New America Foundation na iniciativa "Future Tense" (Tempo Futuro). 

Veículos circulando pelo anel rodoviário do Capitólio, em Washington - (Foto: Mark Wilson/Getty Images).

Progressos em tecnologias de tempo real para aquisição, processamento e apresentação de dados significam que é possível projetar uma rodovia de pedágio que pode mudar os preços continuamente, para controlar quantos carros estão passando por ela e a que velocidade. Essas "pistas quentes" ("hot lanes") acabam de ser abertas ao longo de um trecho do anel rodoviário de Washington, D.C., a artéria de 10 pistas de tráfego superintenso que para seres humanos normais é a fronteira metafórica entre o mundo real, de fora do anel, e o mundo estranho e político dentro dele. (Entretanto, para quem vive no entorno de Washington e precisa dirigir nele, o anel rodoviário é na realidade muito concreto, um flerte diário com atrasos e frustrações, instintos homicidas e com a própria morte.)

A um custo de US$ 2 bilhões, uma parceria do setor privado (responsável pelos pedágios) construiu um trecho de 14 milhas (cerca de 22,5 km) da autoestrada, com quatro pistas, paralelas às pistas principais do anel rodoviário sem pedágio, e garantiu ao Estado de Virginia que manterá o tráfego fluindo sempre a uma velocidade não inferior a 45 mph (72 km/h) em toda sua extensão. Eles fazem isso por meio do monitoramento contínuo da quantidade de carros (que têm que ser equipados com sensores E-ZPass) e de suas velocidades, e aumentando os valores do pedágio conforme necessário para manter o número de carros na rodovia em um valor tal que permita que a velocidade seja igual ou maior que o mínimo garantido. Os preços dinâmicos/variáveis do pedágio são mostrados em sinais enormes localizados próximo às entradas das pistas da rodovia inteligente, de modo que os motoristas têm que decidir no último minuto se querem ou não gastar o dinheiro para ir mais rápido. À medida que o tráfego nas pistas sem pedágio do anel rodoviário fica pior, alguns motoristas desejarão gastar mais para ir mais rápido. Quanto pior o tráfego, mais terão que gastar. (Nos primeiros dias dessa nova tecnologia, houve vários acidentes provocados por motoristas tentando calcular quanto estavam dispostos a pagar, mas não há dúvida de que esse problema se resolverá sozinho à medida que as pessoas se acostumem a "dirigir enquanto for economicamente racional".)

Obviamente, a racionalidade econômica beneficia mais uns do que outros. Já em 1973, o filósofo Ivan Illich reconhecia que velocidade era um tema/questão na interseção entre tecnologia e justiça. Em seu abrangente ensaio "Energia e Equidade", Illich observou premonitoriamente, embora de maneira um tanto obscura, que a busca por velocidade no transporte estava em um domínio desconhecido no qual o próprio avanço tecnológico levava a uma crescente desigualdade na distribuição de oportunidades econômicas e sociais:

"Velocidade sem controle é cara e, progressivamente, cada vez menos pessoas podem arcar com isso. Cada incremento na velocidade de um veículo resulta em um aumento no custo de sua propulsão e no custo da pista de tráfego -- e, no que é mais dramático, no espaço que ele devora quando se desloca. Passado um certo limite de consumo de energia para o passageiro mais veloz, cria-se uma estrutura de classe de âmbito mundial de capitalistas da velocidade".

As pistas inteligentes do anel rodoviário ilustram perfeitamente o conceito de Illich, em uma aplicação tecnológica que ele nunca possa ter imaginado. A imposição de racionalidade de mercado em rodovias das quais todas as pessoas dependam para sua subsistência e para suas vidas sociais significa que as pessoas pobres serão, cada vez mais, exigidas a viajar mais devagar do que aquelas que têm mais dinheiro. Em relação às classes que pagam pedágios, essas pessoas terão menos tempo para dormir, ou para suas famílias, ou para seu trabalho. Esse é um problema que atua sinergicamente com outras desvantagens, tais como  a realidade de que as pessoas mais pobres fazem frequentemente trajetos longos, porque não podem arcar com o custo de morar em zonas de alto valor imobiliário onde existem muitos empregos, e que frequentemente têm que dirigir carros velhos e menos eficientes e, assim, têm que  pagar mais pelo combustível.

A tecnologia das pistas inteligentes do anel rodoviário é um exemplo precoce impressionante de como capacidades rapidamente crescentes para coleta e gerenciamento de dados podem ser aplicadas em tempo real, para administrar problemas sociais complexos -- ainda que de estreita amplitude -- e, se não estivermos atentos (e parece que não estamos), para reforçar, ainda que também de forma limitada, as desigualdades inerentes que estão se tornando mais sérias e aparentemente intratáveis na sociedade americana.


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