quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Diferenças de opinião marcam as relações entre França e Alemanha

[O texto traduzido abaixo é da autoria de Mathieu von Rohr e foi publicado ontem no site Spiegel Online. Von Rohr é correspondente da revista alemã Spiegel (Espelho) em Paris. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

É hora de parar de falar na amizade franco-alemã.  Pelo menos isto é o que pensa Bruno Le Maire. Le Maire, que foi ministro da Agricultura no governo de Nikolas Sarkozy e também secretário de Estado para Assuntos Europeus, conhece a Alemanha melhor que qualquer outro membro da Assembleia Nacional francesa. Le Maire visita Berlim regularmente, fala alemão fluentemente e considera a chanceler Angela Merkel um político de "magnitude histórica". No entanto, Le Maire percebe que poucos na França compartilham de sua afinidade com seu vizinho do leste. Ele está preocupado com as relações franco-germânicas, e tem estado assim há algum tempo.

As pessoas nos dois países se respeitam mutuamente, diz Le Maire, mas suas culturas e suas tradições políticas são, de vários modos, diametricalmente opostas. Em ambos os lados da fronteira, cada vez menos pessoas aprendem a língua do país vizinho e as duas nações têm visões fundamentalmente diferentes sobre o que a Europa deve ser. "A relação entre os dois países é difícil", diz Le Maire. "Temos que reconhecer esta realidade e tomá-la como ponto de partida".

Le Maire defende um novo tipo de honestidade e de abordagem sóbria nas interações entre a França e a Alemanha. "Por décadas o foco nas relações franco-alemãs foi o de aproximar mais os dois países, criando uma "amizade franco-germânica". Mas, isso deixou de ser suficiente", diz Le Maire. "Precisamos partir do simples reconhecimento de que essa relação não é algo que acontece naturalmente. Se partirmos da falsa suposição de que é ou será fácil, estaremos sempre desapontados".

Esta semana, Berlim marca com grandes pompas e circunstâncias o quinquagésimo aniversário do Tratado do Eliseu, assinado entre o chanceler alemão Konrad Adenauer e o presidente francês Charles de Gaulle em 22 de janeiro de 1963. Conhecido também como "Tratado da Amizade", esse documento histórico lançou as bases para a reaproximação entre os dois países no pós-guerra.

Hora inoportuna

Muitos discursos serão proferidos nesta semana, tanto no parlamento alemão como alhures, muitas evocações de tudo o que já se alcancou, loas merecidas para essa histórica reconciliação -- e, obviamente, haverá também um certo grau de hipocrisia. Certamente, as relações franco-alemão merecem uma celebração, mas o fato é que esse aniversário ocorre num momento um tanto inoportuno para ambos os lados.

Desde que de Gaulle abraçou Adenauer após assinar o tratado, demonstrações ostensivas de afeto têm sido parte e parcela das relações entre França e Alemanha.  Entretanto, Le Maire não é o único a sentir que esse falar sobre amizade soa um tanto vazio 50 anos depois, dada a realidade da diferença de opiniões dos dois países sobre como abordar a crise do euro. A expressão "amizade franco-alemã" é de fato uma inversão um tanto "infeliz" ou "desastrosa" da realidade, admite Daniel Cohn-Bendit, um membro do Parlamento Europeu pelo Partido Verde que tem a dupla cidadania franco-alemã. Mais correto, sugere Cohn-Bendit, seria falar de uma "inimizade franco-alemã".

O político francês Jacques Delors, um ex-presidente da Comissão Europeia, disse à Spiegel nesta semana: "Temos visto demasiado frequentemente como um chanceler alemão e um presidente francês tentam convencer as pessoas de que há uma grande amizade entre eles". Delors acrescentou em seguida: "Chega de abraços, de chucrute e de beber cervejas juntos. Prefiro ver Merkel e Hollande falando publicamente sobre o que pensam".  Este último enfoque é o que mais têm feito os dois líderes nos últimos meses. De fato, Alemanha e França discordam na maioria dos pontos quando se trata de resolver a crise do euro ou mirar para o futuro da Europa.  Isto tem sido assim desde muito antes da eleição de François Hollande como presidente da França.

Frustração controlada

Paris não entende porque Berlim continua pisando no freio na crise do euro, ou porque Merkel rejeitou todas as propostas para coletivizar uma parte da dívida da zona do euro e, em vez disso, joga a favor da introdução de novos controles orçamentários de amplitude europeia.  A França não compartilha da crença alemã na fórmula de diminuir gastos de governo e reduzir salários mas, ao contrário, acredita em que crescimento e austeridade não podem ocorrer simultaneamente [exceto na Alemanha ...], e que, de qualquer modo, é impossível competir com a China pelos preços mais baixos. O governo de Hollande considera ser um objetivo mais importante preservar o sistema social da Europa.

A Alemanha, por seu lado, está preocupada com a limitada disposição para implementar reformas que Hollande tem demonstrado nos seus primeiros meses no cargo, e teme que o presidente francês não tenha entendido completamente a gravidade da crise. A França, entrementes, está irritada com quão publicamente a Alemanha tem manifestado essas preocupações. A coisa mais útil que Berlim poderia fazer, dizem pessoas próximas a Hollande, seria parar de divulgar esse tipo de comentários.

O apelo de Merkel, no ano passado, para uma "união política" na Europa pegou a França despreparada e Paris está ainda frustrada por terminar ficando na defensiva.  Como consequência, Merkel acabou sobressaindo como a boa europeia a favor da União Europeia, e Hollande como sendo quem bloqueia o plano, sem disposição para ceder quaisquer de seus próprios poderes.

O governo Hollande permanece incerto quanto à real crença de Merkel numa união política e à maneira como ela antevê essa construção, ou se a proposta foi simplesmente uma jogada política inteligente. Com essa desconfiança mútua em jogo, não é de se surpreender que Alemanha e França consigam no máximo dar passos tímidos, abrindo penosamente seu caminho de um compromisso duramente disputado para o seguinte. Em ambas as capitais, o clima é de  frustração polidamente controlada.

Agendas não explicitadas

Contudo, o fato de que França e Alemanha perseguem objetivos diferentes não é novidade. Isso ocorreu mesmo com o Tratado do Eliseu, que Adenauer apoiou como sendo uma maneira de finalmente ligar a Alemanha ao Ocidente -- em outras palavras, aos EUA, Reino Unido e França --, enquanto de Gaulle via esse protocolo como um contrapeso aos Estados Unidos e ao Reino Unido. Ambos os líderes estavam cientes e conscientes de que buscavam objetivos distintos, mas também de que um necessitava do outro.

Essas agendas não explícitas e subjacentes são tanto uma componente das relações franco-germânicas como o são as grandes manifestações, com a mais significativas destas sendo a preocupação da França de que a Alemanha uma vez mais comece a ditar política na Europa. Ambos os lados buscam também moldar a Europa segundo sua própria imagem, e ambos querem implementar suas próprias tradições de política econômica.

Na França, o famoso jornalista Arnaud Leparmentier publicou recentemente um livro cujo último capítulo tem como título "Vamos dizer adeus às relações franco-alemãs" ("Lets Bid Goodbye to Franco-German Relations"). Leparmentier descreve décadas de entendimentos entre líderes franceses e alemães incapazes de chegar a acordos. Juntos, diz o autor, esses líderes contribuíram para levar tanto a União Europeia (UE) quanto o euro à beira do colapso.

Sem falar a mesma língua

A relação entre esses dois países "não é algo que acontece naturalmente", diz Le Maire.  "Nossos sistemas são inteiramente opostos", explica o político. "Um é um sistema federal, com o poder nas mãos do parlamento, enquanto o outro é um sistema centralizado, com o presidente retendo o poder". E, como não há mais do que pouco líderes políticos em cada um desses países que falam a língua do outro, prossegue Le Maire, cada lado não é mais capaz de entender a maneira como o outro pensa.

Simultaneamente, grandes blocos estão se formando alhures no mundo -- China, Índia e América do Sul, por exemplo -- que estão minando a importância da Europa. A Alemanha e a França não precisam de retórica sentimental, diz Le Maire -- em vez disso, precisam comprometer-se com objetivos concretos comuns, fora de interesse estratégico: políticas de tributação e social unificadas, um mercado de trabalho comum, um rumo claro para a zona do euro e melhor integração europeia. Le Maire, que apresentou sua "Agenda 2020" para as relações franco-germânicas no jornal Le Figaro neste domingo, disse que está esperando pela resposta de Hollande à união política proposta por Merkel.

A retórica de amizade pós-guerra que às vezes soa hoje vazia não é o único problema aqui, assim como não o são os passos minúsculos que parecem ser o único avanço que ambos os países são capazes de fazer na crise do euro. Há um outro problema que reside inteiramente nas relações franco-alemãs, e ele é a crescente falta de interesse em ambos os lados.

Uma pesquisa efetuada na semana passada em ambos os países, sinaliza que as duas nacionalidades valorizam uma a outra mas, mais do que qualquer outra coisa, pensam em termos de clichês: os franceses respeitam os alemães e os veem como disciplinados, enquanto os alemães gostam dos franceses e de seu estilo de vida, mas nenhum deles mostra um interesse particular no outro. Os dias de intercâmbio de jovens já são há muito parte do passado, e a França não representa mais a experiência exótica de tornar-se adulto para jovens alemães como foi para a geração que atingiu essa idade nos anos 1960.

Em uma mensagem de vídeo na semana passada, Merkel exortou todos os alemães a aprender francês, dizendo que falar sua língua é essencial para uma melhor compreensão do vizinho da Alemanha. Talvez, então, Merkel devesse dar o exemplo: sempre que se encontra com Hollande e não há intérpretes à mão, os dois se comunicam em um inglês trôpego.

Imagem da convergência entre França e Alemanha - (Foto: Getty Images).

 






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