quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Os trejeitos do Reino Unido para não perder a pose, nem a majestade

[O Reino Unido continua fazendo malabarismos, piruetas e outros esforços do mesmo timbre para se manter nas manchetes e tentar esconder seus problemas internos e externos. Subjacente a isso, persiste o eterno inconformismo com a perda de prestígio da Union Jack.]

O primeiro-ministro britânico, David Cameron, prometeu nesta quarta-feira um plebiscito para definir a permanência do Reino Unido (RU) na União Europeia se for reeleito após o próximo pleito parlamentar, em 2015. Caso isso aconteça, a consulta deverá ser convocada até 2017.  O compromisso do chefe de governo britânico é feito em meio ao aumento da insatisfação dos britânicos com o bloco europeu, em especial por causa de suas regras para a cooperação econômica. Londres pede maior autonomia para gerir as economias, enquanto o bloco advoga por mais controle central.

David Cameron se prepara para discurso sobre relação entre Reino Unido e Europa, em Londres, nesta quarta - (Foto: Matt Dunham/AP).

Em evento sobre a relação do Reino Unido com a Europa, Cameron disse que pedirá a negociação de um novo acordo com a Europa, que manteria a cooperação econômica, mas também diminuiria a cooperação política e daria mais poder aos Parlamentos nacionais. "Essa é a hora de os britânicos dizerem sua opinião e deixar clara essa questão na política britânica. E quando chegue o momento de escolher, vocês terão que tomar uma decisão importante sobre o destino de nosso país", disse. 

Apesar da convocação do plebiscito, o primeiro-ministro defendeu a permanência dos britânicos na União Europeia (UE) e o papel ativo na organização, mas pediu que os 27 integrantes do bloco aprovem medidas que aumentem a competitividade no mercado internacional.  "Nós entendemos e respeitamos o direito dos outros de manter seu compromisso, mas esse não é o objetivo dos britânicos. Nós ficaríamos mais confortáveis se o tratado deixasse livres os que querem ir mais longe, sem que eles fossem freados pelos outros". [Cameron dá uma no prego, outra na ferradura -- é nítida a sensação de que o RU quer o bônus, mas rejeita o ônus da união com a Europa. Embora dados de meados de setembro de 2012 mostrem que a participação da UE nas exportações do RU caíram então para 43,6%, o nível mais baixo desde 1988, a zona do euro continua sendo crucial para a economia britânica. Há, pois, muito de fanfarronice na atitude de Cameron, que mais uma vez embarca no "much ado about nothing".]

Cameron também apresentou uma proposta a ser negociada com os sócios da União Europeia para aumentar a autonomia dos Estados, em especial em questões políticas, e consolidar o mercado comum. Ele não deu detalhes sobre o plano, mas disse que, se não aprovado, isso significaria uma saída definitiva da UE. O chefe de governo ainda defendeu que a tentativa de equiparar o nível dos países é um erro. "Não nos enganemos pela falácia que um mercado profundo requer que todos estejam harmonizados. Os países são diferentes e fazem escolhas diferentes. Não podemos harmonizar tudo".

Preocupação

A proposição para plebiscito sobre a saída da União Europeia era uma reivindicação de setores do Partido Conservador, o mesmo de Cameron, e de outras agremiações britânicas. Também contempla a insatisfação dos britânicos com o bloco, que aumentou após o início da crise financeira na zona do euro.  O movimento britânico gera, no entanto, preocupação da oposição e do mercado internacional, pois poderia criar incertezas sobre o futuro econômico da Europa e provocar a diminuição do investimento estrangeiro em meio à recuperação dos países.

Dentro da Europa, o projeto gera críticas dos sócios dos britânicos. A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, acusou Cameron de querer chantagear o grupo de 27 países para aprovar as reformas que defende [a alemã está certíssima].  A saída do Reino Unido é temida também pelos Estados Unidos. Em comunicado, a Casa Branca anunciou que o presidente Barack Obama conversou com David Cameron sobre o projeto e disse que valorizava a presença forte dos britânicos dentro da União Europeia.

[Segundo o jornal espanhol El País,  Cameron definiu um horizonte de reformas "para a Europa do século 21" a partir de cinco princípios: competitividade - porque o coração da UE tem que ser, como é agora, o mercado único; -- flexibilidade - a UE tem que atuar com a velocidade e a flexibilidade de uma rede, não com a pesada rigidez de um bloco; -- fluxo de poder no sentido dos Estados membros, não apenas no sentido Bruxelas, pelo que é preciso examinar o que faz a UE e o que ela deveria deixar de fazer; -- prestação de contas democrática, ou seja um papel maior e mais significativo para os parlamentos nacionais; -- e justiça, sobretudo para evitar que os países que não estão no euro, como o Reino Unido, sejam tratados de forma diferente à dos que estão dentro. E citou, de concreto, a coordenação fiscal e a união bancária ou seja, a City, em aparente contradição com sua crença de que o mercado único é o eixo da UE. 

Eis aí o peculiar senso de humor britânico: quer o bônus sem o ônus, mas com tapete vermelho, e propõe um clube e não um bloco econômico.

O ministro das Relações Exteriores espanhol, José Manuel García-Margallo, disse que "sair da UE seria um golpe terrível para a indústria do Reino Unido".

A relação tensa do Reino Unido com a União Europeia
  • 1973 - O Reino Unido (RU) entra na Comunidade Econômica Europeia (CEE), mas um ano depois já pede "métodos mais justos para financiar o orçamento".
  • 1984 - Margaret Thatcher consegue o "cheque britânico", pelo qual Bruxelas devolve anualmente a Londres parte de seu aporte orçamentário.
  • 1993 - Londres evita implantar o euro e aplicar o capítulo social de Maastricht.
  • 2011 - Cameron enfrenta a UE para defender a City e propõe recuperar poder cedido a Bruxelas.]

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