Os dentistas enfrentam um dilema para recomendar um gel dental com a concentração ideal de flúor para crianças entre 11 meses e 7 anos –
quando o esmalte dos dentes está em formação. Isso porque os géis dentais convencionais possuem uma concentração de
mil a 1,1 mil partes por milhão (ppm) de flúor que, se ingerido em
excesso por crianças dessa faixa etária, pode causar um problema
caracterizado por pequenas manchas esbranquiçadas – e até mesmo
amarronzadas – nos dentes: a fluorose dentária. Já os géis dentais sem ou com 500 a 750 ppp de flúor em suas formulações
– que justamente poderiam evitar esse problema –, não são tão
eficientes contra as cáries.
“As crianças pequenas, ao escovarem os dentes com um gel convencional,
engolem uma grande quantidade do flúor presente na composição do
produto, o que pode causar a fluorose dentária”, explicou o cirurgião
dentista Fabiano Vieira Vilhena. “Por outro lado, elas não devem usar um
gel dental com baixa concentração de flúor porque correm o risco de
desenvolver cáries”, disse à Agência FAPESP.
Na tentativa de encontrar uma solução para atacar esses dois problemas, Vilhena começou a desenvolver durante estudo de doutorado,
realizado com Bolsa da FAPESP, um gel dental acidulado com a composição
de flúor mais adequada para crianças e com maior proteção contra
cáries. Após passar por testes clínicos e aprimoramentos ao longo de mais de
cinco anos, o produto será lançado durante o 1º Congresso
Interdisciplinar da Associação Paulista de Cirurgiões Dentistas (APCD),
que ocorre entre os dias 31 de janeiro e 3 de fevereiro, em São Paulo. “Encontramos a fórmula perfeita para maximizar o efeito anticárie e, ao
mesmo tempo, minimizar os riscos da ingestão de flúor pelas crianças. Já
temos pedidos da ordem de meio milhão de unidades do produto até
fevereiro”, contou Vilhena.
pH reduzido
Desenvolvido em conjunto com a professora Marília Afonso Rabelo Buzalaf,
da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (USP), campus
de Bauru, e orientadora de Vilhena, o produto, batizado de “Novo gel
dental do Escovinha sabor bubble gum”, tem 550 ppm de flúor em sua composição.
A principal diferença dele em relação aos géis dentais com baixa
concentração do composto encontrados no mercado, no entanto, está no
índice de acidez (pH). Enquanto os géis dentais com baixa concentração de flúor convencionais
têm pH neutro – em torno de 7 –, o novo produto tem pH reduzido, de 4,5.
Uma diferença que, segundo Vilhena, é a responsável pelo produto
conferir maior proteção contra as cáries dentárias, com menor quantidade
de flúor. “Muitos estudos já haviam comprovado que uma formulação de 550 ppm de flúor em pH neutro tem efeito cariogênico [anticárie]
limitado. Porém, até então não tinham sido realizados estudos com a
mesma formulação em pH reduzido, de até 4,5, por exemplo, que é o máximo
permitido para géis dentais”, explicou.
O pH reduzido do gel dental promove uma reação química instantânea na
boca na qual o esmalte do dente libera na saliva um composto fixado
nele, chamado hidróxiapatita, formado por cálcio e fosfato. Com isso, o
esmalte dos dentes fica mais fraco por alguns segundos. O flúor presente no dentifrício, contudo, sequestra rapidamente esses
dois minerais da saliva e se gruda juntamente com eles no esmalte dos
dentes, onde formam um novo composto, chamado hidróxiapatita fluoretada. “O composto, formado por cálcio, fosfato e flúor, é muito mais
resistente contra o ataque ácido das bactérias causadoras de cáries”,
avaliou Vilhena.
Comprovação clínica
Para testar e comprovar a eficácia da fórmula do produto, Vilhena
realizou no período de 2006 a 2008 um estudo clínico com a participação
inicial de mais de mil crianças de 4 anos ou mais em São José dos
Campos, no interior de São Paulo, onde a concentração de flúor na água
que abastece o município situa-se entre 0,6 a 0,8 ppm. Publicados em 2009 e 2010 na revista Caries Research, os
resultados do estudo demonstraram que a fórmula do produto tem efeito
anticárie similar a de um gel dental convencional, com concentração de
1,1 mil ppm de flúor [para artigo em 2010, ver aqui; para 2009, ver aqui]. Além disso, o estudo clínico também indicou que o produto é capaz de
remineralizar mais lesões com manchas brancas nos dentes – que sinalizam
um processo inicial de formação de cárie – do que um gel dental
convencional.
As constatações animadoras dos testes clínicos fizeram Vilhena continuar
a pesquisar o gel dental por meio da empresa Oralls, instalada
atualmente no Parque Tecnológico de São José dos Campos, no interior de
São Paulo. Em 2009, a empresa obteve apoio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, para realizar novos estudos clínicos
de eficácia do gel dental com crianças entre 2 e 4 anos em Bauru, onde a
concentração de flúor na água é equivalente à de São José dos Campos, e
João Pessoa (PB), onde há menos de 0,2 ppm de flúor disponível na água.
A pesquisa revelou que as crianças que escovaram os dentes com o novo
produto por seis meses apresentaram três vezes mais flúor nos
reservatórios bucais (como a bochecha e os dentes) do que as que usaram
creme dental convencional durante o mesmo período. E que o flúor
presente no biofilme dentário do primeiro grupo de crianças é capaz de
regular o desenvolvimento bacteriano. “Quando um processo de cárie começa a se instalar, o flúor disponível
nos reservatórios da boca é liberado para tentar conter o avanço do
ataque das bactérias”, explica Vilhena. “Os testes clínicos demonstraram
que o gel dental acidulado com pH reduzido foi capaz de disponibilizar
mais flúor nos reservatórios bucais para regredir as cáries do que um
creme dental convencional”, comparou.
Para todas as idades
Segundo Vilhena, o gel dental acidulado é mais indicado para crianças na
faixa etária de 11 meses até 9 anos, para que obtenham os benefícios de
prevenção contra cáries e fluorose. Mas também pode ser usada por
pessoas de todas as idades. A fórmula do produto resultou no depósito de uma patente no Instituto
Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) para a USP, onde a pesquisa
foi realizada. Para comercializá-lo, a Oralls celebrou um contrato de licenciamento com
a Agência USP de Inovação. O produto será comercializado em
supermercados e drogarias do país.
Os artigos Low-fluoride acidic dentifrice: a randomized clinical trial in a fluoridated area (doi:10.1159/000320364) e The effect of different fluoride concentrations and pH of dentifrices on plaque and nail fluoride levels in young children (doi:10.1159/000211717), de Vilhena e outros, podem ser lido por assinantes da Caries Research em http://content.karger.com/ProdukteDB/produkte.asp?typ=pdf&doi=320364 e http://content.karger.com/ProdukteDB/produkte.asp?typ=pdf&doi=211717.
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