Por meio de engenharia genética, cientistas conseguiram desenvolver em laboratório células do sistema imunológico resistentes ao vírus HIV.
No futuro, se a eficácia da terapia genética for confirmada em testes
clínicos, ela pode vir a substituir o coquetel. A estratégia envolve a
inserção de genes resistentes ao vírus nas células que são o alvo do
HIV, chamadas linfócitos T.
A descoberta, de pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade de
Stanford, foi publicada esta semana na revista Molecular Therapy, do
grupo Nature. "Nós inativamos um dos receptores que o HIV usa para obter
acesso à célula e acrescentamos novos genes para proteger contra o
vírus, de forma a termos várias camadas de proteção, o que chamamos de
‘empilhamento’", diz o pesquisador Matthew Porteus, principal autor do
estudo.
O vírus entra nos linfócitos T utilizando como porta dois tipos de
proteína que ficam na superfície da célula, conhecidas como CCR5 e
CXCR4. Sem esses receptores, o vírus não é capaz de entrar. Os
pesquisadores quebraram a sequência de DNA do receptor CCR5 e lá
inseriram três genes conhecidos por conferirem resistência ao vírus da Aids. Depois desse verdadeiro trabalho de "recorta e cola" genético, a entrada
do vírus na célula é bloqueada, o que o impediria de destruir o sistema
imunológico do paciente. Os pesquisadores observam que a terapia não
teria a capacidade de curar a infecção, mas sim de reproduzir o efeito
do tratamento com o coquetel, com mais eficácia e menos efeitos
colaterais.
A busca por uma terapia genética contra o HIV é algo que os cientistas
buscam há mais de 20 anos, desde que a existência dos receptores do
vírus foi descoberta, de acordo com o infectologista Esper Kallás,
professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e
membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). Ele explica que vários grupos procuram uma forma eficaz de bloquear o
receptor CCR5, pois se constatou que sua inativação não compromete
outras funções do organismo. "Uma pessoa que não tem CCR5 não morre,
pois outras proteínas substituem seu papel; não existe um
comprometimento significativo da saúde", diz Kallás, que acrescenta que
uma classe de drogas anti-HIV em uso atualmente tem justamente esse
princípio.
Paciente de Berlim. Mas o que realmente acendeu a
esperança pelo sucesso de uma terapia genética contra o HIV foi o caso
do paciente Timothy Ray Brown, americano diagnosticado com HIV em 1995.
Enquanto se tratava da infecção, Brown - que vivia em Berlim -
desenvolveu leucemia. Seu oncologista encontrou um doador de medula
óssea que possuía uma mutação genética que naturalmente protege seu
portador contra o vírus.
"Depois que se encerrou o tratamento, ele teve a grata surpresa de ver
que, além de ter conseguido curar a leucemia, o vírus não era mais
detectado. Ele é considerado como o único caso de cura do HIV", conta
Kallás. A partir desse evento, Brown ficou conhecido mundialmente como o
"paciente de Berlim". Seu caso abriu as portas para a ideia antiga que
se tinha de modificar a genética do paciente para tentar reproduzir os
efeitos dessa mutação protetora.
Segundo o médico Olavo Henrique Munhoz Leite, coordenador da Unidade de
Referência em Doenças Infecciosas Preveníveis da Faculdade de Medicina
do ABC, ainda não se sabe exatamente o que permitiu a cura de Brown.
"Será que deu certo porque o doador da medula era um indivíduo que tinha
a mutação? Se começássemos a pegar os indivíduos e fizéssemos o mesmo
procedimento, os resultados seriam os mesmos? O provável é que uma
somatória de fatores tenha permitido a cura".
Não é possível reproduzir a estratégia que curou o paciente de Berlim
porque o transplante de medula envolve muitos riscos. Além disso, a
mutação protetora é muito rara para ser encontrada em doadores de
medula.
A existência da mutação Delta 32 na proteína CCR5, que protege contra o
HIV, foi descoberta em 1996. Segundo Kallás, estudos mostram que ela
surgiu provavelmente há cerca de 500 anos no norte da Europa. "A teoria é
que a peste negra também poupava as pessoas que tinham essa mutação",
diz. Ela está presente em 1% da população europeia.
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