quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

O grande predador mimado

[Em março de 2011 fiz uma postagem sobre ser o gato doméstico o principal inimigo dos pássaros. Ontem, o Globo deu números impressionantes sobre a ação predatória dos gatos nos EUA e no mundo, conforme texto a seguir.]

Levados a praticamente todas as regiões do planeta pelo homem, o gato conquistou uma legião de adoradores e presas. O felino está entre as cem espécies invasoras que causam maior estrago no mundo. Suas garras contribuíram, mesmo que indiretamente, para a extinção de 33 mamíferos, aves e répteis em ilhas oceânicas, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza. Em áreas continentais, porém, seu impacto sempre foi negligenciado. Um estudo, publicado esta semana pela revista “Nature Communications”, dedicou-se a este levantamento. E mostra que os bichanos matam anualmente entre 1,4 bilhão e 3,7 bilhões de pássaros e entre 6,9 bilhões e 20,7 bilhões de mamíferos apenas nos Estados Unidos.

Segundo a estimativa, cada gato americano mata 1.443 bichos por ano — ou 3,95 por dia. O número de aves predadas foi considerado o mais preocupante. Seria quatro vezes maior do que os registrados até hoje. Aves nativas do país, como o pisco-de-peito-vermelho, estão entre as mais ameaçadas pela fome felina. Na área continental dos EUA, há mais animais mortos pelos felinos do que por atropelamento, colisões com prédios ou envenenamento.

"Os gatos são as maiores ameaças à fauna americana", revela Pete Marra, pesquisador do Instituto Smithsonian de Conservação e Biologia (SCBI) e coautor do estudo, que contou com a colaboração do Serviço de Pesca e Fauna dos EUA. "Esperamos que a grande faixa de mortalidade indicada por nosso levantamento convença os donos de gatos a mantê-los dentro de casa e alimentados".

Gatos selvagens matam três vezes mais

Além dos pássaros, a dieta dos bichanos abrange de ratos a coelhos, passando por esquilos. Os gatos ferais — que vivem soltos na natureza e dificilmente se adaptariam ao contato com humanos — são os que mais dependem da caça. Eles predariam até três vezes mais animais do que os gatos com dono.  Marra, porém, ressalta que a mortalidade provocada por felinos urbanos também é digna de apreensão. "Este levantamento deve servir de alerta para políticos, autoridades ligadas à preservação de animais e a cientistas para o grande perigo causado por estes felinos", enfatiza.

Em regiões da Califórnia e do Canadá, por exemplo, gatos não podem viver fora de casa. No Brasil, porém, nenhuma política semelhante chama a atenção, mesmo com o crescimento anual de 8% da população de felinos. O país tem um bichano para cada nove pessoas. Ironicamente, as medidas restritivas são maiores contra o arquirrival dos felinos. Florianópolis chegou a aprovar um programa estipulando que cada cachorro deveria ser cadastrado na prefeitura e paramentado com um chip. Aqueles que não estivessem com o equipamento poderiam ser sacrificados. A lei não pegou.

Bióloga do Instituto Hórus, especializada em conservação ambiental e no estudo de espécies invasoras, Michele Dechoum condena o descaso brasileiro com a matança promovida pelos bichanos.  Para ela, a prioridade seria adotar medidas de controle do acesso a felinos em áreas de conservação ambiental e nas zonas de amortecimento — a faixa de aproximadamente dez quilômetros ao redor desses ecossistemas protegidos.  "Tem gente que não dá comida e acha que o gato se vira, que é independente", lembra. "Quando falamos de manejo de fauna invasora, o principal obstáculo é a oposição da opinião pública. Não vou condenar o animal, mas é importante conscientizar o dono sobre o impacto que o bicho pode provocar.

Como a diversidade de espécies é maior aqui do que nos EUA, estima-se que os felinos brasileiros teriam à sua disposição uma variedade de presas ainda mais relevante.  "É difícil dizer se os gatos brasileiros predam os mesmos animais, e em uma quantidade maior, do que os americanos", lamenta Michele.

O Reino Unido recomenta uma medida simples que reduziria o sucesso das emboscadas felinas — e, assim, o impacto dos bichanos à biodiversidade. De acordo com a Sociedade Real para a Prevenção de Crueldade contra Animais, uma coleira com um sino é suficiente para os gatos matarem 41% menos aves e 34% menos mamíferos do que os felinos sem o artefato.

[Espero e torço para que minha vizinha do lado e Cora Rónai tenham lido essa reportagem do Globo. A primeira, porque inferniza a minha vida com seus cinco ou seis gatos e gatas. A segunda, porque tem uma paixão doentia e insuportável por gatos. O gato é um intruso e um bicho superchato, porque não vive recluso como o cachorro e circula livremente. E gata no cio é um inferno!

Os gatos são uma peste, no mundo inteiro. A prefeitura de Roma quer tirar gatos de algumas ruínas históricas, que estão sendo danificadas por eles, mas estão enfrentando um ferrenha oposição de pessoas e entidades amantes desses animais para mim insuportáveis. Minha sugestão é que o Código Penal brasileiro inclua entre as punições previstas em lei -- a começar pelos réus do mensalão -- um mês de solitária ao lado de um bando de gatas no cio. O grau de reincidência dessa marginália cairia p'ra zero.]

Um gato doméstico carregando sua vítima - (Foto: The New York Times).

Gato na Piazza Argentina, em Roma - (Foto: The New York Times).



















2 comentários:

  1. Vasco:
    Vc se lembra da praça da República?
    Cotias e caxinguelês são colocados lá(pela Prefeitura) e em pouco tempo desaparecem ao passo que a quantidade de gatos aumenta...
    Forte abraço
    Ednardo

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  2. Caro Ednardo,

    Lembro-me bem. Recentemente, a Cora Rónai moveu mundos e fundos em sua coluna no Globo para "proteger" esses gatos do Campo de Santana. Fico sempre com a impressão de que ela anda com excesso de tempo ocioso, e aí resolve inventar passatempos ridículos.

    Grande abraço,

    Vasco

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