quarta-feira, 11 de abril de 2012

A visita de Dilma aos EUA na imprensa americana

Na segunda-feira, comentei que a imprensa americana havia ignorado a visita da presidente Dilma Rousseff aos EUA. Ontem, o quadro mudou: o New York Times (NYT) e o Wall Street Journal (WSJ) publicaram artigos sobre a visita. O texto do NYT está traduzido a seguir, o do WSJ só pode ser acessado por assinantes, mas seu título é chamativo: "Líder brasileira critica severamente a política monetária dos EUA".

Eis a extensa reportagem do NYT, que tem o título "Brasil e EUA acentuam o positivo".

A primeira visita de Dilma Rousseff a Washington como presidente do Brasil foi, certamente, suficientemente cordial. Ela almoçou com o presidente Obama na Casa Branca na segunda-feira. Os EUA informaram que estão abrindo dois novos consulados no Brasil, num esforço para atrair mais turistas gastadores brasileiros. E os dois países até avançaram num acordo para reforçar o comércio de cachaça, a bebida típica brasileira feita da cana-de-açúcar, e do uísque do Tennessee.

Mas, a cordialidade encobriu a sensação de que os EUA, cujo poder uma vez dominante na América Latina está decrescendo, e o Brasil, o poder emergente do hemisfério, ainda não concordam [entre si] em relação a uma gama de assuntos importantes que vão da diplomacia no Oriente Médio ao comércio com Cuba, e à ambição do Brasil de ocupar um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. "O Brasil se vê como tendo chegado ou perto de chegar [às condições de pleitear isso]", disse Peter Hakim, presidente emérito da Diálogo Interamericano, uma organização de pesquisa e política estratégica em Washington. "Os EUA vêem o Brasil como grande, o país mais importante da América Latina, mas nada parecido com uma potência global".

Essa discrepância foi revelada na mídia, em uma narrativa após a outra, em que os analistas lamentaram o fato de a Sra. Rousseff não ter sido recebida com a pompa de um jantar de chefe de Estado na Casa Branca, reconhecimento prestado pela administração Obama aos líderes da Coreia do Sul, Índia e Reino Unido.  "A realidade bilateral está longe de ser uma desgraça, apesar dos temas em controvérsia, mas há uma considerável falta de respeito mútuo", disse Caio Blinder, um colunista da revista Veja, em um ensaio descrevendo o "rebaixamento" da visita da Sra. Rousseff.

Ainda assim, ambos os governos enfatizaram os aspectos positivos da visita da Sra. Rousseff, que aqui veio um ano depois de Obama ter visitado o Brasil. O nível de intercâmbios diplomáticos, de compartilhamento de informações confidenciais militares e de defesa e de comércio geral é de longe mais abrangente do que em algumas outras partes da América Latina, como Venezuela e Equador, onde as relações permanem em nível baixo [essa comparação me soa meio depreciativa, dado o porte das economias dos países citados -- além da estranha e sintomática falta de referência à Argentina, causou-me estranheza também a não menção do México, já que o texto fala de América Latina e não do Sul].

Os EUA não têm um acordo comercial com o Brasil, a despeito de já tê-lo feito com 11 outros países da América Latina, mas o comércio com o Brasil, que recentemente ultrapassou o Reino Unido como sexta economia do mundo,  no entanto prospera [com os EUA deixando de ser nele deficitário].

Em um momento deste ano, os EUA ultrapassaram a China como principal mercado para o Brasil, devido ao aumento nas compras americanas de petróleo e bens manufaturados brasileiros. No final do primeiro trimestre deste ano, a China retomou o topo da lista, mas o relacionamento entre os dois países não ocorre sem problemas, com tensões num crescendo com as importações de produtos chineses baratos e a compra de terras por investidores chineses.

Enquanto isso, os EUA tiveram um superavit de mais de US$ 8 bilhões com o Brasil em 2011, refletindo um surto nas exportações americanas para o maior país da América Latina. Enfrentando custos crescentes  em terras e mão de obra, o Brasil, uma potência em biocombustíveis, até importou um recorde de 1,1 bilhão de litros -- cerca de 264 milhões de galões -- de etanol dos EUA no ano passado.

Mas, esses montantes de comércio disfarçam um clima de tensão. A força da moeda brasileira, o real, tem sido uma bênção para os brasileiros comprarem avidamente propriedades em Miami e Nova Iorque. Ao mesmo tempo, esse vigor da moeda tem limitado a competitividade dos exportadores brasileiros, por tornar seus produtos mais caros nos mercados externos.


Obama e Rousseff se reuniram privativamente por duas horas na Casa Branca, e depois se sentaram no Salão Oval para falar brevemente com os jornalistas. Obama falou efusivamente do "extraordinário progresso feito pelo Brasil no governo Rousseff".  A presidente, em concordância, fez eco aos chamados de Obama para uma contínua cooperação econômica entre os dois países. Rousseff citou também a produção de petróleo e gás como "uma extraordinária oportunidade para uma maior cooperação",  com os EUA fornecendo equipamentos e know-how para isso e, posteriormente, comprando parte dessa produção. A presidente manifestou satisfação com as recentes reduções tributárias americanas sobre o etanol brasileiro.

No entanto, os olhares dos dois líderes raramente se encontraram, e a Sra. Rousseff raramente olhou para Obama enquanto ele falava [nossa ex-guerrilheira rarissimamente deixa de ostentar aquela inequívoca e hiperantipática fisionomia de quem está doida p'ra aquela "chatice" acabar logo!...]. Ele olhava atentamente para Rousseff durante os comentários que ela fazia, balançando a cabeça em concordância algumas vezes. Mas, ele pareceu se irritar quando ela expressou preocupação com o fato de que a "política de expansão monetária" dos EUA pode prejudicar o crescimento de economias emergentes como a do Brasil. Política monetária [nos EUA] é de responsabilidade Federal Reserve [o Banco Central deles, que é um órgão  independente -- "suas decisões de política monetária não têm que ser aprovadas pelo Presidente ou qualquer outra pessoa do Executivo ou do Legislativo"], a Casa Branca e o Congresso tratam de política fiscal.

Nada se informou sobre a política brasileira para o Oriente Médio, que parece ter passado por um ajuste fino de sintonia sob a condução de Rousseff, em relação à de seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, que em 2010 tentou avançar com um ambicioso acordo de troca de urânio com o Irã [em abril de 2010, em meio às manifestações de Lula (o Nosso Pinóquio Acrobata - NPA) de oposição a qualquer ação militar contra o Irã, circulou a notícia de que o Brasil teria se oferecido para enriquecer o urânio do programa nuclear iraniano (desde que para fins pacíficos) e ser dele depositário -- as reações contraditórias do NPA e de Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores, a essa notícia mantiveram o nível de incerteza quanto às reais intenções do Brasil quanto a isso].

Enquanto o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, ostensivamente evitou passar pelo Brasil em recente viagem pela América Latina, e o Brasil votou recentemente na ONU para censurar o presidente Bachar al-Assad da Síria, persistem receios e apreensão em Brasília com relação a uma intervenção nos conflitos do Oriente Médio.

Nesse meio tempo, Washington tem sido relutante em apoiar explicitamente a pretensão do Brasil em ter assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, mesmo depois dos EUA terem respaldado pleito idêntico da Índia há dois anos atrás. O Brasil apoia também a pretensão da Índia, e argumenta que o Conselho de Segurança deveria ser ampliado para comportar novos membros. Mas, Susan E. Rice, embaixadora dos EUA na ONU, criticou o Brasil e também a Índis e a África do Sul durante suas permanências temporárias naquele Conselho depois que, no ano passado, bloquearam os esforços para pressionar o governo de Assad.

Outros tópicos pesam nas relações, como uma nova lei da Flórida visando empresas que fazem negócios com Cuba, impedindo-as de serem contratadas por governos locais. Isso poderia complicar a vida da Odebrecht, uma das maiores construtoras brasileiras, que faz melhoras no Porto de Miami e, ao mesmo tempo, está construindo o Porto de Mariel em Cuba.

A Sra. Rousseff enfocará a educação de nível mais alto, uma das mais auspiciosas áreas de cooperação entre Brasil e EUA, visitando Harvard e o MIT na terça-feira onde discutirá o programa "Ciência sem Fronteiras", que ambiciona enviar cerca de 100.000 brasileiros para estudar em universidades estrangeiras. Cerca de metade desse contingente deverá estudar nos EUA. "O Ciência Sem Fronteiras fará mais pelo progresso das relações entre os dois países do que qualquer outro acordo diplomático em discussão", disse Maurício Santoro, um professor de relações internacionais na Fundação Getúlio Vargas, uma universidade de elite no Brasil. [Após a visita ao MIT, o ministro da Educação Aloizio Mercadante, apressado como sempre -- quando estava na pasta da Ciência e Tecnologia prometeu que até junho ou julho do ano passado a Foxconn estaria produzindo iPads no Brasil, e até agora nada -- informou que o MIT abriria uma filial no Brasil. Logo após a visita de Dilma o MIT emitiu comunicado, informando que não abre filiais no exterior ...].

Dilma e Obama falam à imprensa após sua reunião privada - (Foto: Reuters).


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