sábado, 7 de abril de 2012

Thor Batista -- como os estrangeiros vêem o Brasil

Recentemente, a mídia abordou com insistência o atropelamento e morte de Wanderson Pereira dos Santos por Thor Batista, filho de Eike Batista. Como tantas outras, a história acabou perdendo interesse ou embalo, ou ambos, e acabou com um certo aroma de pizza. A última notícia foi de que teriam sido encontrados traços de que o atropelado estaria alcoolizado -- mas, ninguém até agora se preocupou em verificar e informar, com a mesma pressa e determinação, a velocidade em que Thor estava no momento do acidente. - Com base nesse episódio, Vincent Bevins, correspondente do Financial Times e do New Statesman no Brasil, escreveu em inglês um interessante artigo no blogue "From Brazil" na Folha de S. Paulo de 3 de abril, com o título desta postagem, que traduzo a seguir. É mais uma oportunidade de saber como os de fora nos vêem.


O que o caso de Wanderson Pereira dos Santos nos diz sobre o Brasil? O que significa o fato de que foi morto em sua bicicleta, atropelado pelo carro do filho do homem mais rico do Brasil?

Depende de onde você é.

Um artigo de Simon Romero no New York Times [com o título "Na morte de um ciclista no Brasil, o choque entre a riqueza e a vida na periferia", em tradução livre] nos permite ver mais de perto (ter um insight) a maneira como nós estrangeiros tendemos a ver o Brasil de maneira diferente, e a maneira como (um)a história ocorrida no Brasil é repetidamente contada de maneira diferente fora do país.

Em vez de se concentrar em quem estava certo ou errado -- obviamente, não sabemos -- o artigo de Romero enfoca as circunstâncias que levaram à colisão: "Dois Brasis também se chocaram: um em que uma pequena elite vive numa riqueza quase incomensurável, e um outro em que milhões vivem com dificuldade nas margens dessa abundância".

Para dizê-lo mais simples e diretamente, nós gringos tendemos a ver isso [esse "choque"] o tempo todo, e isso não é o que os brasileiros vêem constantemente, se eu for julgar pela cobertura da mídia em inglês e em português, ou como tendem a ser mal recebidas aqui nossas observações sobre o assunto.

Para grande desagrado de muitos nativos, muitos daqueles de nós que nos criamos fora do Brasil tendemos a ver o país sob o prisma da desigualdade social. Posso estar errado, mas é muito difícil ver na imprensa brasileira uma matéria com esse enfoque que não seja considerada muito radical.

É claro que Romero está certo em dizer que uma certa dinâmica de classes levou àquela colisão. Por que Wanderson precisava estar numa estrada de alta velocidade para buscar leite? É impressionante ver como autoestradas são frequentemente construídas atravessando comunidades por aqui [no Brasil], sem que se disponibilize para a população qualquer meio seguro para atravessá-la ou evitá-la. [Isto me faz lembrar um fato muito ilustrativo, contado recentemente por um leitor do Globo. Viajando de carro no Estado do Rio com um executivo alemão, passou por uma placa que sinalizava uma curva perigosa. O alemão quis saber o que era aquilo, e quando soube ficou espantadíssimo: como é que se faz conscientemente uma estrada que coloca em risco o motorista?! Sem comentários, a vergonha me inibe ...]

E quanto ao Thor, estaria ele dirigindo de maneira diferente se não estivesse num carro de um milhão de dólares? Quem sabe. Mas, a impressão é que com o número de violações [de trânsito] que ele já havia praticado ele não deveria estar dirigindo de maneira nenhuma. [Isto é algo absolutamente incompreensível para um estrangeiro, a praticamente absoluta impunidade com que infratores de trânsito, graves e reincidentes, permanecem dirigindo seus carros neste país. Thor foi multado 9 vezes desde que começou a dirigir, sempre em alta velocidade, acumulando 51 pontos na carteira de habilitação.]

Vale a pena examinar toda a história [abordada no artigo de Romero], para ver como é realmente digna de nota a maneira como Eike e Thor agiram em público, depois que um homem havia sido morto. Eles têm noção de com o que aquilo se parece, dadas as circunstâncias? [Eike e o filho se preocuparam o tempo todo unicamente em se isentar de qualquer culpa, não evidenciaram qualquer emoção pela ocorrência, e informaram que dariam todo o atendimento material de que a família do morto necessitasse. Apesar da insistência inicial da mídia em abordar o ocorrido, ficou a nítida impressão de que o caso foi abafado -- até hoje, passado quase um mês, não foi divulgada ainda a perícia para determinar a velocidade em que Thor dirigia no momento do acidente.]

Obviamente, é natural que estrangeiros contem a história de maneira diferente da dos brasileiros. O inverso também é verdadeiro. Tão chocantes como as divisões de classe no Brail são para os americanos ou os europeus ocidentais, há incontáveis coisas que não enfocamos tanto em nossas sociedades que são chocantes para brasileiros, japoneses ou nigerianos. [Tenho sérias dúvidas de que os americanos tenham moral para nos dar lições nesse aspecto -- basta ler as condições dos negros no chamado "Deep South" ou acompanhar o espantoso descaso com a reconstrução de Nova Orleans, devastada pelo furacão Katrina há 7 anos e ainda com áreas inteiras fechadas à reocupação.]

Não é óbvio para muitos de nós dos EUA, por exemplo, o que algumas vezes é ser um estrangeiro em nosso país. Pelo volume de poder que Washington tem pelo mundo afora, tende a ser chocante para os estrangeiros o quão pouco conhecemos desse mesmo mundo. E quanto à desigualdade, não somos realmente muito melhores que o Brasil [bingo!].

Quem está certo? O Brasil é demasiaso acostumado com certos problemas, ou nós estrangeiros nos julgamos sempre certos, somos ingênuos (naïfs) e achamos que somos moralmente superiores? Talvez nada disso, ou talvez tudo isso.

Mas, parece claro que, quando contamos histórias do Brasil fora do país, faz sentido que enfoquemos aquilo que é nitidamente diferente para nós. E, apesar de todo o progresso que o país já conseguiu, uma das características mais evidentes do Brasil ainda é a desigualdade.  [Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. O que se observa, via de regra, é uma compulsão quase doentia nas reportagens feitas por esses correspondentes em destacar, fotografar e/ou filmar os piores aspectos de nossa realidade social. Vejo uma inequívoca má-fé nisso.]

Links (ou, uma lista de vezes em que olhamos pelo ângulo da igualdade):
New York Times: At War With São Paulo’s Establishment, Black Paint in Hand
Los Angeles Times: Brazil’s poor seem left behind in growth spurt
Financial Times: Sway of the wealthy remains strong in Brazil’s cities
New York Times: Slum Dwellers Are Defying Brazil’s Grand Design for Olympics
Financial Times: 2010 census shows Brazil’s inequalities remain

 Vincent Bevins, correspondente no Brasil do Financial Times e do New Statesman, autor do artigo traduzido acima - (Foto: Google).





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