domingo, 8 de abril de 2012

Panamá, a Cingapura latino-americana (?)

Mais uma vez, fica provado que quem vê cara, não vê coração.

A velha imagem da viela de Salsipuedes nos remete a um velho estilo de fazer negócios no coração da capital panamenha. Dominada por empresários chineses imigrantes, a estreita passagem urbana cresceu economicamente ao abrigo e em paralelo à construção da ferrovia e da via marítima interoceânica desde os fins do século XIX, para converter-se em uma babel econômica de espanhóis, americanos, turcos, indianos, africanos, italianos, judeus e árabes.

A face do Panamá deixou para trás a anedota histórica, e busca emergir como a Cingapura das  Américas. Uma fila de arranha-céus e megaprojetos imobiliários de luxo serpenteia frente à baía dacapital -- nervo e motor econômico do país -- e ao lado de ilhas artificiais ou roubadas do mar, e modernas rodovias, em um espetáculo permanente de opulência que remete à nova figura da paisagem panamenha.

A atividade febril de negócios de todos os tipos, em uma terra cobiçada nos fins do século XVII pelo pirata Henry Morgan, e ocupada desde o início do século XX pelo presidente dos EUA, Theodore Roosevelt,  para construir o canal do Panamá e unir o Pacífico ao Atlântico no istmo estreito. Por décadas de escassos regulamentos estatais, o país serviu de bazar e esconderijo para múltiplos negócios legais e ilegais, desde armas e drogas até conspirações políticas e lavagem de dinheiro.

O coquetel panamenho tem vários ingredientes: um canal, um centro bancário internacional, a maior frota mercante do mundo, uma zona de livre comércio que é um dos principais centros de armazenagem e reexportação de mercadorias do continente, uma ferrovia interoceânica, sete portos privados e dezenas de cassinos.  Permanece a marca de ter sido um dos maiores paraísos fiscais da região. Em 2011, o Panamá encabeçou a lista de crescimento econômico da América Latina e do Caribe com um aumento de 10,6% do PIB, frente a 9,2% em 2010, de acordo com o Instituto de Estatística e Censo (INEC) do país.

A economia panamenha, acrescenta o INEC, recuperou o crescimento de dois dígitos que registrou antes da eclosão da crise mundial em 2008. O PIB passou de 20,3 bilhões de euros em 2010 para 26,4 bilhões de euros em 2011, deixando para trás o resto dos países iberoamericanos e os caribenhos anglo-saxões.

Apesar do oásis panamenho se destacar em uma vizinhança de economias frágeis, persistem as dúvidas sobre a sustentabilidade desse processo a médio e longo prazos. Muitas dessas novas construções grandes permanecem vazias, e aumentam as suspeitas se a origem do dinheiro é legal ou ilegal, em um país com a fama de ter acolhido e legitimado dinheiro sujo no passado.

Miséria e pobreza

As cifras financeiras circulam no debate quotidiano, enquanto a miséria e a pobreza extrema atingem muitas camadas da população de um país que esconde um rosto de exclusão, ainda que se promova internacionalmente como uma espécie de arco-íris permanente de oportunidades e de êxito garantido para os capitais internacionais, com uma posição estratégica para a banca, o comércio, os seguros, o transporte aéreo e marítimo mundial, e uma extensa lista de serviços de navegação, portuários, financeiros e de telecomunicações.

"Sem dúvida: Panamá é o país dos negócios", ressaltou o panamenho Tomás Drohan, diretor aposentado e ex-engenheiro chefe do canal. "Mas, a distribuição da riqueza é pobre, uma das piores da América Latina ainda que haja uma boa renda per capita. E isso pode causar problemas sociais ... e já vemos alguns", declarou Drohan ao jornal. "Temos um grupo que é, digamos, de pessoas impossíveis de ter emprego ... que não constam das estatísticas. Nas regiões indígenas há 99% de pobreza".

Dos 3,3 milhões de habitantes, uns 40% sofrem de diferentes níveis de miséria e marginalização. Com uma população economicamente ativa de pouco mais de 1 milhão de panamenhos, a taxa de desemprego supera os 5%, o que torna mais aguda a tensão social em um caldeirão político que, com frequência, agita as águas panamenhas e faz lembrar costumes artesanais dos negócios da velha Salsipuedes, mas em uma terra empenhada em converter-se em uma nova Cingapura. [O que é um enorme exagero.]

Depois de Belize, que se tornou independente da Grã-Bretanha em 1981, o Panamá é a segunda nação mais jovem da América continental, já que obteve sua independência da Colômbia em 1903 por pressão dos EUA, que se apropriaram de uma faixa do solo panamenho -- inicialmente ad aeternum -- , na qual, de 1904 a 1914, construíram o Canal com uma zona vizinha destinada a um contingente de suas forças militares.

Além disso, o Panamá é uma democracia jovem. O país foi invadido por tropas americanas em 1989 para a destituição de um regime militar golpista instalado em 1968, pelo hoje falecido general Omar Torrijos e amparado pelo narcotráfico do ex-general Manuel Noriega, hoje na prisão.  Só no final de dezembro de 1999 deixou o solo panamenho o último soldado americano. 

Com a intervenção militar de 1989, teve início um período de alternância partidária no poder político, depois de 20 anos de regime militar.

Imagem do porto de Ciudad Panamá - (Foto: Hemis. Fr. Hughes Hervé/AFP).

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