A Petrobras é uma empresa inequivocamente de um valor extraordinário e digna de nossa admiração e de nosso respeito. Mas, é castigada pela dupla personalidade com a qual é obrigada a viver e conviver: no Brasil e para nossos vizinhos cucarachos ela é fatalmente estatal, e lá fora tem que atuar como uma empresa comercial ágil e independente ao máximo possível, para competir com suas famosas "irmãs", numa briga de cachorro grande.
O chapéu de estatal tem pesado como nunca na cabeça da Petrobras, especialmente nos nove anos e meio de governo petista, sob o comando inicial de Lula (o Nosso Pinóquio Acrobata - NPA) e no ano e meio de Dilma. Em duas postagens anteriores, uma em 25 de fevereiro e a outra em 28 de fevereiro deste ano, abordei o jeito petista de administrar a empresa e os danos que isso tem causado à empresa. Como estatal, a empresa é manipulada pelo governo, não só como cabide de empregos (matéria em que o PT é PhD) mas também, entre outras coisas, no represamento do preço de combustíveis (especialmente no da gasolina) -- o que tem causado sérios prejuízos à empresa -- e na obrigatoriedade de compra de produtos feitos no país, com alto índice de nacionalização (esta é dessas iniciativas que parecem perfeitas e maravilhosas, e que ferram o país com mais frequência do que se pensa -- voltarei a falar disso mais adiante).
Como estatal diferenciada, especialmente por causa de seu core business, a Petrobras recebe tratamento também diferenciado do governo, e um exemplo claro disso foi a flexibilização do uso da famosa Lei 8.666 de 1993 (a lei das licitações) para a empresa -- há até cerca de quatro anos atrás (quando, finalmente, a Eletrobrás recebeu o mesmo tratamento), a Petrobras era a única estatal a desfrutar desse privilégio (que acho correto, diga-se de passagem).
Como estatal, a Petrobras é sistemática, recorrente e abusivamente usada por nossos vizinhos de menor expressão econômica e política como instrumento de chantagem contra o Brasil. Como já ocorreu na Bolívia, no Equador e, agora, na Argentina, a empresa é usada para espezinhar o Brasil e jogá-lo contra as cordas. Esses governos sabem que o Brasil, por obra e (des)graça do Itamaraty (com a sua esdrúxula política de dobradiça na coluna vertebral), tem verdadeiro pavor de "incomodar" um vizinho e se vê numa saia extremamente justa para conciliar isso com os legítimos interesses da Petrobras e, lógico, do país. Essa característica da nossa política externa seria a glória de um(a) analista, se o Brasil coubesse num divã ...
No capítulo da obrigatoriedade de compra de produtos e equipamentos nacionais (ou, salvo engano, de no mínimo 65% de conteúdo nacional), a Petrobras tem comido o pão que o diabo amassou, e o exemplo mais emblemático disso são as compras da empresa na indústria naval brasileira e, mais particularmente, o inacreditável caso do petroleiro João Cândido. Lançado ao mar em maio de 2010 com a demagogia, o espalhafato e a irresponsabilidade de sempre do NPA, como símbolo da "ressurreição" da nossa indústria naval, o navio só "flutuou" nesse dia e depois foi recolhido rapidinho ao estaleiro EAS, porque os erros de projeto e construção eram tantos que, se posto para navegar, o navio afundaria. Orçado inicialmente em US$ 120 milhões, seu custo atual efetivo depois de quase 2 anos de estaleiro para reformas não foi revelado, mas só de lucros cessantes (o navio pode, teoricamente, transportar até 1 milhão de barris de petróleo) deve ser uma barbaridade. Ele voltou a fazer provas de mar agora no início de abril -- vamos torcer para não se converter no primeiro submarino petroleiro do mundo ... Como disse o colunista Augusto Nunes, da Veja, além do trem-bala invisível o governo petista inventou um navio que não navega -- Hollywood está desperdiçando talentos por aqui.
A encomenda de mais 10 petroleiros ao mesmo estaleiro do João Cândido, o EAS, feita pela Transpetro (Petrobras Transporte) já estava em dezembro de 2011 a bagatela de US$ 500 milhões mais cara -- isso é o governo petista fazendo o possível para matar sua galinha dos ovos de ouro. Se encomendados lá fora, certamente nada disso teria acontecido (ou ocorrido em muitíssimo menor escala), e a Petrobras e o país teriam economizados milhões de dólares. Sob o escudo da nacionalização, estamos financiando incompetência, ineficiência e irresponsabilidade -- e ninguém faz nada p'ra corrigir isso.
Agora, no dia 08 de abril deste ano, o Globo publicou uma estranha história com o chamativo título "O petróleo é nosso, mas as embarcações ..." (pag. 34), de autoria de Henrique Gomes Batista e Ramona Ordoñez. Há momentos em que o texto parece até história de máfia [daqui até o fim da postagem reproduzo na íntegra a reportagem, só os trechos entre colchetes e em itálico são de minha responsabilidade]. A reportagem informa que recursos tributários e de custos elevados levaram o país a explorar seu petróleo com navios e plataformas estrangeiros. Há casos, inclusive, de embarcações feitas no Brasil que carregam bandeiras "gringas" [é bom não esquecer que estamos falando de uma estatal brasileira]. Segundo levantamento da Marinha, há atualmente 237 [!] embarcações nestas condições, com 30 países representados em mares nacionais, incluindo até nações sem litoral, como Luxemburgo. Destas, 180 estão afretadas para a Petrobras e 26 são da estatal, embora registradas em países como Panamá, Libéria e ilhas Marshall [isso significa evasão fiscal e de divisas feita por uma estatal, o que é, no mínimo, bizarro, não importa se isso é legal].
A prática de registrar navios no exterior é legal e generalizada no setor, que não gosta de comentá-la [o que não elimina a bizarrice da atitude de uma estatal]. Embora existam diversos casos de embarcações estrangeiras que estão temporariamente por aqui -- principalmente sondas -- também é comum o caso de navios e plataformas que atuam no litoral brasileiro há décadas, com registros em outras nações. Benefícios para o setor do petróleo, vantagens nas exportações e altos custos trabalhistas causam essa situação [mais um lado perverso do custo Brasil].
A Petrobras, por exemplo, utiliza sua subsidiária na Holanda (Petrobras Holanda) para fazer uma triangulação e, com isso, pagar menos impostos [isto, na prática, é uma evasão fiscal, mesmo que legal, realizada por uma estatal -- que é induzida a isso pela estúpida ganância tributária do governo e pela esdrúxula legislação trabalhista que temos]. Especialistas indicam que registrar a embarcação em um país pode fazer com que a operação de barcos e plataformas custe metade do preço [!] que seria para "arvorar" nessas embarcações a bandeira verde-amarela, como é dito no setor. "A diferença dos custos é muito grande, pois com a bandeira de outro país há uma necessidade de menos tripulantes, os custos trabalhistas são menores, não há a incidência de impostos sobre combustíveis e não há cobrança de impostos sobre a importação de peças", explica o consultor Nelson Carlini. [Ou seja, o petróleo é nosso, os impostos não, e a Petrobras mais ou menos].
Diz a reportagem que a Petrobras se recusou a falar sobre o assunto e explicar porque 26 plataformas e sondas de sua propriedade têm bandeira estrangeira, além da quase duas centenas de afretadas [isto é que é "transparência", o resto é o resto]. Mas, uma fonte da companhia explicou que isso ocorre pelo uso de uma operação que permite às empresas petrolíferas fugir do pagamento de diversos impostos federais e estaduais (ICMS) - [isto é sensacional -- o próprio governo permite e induz uma sua estatal a garfar sua receita! Por que o governo não toma uma atitude inteligente, e reformula essa tributação de modo a carrear para cá o dinheiro que vai para o exterior?!].
A Petrobras, assim como todas as empresas petrolíferas que operam no Brasil, se utilizam do Repetro, um regime especial de importação e exportação de equipamentos destinados às atividades de exploração e produção de petróleo no país. O Repetro foi criado em 1999, dois anos após o fim do monopólio do petróleo, para atrair e incentivar os investimentos no setor petrolífero, com a redução de impostos na importação de equipamentos, suspensão ou isenção de tributos. [Eis mais um exemplo de lei de incentivos fossilizada -- nesses 13 anos de existência da lei, o mundo, o Brasil e a Petrobras mudaram sensivelmente, mas a lei permanece a mesma ...].
Assim, pelo Repetro, a Petrobras, por exemplo, constrói uma plataforma no Brasil e é feita uma "exportação ficta", ou seja, simulada. Com isso, durante sua construção, a empresa já é beneficiada por uma série de reduções de impostos. Após ser "exportada" -- sem sair da costa brasileira -- a plataforma é importada, também de forma simulada, recebendo novamente outras isenções de impostos, como o Imposto de Importação e o ICMS [atenção: isto não é nenhum relatório de máfia italiana, nem da Polícia Federal sobre atividades ilícitas de Carlinhos Cachoeira -- é, simplesmente, uma sequência de operações para sonegação fiscal carimbada de "isenção", feita por uma estatal brasileira estritamente dentro de um sistema legal de burla fiscal criado, mantido e abençoado pelo próprio governo!].
Segundo uma fonte técnica da Petrobras, a operação não é ilegal, mas pode ser questionada do ponto de vista de política nacional, se é adequada pela geração de tributos [bingo!]. "É uma operação tributária legal para fugir de tributos federais e estaduais. Com isso, essas plataformas têm que ter bandeira estrangeira e, em alguns casos, até parte da tripulação também é estrangeira. Acredito que na Bacia de Campos há cerca de cinco mil estrangeiros trabalhando embarcados", disse a fonte -- [não fosse a burrice do governo, boa parte ou a totalidade desses cinco mil postos de trabalho poderia estar ocupada por brasileiros].
Alguns empresários e advogados do segmento naval lembram que essa situação tem relação com o declínio da indústria naval brasileira. Para eles, sem o Repetro, a produção de petróleo naqueles momentos, em que o óleo estava com uma cotação muito abaixo da registrada atualmente, poderia ser até mesmo inviabilizada. Com os novos benefícios, partir para o registro de bandeira estrangeira foi um pulo, dizem.
Alguns especialistas, contudo, alertam que a questão da bandeira não é tão essencial assim e que países relevantes no mercado, como os Estados Unidos ou nações europeias, abriram mão de brigar por isso [não dá para comparar a realidade econômica, tecnológica e legal (justiça e justiciário) desses países com a nossa, mesmo na atual crise -- nesta, estamos melhor no lado econômico-financeiro, mas no lado tecnológico (vide o caso do João Cândido acima) e ético (justiça e judiciário) continuamos terceiro-mundistas]. Ainda assim, os EUA e grandes nações europeias figuram entre as principais bandeiras em mares nacionais [o que contradiz a afirmação inicial desses especialistas].
Outros empresários e especialistas do setor lembram que uma grande frota nacional é uma diferença qualitativa relevante [se o armador não tiver que gastar um bom tempo trabalhando só para repor os custos de atrasos diversos, como no caso do João Cândido]. De qualquer maneira, os elevados e ultrapassados impostos para para embarcações brasileiras mostram desequilíbrios do setor [bingo!].
Procurada, a Receita Federal não comentou o assunto [outro belo exemplo de "transparência"...]. A Marinha, em nota, informou que as embarcações de bandeira estrangeira devem cumprir o previsto na legislação nacional e nas convenções e códigos internacionais ratificados pelo Brasil [grande novidade!]. Os militares também esclareceram que há aumento no número tanto de embarcações nacionais como internacionais, e que "a Marinha do Brasil encontra-se preparada para enfrentar os desafios que já estão acontecendo" [será?...].
Caro Vasco,
ResponderExcluirExcelente postagem. Excelente artigo. E comentários.
Por algum motivo, lendo a postagem, lembrei-me de um fato novo na nossa história (ao que sei, pelo menos), mas que vem se repetindo recentemente.
E que - gostaria de sugerir - fosse incluído como tema de uma próxima postagem: operários de grandes obras de infraestrutura do PAC ateiam fogo aos alojamentos, e são rapidamente enviados para casa pelas empreiteiras. O que deve causar grandes atrasos nessas obras.
No evento mais recente, surpreendeu-me saber que a força nacional apareceu por lá! (ou será que já estava lá?)
Afinal, o que está acontecendo? Você, Vasco, conhece alguma investigação a respeito? Há alguma explicação para isso?
São acidentes SOCIALMENTE graves, que afetam obras teoricamente de interesse nacional.
Um abraço,
Daniel