Na Europa, os franceses Le Monde e Le Figaro não deram bola p'ra visita. O espanhol El País fez chamada de primeira página, comentando que a reunião Obama-Rousseff reflete a disputa dos dois países pela liderança continental. No Reino Unido, o The Guardian e o Financial Times ignoraram o assunto, e o BBC News noticiou-o na primeira página, dizendo que EUA e Brasil buscam aprofundar seus laços. A prestigiosa revista inglesa The Economist destaca a visita na primeira página de seu site, dizendo que "a América está gradualmente percebendo que tem um país grande e estável ao sul". Na Alemanha o Die Zeit e o Frankfurter Allgemeine também passaram por cima da visita (mas, o Frankfurter traz reportagem sobre o Mali na primeira página ...).
Na Argentina, o La Nación ignorou a visita e o Clarín a noticiou na primeira página, dizendo que "Rousseff iniciou sua visita aos EUA de olho no comércio".
Apresento a seguir o artigo que traduzi da revista Time, intitulado "Roussef do Brasil vai a Washington", de autoria da jornalista Jay Newton-Small, publicado ontem.
A presidente brasileira é esperada para sua primeira visita oficial a Washington nesta segunda-feira. Embora a visita não inclua um jogo de basquetebol, uma salva de 19 tiros ou um jantar formal oficial de que o primeiro-ministro britânico David Cameron desfrutou no mês passado, ela tampouco será como a tensa e hipercoreografada recepção que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu obteve no início de março.
A verdade é que os EUA estão ainda tentando entender se o Brasil é um aliado ou um rival. As relações [entre os dois países] deterioraram-se sob o governo petista do antecessor de Rousseff, Lula da Silva, quando o Brasil, a maior e mais rapidamente crescente [o que não ocorreu em 2011] economia da América do Sul -- superando o Reino Unido como a sexta maior economia do mundo no ano passado -- começou a desafiar o super poder dos EUA, tanto no nível regional como no internacional. Em 2010, o Brasil tentou estabelecer um acordo nuclear civil independente com o Irã, embora a declaração brasileira de que cada país tem o "direito inalienável" de enriquecer urânio para "fins pacíficos" fosse um tanto em interesse próprio, já que o país é o quinto maior do mundo em reservas de urânio.
E, no ano passado, o Brasil respaldou a declaração unilateral da Palestina como nação -- uma atitude [a da Palestina] tão contrária à posição dos EUA e tão prejudicial ao processo de paz no Oriente Médio [na opinião americana, lógico], que Obama foi levado a fazer um enérgico pronunciamento na ONU contra ela. O Brasil também se absteve, ou foi totalmente contra resoluções apoiadas pelos EUA em questões tais como Líbia e Siria, argumentando que não considera sanções econômicas como política externa eficiente. Regionalmente, o Brasil ajudou na criação de um bloco de 12 nações, a União das Nações Sul-Americas, ou UNASUL, que explicitamente excluiu seu vizinho do norte embora abordasse questões dos EUA, como bases militares nas Américas e a política monetária americana. O Brasil também se envolveu com atores que os EUA preferem que fiquem por enquanto fora da mesa de negociações, como Evo Morales da Bolívia, Hugo Chávez, da Venezuela -- que, no momento, está no Brasil em busca de tratamento médico urgente contra câncer [notícia inteiramente equivocada da autora do artigo], e os irmãos Castro em Cuba.
Tudo isso motivou a viagem de Obama ao Brasil no ano passado, três meses apenas depois de Dilma Rousseff ter assumido o cargo, numa tentativa de reajustar as relações. O fim da tarifação americana sobre o etanol brasileiro em janeiro eliminou um ponto de atrito entre os dois países, e EUA e Brasil estão cada vez mais aliados contra a enxurrada de exportações baratas da China e sua má vontade em permitir a importação de bens manufaturados. Rousseff recuou da posição de ajudar o Irã com seu programa nuclear. Os EUA fizeram um real esforço para lidar com um acúmulo de pedidos brasileiros de visto no ano passado. E a florescente classe média brasileira tornou-se um importante mercado para as exportações americanas, e o Brasil espera reforçar suas vendas de aeronaves e armamento para o Pentágono.
"Há muita conectividade que ambos os governos estão tentando capitalizar e dela tirar proveito", diz Shannon O'Neil, um especialista em Brasil no Conselho de Política Exterior. Para manter a chama acesa, após a reunião das Américas em meados de abril em Cartagena [Colômbia] são esperadas as visitas da Secretária de Estado Hillary Clinton e do Secretário de Defesa Leo Panetta ao Brasil.
A visita de Rousseff enfocará o programa brasileiro Ciência sem Fronteiras -- o impulso do país sul-americano em inovação e tecnologia, especialmente através de intercâmbio educacional. "Cooperação nas áreas de educação e inovação é agora uma das prioridades da política externa brasileira", disse aos jornalistas o ministro da Educação Aloizio Mercadante na semana passada, acrescentando que é esperado que Obama, como parte dos resultados da reunião, anuncie acesso facilitado para estudantes brasileiros que buscam estudar nos EUA. Talvez mais importante que o trecho de sua visita a Washington, Rousseff visitará Harvard e o Massachusetts Institute of Technology que, se espera, receberão milhares [?] de estudantes brasileiros nos anos vindouros.
Ao mesmo tempo, o Brasil sentiu-se desconsiderado pela política de Washington. O país queria que o jantar de Rousseff fosse considerado uma visita de Estado, mas a administração Obama respondeu que não fazem jantares desse tipo em anos eleitorais -- não importa o tratamento dispensado a David Cameron. O Brasil também considera que um contrato de US$ 355 milhões com a Embraer para a venda de 20 aviões de combate [para os EUA] foi vitimado pela política eleitoral, quando foi abruptamente cancelado em janeiro, depois de reclamações de grupos americanos de que o contrato deveria ser feito com uma empresa americana -- em particular, com uma fábrica no eleitoralmente indefinido estado da Flórida. E o Brasil se aborreceu com a recusa de Washington em apoiar sua aspiração a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, apesar de ter endossado no ano passado pretensão semelhante da Índia e, em 2009, ter dado ao primeiro-ministro indiano Manmohan Singh a honra do primeiro jantar formal de Estado de Obama, como mostrou meu colega Tim Padgett [cujo artigo tem como título "A visita de Estado que não é: os EUA estão desrespeitando Dilma do Brasil na véspera de sua viagem?"]. Provavelmente por conta disso tudo é que ninguém espera que surjam grandes notícias da visita de Rousseff mas, algumas vezes, a falta de notícias -- ou a ocorrências de notícias pequenas -- não é de todo ruim. [Pelo visto, os EUA de Obama esnobaram em grande estilo a visita de Dilma, dando-lhe um tratamento formal e protocolar inferior ao de chefe de Estado, o que deve ter ajudado a piorar a proverbial cara de péssimo humor de Dilma, como se vê nas suas fotos com Obama.]
Há uns poucos pontos nos quais os dois países podem avançar, e a visita é uma oportunidade para aprofundar os laços entre Obama e Rousseff que, verdadeiramente, se deram amistosamente bem no ano passado no Brasil. O Brasil tem pressionado para que a cachaça, o licor brasileiro de cana-de-açúcar na bebida nacional, a caipirinha, seja considerada distinta do rum e, portanto, não fique sujeita aos impostos de importação que protegem o rum americano feito nas Ilhas Virgens e em Porto Rico. E o Brasil quer que a administração Obama vá contra uma lei recentemente aprovada na Flórida, que poderia impedir a construção de um hotel de US$ 700 milhões por uma empresa brasileira em Miami. Tendo em conta a política de ano eleitoral, a primeira pretensão [a da cachaça] tem mais chance de ser atendida. Portanto, uma dica para Obama: quando fazem brindes com caipirinha, os brasileiros dizem saúde, a expressão portuguesa para "to your health".
Dilma e Obama, na visita dela agora nos EUA -- a julgar pelas fisionomias ... - (Foto: Reuters).
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