sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Dilma Rousseff, nosso caixeiro-viajante em Cuba

Quem esperava que Dilma Rousseff fosse a Cuba como estadista, enganou-se redondamente. Ela cumpriu simplesmente o papel de um caixeiro-viajante, nada mais que isto. Se alguém tinha ainda alguma dúvida de que também em política externa e direitos humanos Dilma não tem rumo, nem diretriz, deve estar plenamente consciente disso -- também nessas áreas nossa ex-guerrilheira tem a firmeza e a constância de rumo de uma biruta de campo de aviação, o símbolo perfeito de seu governo.

Como ex-guerrilheira, a presidente tem um comportamento incompreensível e errático em matéria de direitos humanos. Ela criou uma espécie de "hierarquia" nessa área que faria a alegria do Stanislaw Ponte Preta, o autor da expressão "samba do crioulo doido". O que vale para o Brasil não vale para Cuba, e tampouco se aplica ao Irã e aos EUA, e aí vai num zigue-zague de quem sai de uma festança depois de beber todas.

No Brasil, Dilma virou madrinha de uma aberração chamada de Comissão da Verdade -- que, por sinal, sequer saiu do papel -- que pode, no máximo, apurar, mas jamais punir. É um eunuco num harém. Quando assumiu, esfriou as relações com o Irã (corrigindo, espantosamente, uma das inúmeras mancadas de seu criador e tutor, Lula, o Nosso Pinóquio Acrobata, em política externa) e nisso a questão dos direitos humanos teria tido algum papel, embora não se saiba de que relevância.

Em Cuba, ela deu seu showzinho particular e típico. Silenciou sobre os malfeitos de Cuba em termos de direitos humanos, mas resolveu assumir o papel de um arremedo de guerrilheira das arábias e criticou, sem citá-los nominalmente, os EUA por causa de Guantánamo, esquecendo-se de que em matéria de direitos humanos o Brasil tem telhado de vidro, rabo preso e culpa no cartório.  Através da esdrúxula Lei da Anista, o Brasil criou a fantástica figura do criminoso inimputável. A melhor-- aliás, perfeita -- definição sobre a missão de Dilma em Cuba foi dada pela dissidente e blogueira cubana Yoani Sánchez: "Dilma veio a Cuba de carteira aberta e olhos fechados".

A blogueira cubana acertou na mosca. A Odebrecht está construindo um megaporto em Cuba (o de Mariel), uma obra de quase um bilhão de dólares (mais exatamente, US$ 957 milhões, dos quais US$ 682 milhões são financiados pelo BNDES). Fica então entendido assim: país que nos garante uma obra dessas tem todo o direito de fazer o que quiser com seus cidadãos, não temos nada com isso. Estamos, pois, usando com Cuba do mesmíssimo pragmatismo que hipocritamente criticamos nos EUA. Não sou nenhum inocente de achar que o que Dilma fez está absolutamente errado, ela tem mesmo que vender nossa tecnologia e nossos equipamentos lá fora, para reduzir nossa   exagerada e perigosa dependência das commodities. O que me agride a inteligência e o olfato é esse papo dela de falsa moralista. Faz-me lembrar de Sobral Pinto, célebre defensor de presos políticos -- quando foram lhe falar da "nossa" democracia, ele retrucou: "Não existe democracia à brasileira, existe peru à brasileira" -- Dilma Rousseff devia ler Sobral Pinto e sobre ele.

Nosso histórico com Cuba em termos de direitos humanos é péssimo. Quando lá esteve em março de 2010, Lula, o Nosso Pinóquio Acrobata (NPA), comparou a bandidos de S. Paulo um preso político que fazia greve de fome. E o mesmo NPA devolveu a Cuba dois pugilistas que pediram asilo ao Brasil no final dos Jogos Panamericanos. Essa política dúbia, de dobradiça na coluna vertebral no relacionamento com nossos vizinhos, é uma característica espantosa e lamentável do Itamaraty -- por causa dela, vivemos expostos a humilhações inacreditáveis por parte da Bolívia, do Equador, da Argentina, e por aí vai.

3 comentários:

  1. Valioso comentário recebido do dileto amigo Mario Santos, reproduzido em duas partes, por limitação de espaço:

    Parte I

    Vasco,

    Li seu Blog sobre a Dilma em Cuba. Teço alguns comentários diretamente, pois ainda não sei usar o Blog para registrar minha opinião.
    Em primeiro lugar, direitos humanos. O conceito, em política internacional, foi criado pelos acordos de Helsinki, quando o Ocidente, liderado pelos Estados Unidos, negociou quadro de convivência pacifica com a União Soviética.
    Nesses acordos, o Ocidente introduziu o conceito, motivado, em grande parte, pela campanha então em andamento para obrigar a União Soviética a facilitar a emigração de judeus russos para Israel. Surpreendentemente, o russos concordaram, o que mostra que até bom enxadrista não consegue sempre enxergar o desdobramento último de uma jogada. Desse momento em diante, 'direitos humanos' virou o bordão preferido do Ocidente para castigar todos seus desafetos.
    'Direitos humanos', tal como hoje é bandeado pelo Ocidente, parece sugerir que só a cultura ocidental (democracia mais capitalismo) tem condições de gerar esse estágio superior de convivência humana, e quem não comunga dessa filosofia ipso facto é classificado como incapaz de respeitar 'direitos humanos, muito menos gerá-los. Portanto, todos que desafiam a imposição cultural do ocidente são classificados como 'bad guys'. 'Direitos humanos' vêm sendo aplicados com alto grau de eficiência porque é ideal para fazer política externa através da imprensa dos países ditos aliados ou amigos. É importante que os leitores do O Globo e demais veículos da imprensa do mesmo cunho ideológico absorvam sem crítica as acusações de desrespeito aos direitos humanos dos desafetos dos Estados Unidos porque isso cria constrangimento a uma política externa diferenciada. Aliás, para sublinhar a importância de fazer política externa pela imprensa dos outros, leia o artigo do Luiz Filipe Lampreia no O Globo de quarta passada sobre o Irã. Lá está nosso ex-Ministro do Exterior regurgitando os estereótipos assacados contra aquele país. É realmente inacreditável que um diplomata profissional ignore intencionalmente os antecedentes do conflito Estados Unidos-Irã. Se ele conhece esses antecedente e os ignore, a conclusão inescapável é que escreveu para enganar. Muito me surpreenderia se os formadores de política externa dos Estados Unidos estão realmente preocupados com 'direitos humanos' em qualquer parte do mundo se esses tais direitos humanos criarem obstáculos aos seus interesses. Não precisa ir muito longe para encontrar um exemplo. Você há de concordar que direitos humanos na Arabia Saudita estão longe de um padrão mínimo, ate em relação a Cuba. Mas cadê críticas à Arabia Saudita do governo americano? Um ou outro órgão nos Estados Unidos podem deblaterar sobre o assunto, mas isso é liberdade de expressão.

    [continua]

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  2. Parte II do comentário de Mario Santos:

    Parte II

    Os direitos humanos hoje existentes, variando muito em grau de país em país, são o resultado de processos civilizatórios, nunca da política externa de um ou um grupo de países. Cada sociedade conduz seu próprio processo civilizatorio. A nossa deu um passo adiante com a recente decisão do Supremo sobre o CNJ. Não advogo retirar 'direitos humanos' da agenda internacional. Pelo contrario. O mundo já chegou a um estagio de consciência social que permite, diria até, exige, que metas de boa convivência humana sejam estabelecidas em todos os níveis, levando e encorajando países a subscrevê-los e a implementá-los, mas dentro de seu processo civilizatório. Usando Cuba outra vez como exemplo, não ouvi nem li nenhum comentário favorável ou encorajamento às medidas (certamente ainda cautelosas) relativas a liberdades instituídas por Raul Castro. Elas representam progresso no processo civilizatório cubano, e não um retrocesso, progresso no sentido da cultura de abertura política e econômica ocidental. Ninguém critica os Estados Unidos por manter o embargo e assim continuar dificultando a vida do povo cubano, só para dificultar a vida do seu governo.
    Resumindo, 'direitos humanos' é causa nobre demais para servir aos interesses da política externa da potência dominante. Acho que o Brasil está certo em contestar seu uso dessa maneira. Como disse a Dilma, em matéria de direitos humanos, todos têm teto de vidro. E quem somos nós para criticar os outros nessa área, nós que abrigamos terríveis diferenças sociais e ainda não eliminamos trabalho escravo. Antes de ajudar os Estados Unidos na crítica a seus desafetos, temos de nos debruçar sobre árduo dever de casa. Nesse ponto, Dilma é responsável.

    Abraços,

    Mario

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  3. Mario,

    Seus comentários são instigantes, como sempre. A começar pela tese da relativização do conceito de "direitos humanos", que me é a princípio um tanto difícil de aceitar mas que, sem dúvida, merece uma reflexão cuidadosa. Ela me fez lembrar um dito muito usado em Minas Gerais, minha terra, que diz que "é melhor pingar, que secar" e, a partir disto, acho que você está certo. Concordo também que nesse campo predomina a hipocrisia, e nesse time Dilma tem, até agora, lugar cativo -- nesse, e em outros temas, ela acrescenta (p'ra meu gosto) muito contorcionismo à sua hipocrisia. Criticar os EUA na terra de Guantánamo, sem qualquer menção direta ou indireta ao que Cuba vem fazendo com seus dissidentes -- a história do "teto de vidro" que cobre todo mundo é válida, mas me soa um generalismo escapista se atentarmos para o país em que foi mencionada -- me soou uma demagogia inteiramente canhestra e chocha.

    Abraços,

    Vasco

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