Sou fã de carteirinha de Dora Kramer, a brilhante colunista do jornal O estado de S. Paulo, por sua acuidade, pela precisão cirúrgica de suas análises e seus comentários, e seu destemor. Reproduzo a seguir, na íntegra, sua coluna de hoje no Estadão, em que ela desnuda, entre outras informações, o contorcionismo hipócrita do PT para arranjar um outro nome que não "privatização" para o que o governo petista fez com os aeroportos de Brasília, Viracopos e Guarulhos.
Incoerente da Silva
Dora Kramer (O Estado de S. Paulo- 12/2/2012)
A tardia, mas benfazeja privatização dos aeroportos de Guarulhos,
Viracopos e Brasília, que abre ainda o caminho para a entrega do Galeão
(RJ) e Confins (MG) à administração do setor privado, atordoou o PT e
pareceu revigorar por alguns momentos o PSDB. O ato deveria encerrar a questão, excluindo-a da agenda não digamos
política, mas eleitoral porque o PT só volta ao tema quando interessa
infernizar o adversário ruim de defesa. Mas, como avisou o presidente do partido, Rui Falcão, "a guerra continua".
A depender de quem ganhe a batalha da comunicação com a sociedade,
continuará na agenda com vantagem para os petistas. Os tucanos riram
muito, divertiram-se em provocações nas redes sociais, no Congresso, em
artigos e entrevistas. Muitas (não todas) repletas de razões consistentes explicando diferenças
e semelhanças entre o processo iniciado no governo Fernando Henrique,
constatando a evidência: o que caracteriza a concessão é o controle e se
o controle foi passado à iniciativa privada o nome do jogo é
privatização.
Ofendidos, petistas reagiram com um discurso artificial segundo o qual
lá houve roubalheira e entreguismo enquanto cá os procedimentos foram
corretos, lucrativos e, sobretudo, "mezzo" estatal. Fato é que os aeroportos terão gestão privada e o PT está com vergonha
disso. Tanto que considera necessário se defender das "acusações" e já
preparou uma cartilha de munição à militância.
Para explicar que o que fizeram não foi bem isso que dizem ter sido
feito. Mesmo eivada de sofismas, uma ideia que aos tucanos jamais
ocorreu: traduzir um tema de difícil compreensão de forma inteligível e
repetir seus argumentos com convicção sem se deixar intimidar.
Mas parece que em geral políticos tratam como algo vergonhoso o ato da
transferência para o setor privado, mediante quantias de dinheiro
fabulosas, serviços com os quais o Estado não pode arcar. Ocorre que ganham todos. Ganha o Estado e o público se as coisas são
feitas direito como na incontestável - mais ainda muito contestada,
desnecessário dizer por qual partido - privatização do setor de
telecomunicações. Não será surpresa se na próxima campanha aparecerem comparações entre as
privatizações de um e as "concessões" de outro governo mostrando como a
do PT foi bem melhor.
Surpreendente é o partido reagir ao ser apontado como incoerente. A
privatização dos aeroportos é só um pilar no monumento à incoerência que
o PT vem construindo há quase dez anos, ao adotar como sua a agenda que
combateu durante a vida toda. Excetuada a ampliação dos programas sociais, onde resolveu fazer do seu "jeito", saiu-se mal.
Desarticulou as agências reguladoras, não fez andar programas anunciados
com pompa, convive com a paralisia em obras do PAC, "concedeu" rodovias
pelo critério de menor tarifa prejudicando o andamento do processo e
atrasou em pelo menos cinco anos a privatização dos aeroportos. Para não dizer que não falamos de política, consolidou o modelo do feudo
na ocupação de ministérios e transformou em cardinalato o baixo clero
do Congresso.
Modo de fazer. Abissal a diferença entre os governadores Jaques Wagner,
da Bahia, e Sérgio Cabral, do Rio, na condução das greves de policiais.
Entre outros, por um detalhe: Cabral mandou prender grevistas no
primeiro dia e Wagner passou dois dias dando entrevistas para dizer que a
greve não existia. Um preservou a autoridade sem conversar. Outro conversou demais e desgastou seu poder. [Dora parece esquecer-se de que, na malfadada greve de bombeiros e PMs no Estado do Rio em 2011, Sérgio Cabral foi tão frouxo ou mais que Jacques Wagner, deixando-se intimidar por um bando de arruaceiros.]
De coração. Capitão da PM da Bahia conta a seguinte história: o general
Gonçalves Dias confraternizou com o grevista de quem ganhou um bolo de
aniversário enquanto comandava o cerco aos amotinados porque os dois
haviam servido juntos, anos atrás, em Sergipe. Explica, mas não justifica.
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