Se, um dia, qualquer das máfias italianas (a siciliana Cosa Nostra, a napolitana Camorra ou a calabresa 'Ndrangheta) sair pelo mundo afora à caça de um executivo de ponta, certamente ninguém desbancará José Dirceu, a versão tupiniquim mais requintada de um capo mafioso. Há quem diga, ou considere, que ele é uma síntese do que de pior e melhor havia em Rasputin, Richelieu e Maquiavel, um inequívoco reconhecimento de sua extrema habilidade em tramar e permanecer imune a qualquer punição ou contratempo (desempenho melhor que o de Rasputin e Maquiavel ...).
O jornal português Público publicou no domingo passado (19/2/12) uma reportagem de duas páginas -- que reproduzo parcialmente a seguir --, com o título José Dirceu e Portugal, em que descreve o que chama de "negócios transatlânticos do antigo chefe da Casa Civil de Lula". Tenho o exemplar do jornal à mão mas, estranhamente, não se consegue acessar a reportagem pelo site do jornal -- mas seu texto praticamente integral está disponível em um site brasileiro. Na reportagem, o jornal menciona que José Dirceu está ligado a um grupo de sociedades, de advocacia e de consultoria, que são usadas por grupos portugueses e internacionais que querem investir no Brasil.
Segundo o jornal, José Dirceu é colaborador do Ongoing [forte grupo empresarial português de múltiplas atividades, fundado no final do século 19, que foi investigado pelo Ministério Público no Brasil em outubro de 2010] e parceiro do escritório português Lima, Serra, Fernandes & Associados, e esteve, por exemplo, no epicentro das negociações que deram à Telefónica o controle da operadora brasileira Vivo, entre 2009 e 2010, e que teve como contrapartida a entrada da Oi na Portugal Telecom. Diz o Público que "o advogado e antigo presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) apresenta-se como consultor de multinacionais, promovendo grandes negócios, alguns dos quais precisam de aprovações políticas para se concretizarem". A partir de São Paulo, José Dirceu opera através de duas sociedades: a JD Consultores e o escritório de advocacia Oliveira e Silva & Associados -- para entender essas denominações, basta lembrar que o nome completo dele é José Dirceu Oliveira e Silva.
Em Brasília, a ponte é feita através da consultora JD&S, encabeçada por Júlio César, casado com uma assessora do Palácio do Planalto e braço direito de José Dirceu. E é este consultor que, por vezes, surge para concretizar grandes operações associadas ao líder petista. Seu nome consta de negócios envolvendo grupos portugueses, como é o caso do Ongoing, e espanhóis, como a Isolux, que é representada por Júlio César. Nenhuma dessas três sociedades de José dirceu (JD Consultores, Oliveira e Silva, e JC&S) tem site um site oficial, segundo o jornal português [realmente, não encontrei sites que correspondam ao mínimo de perfil dessas empresas].
Diz o Público que José Dirceu tem muitos amigos em Portugal. Um deles é João Abrantes Serra, um dos sócios do escritório Lima, Serra, Fernandes & Associados, liderado por Fernando Lima, atual presidente da Galilei, ex-Sociedade Lusa de Negócios [grupo empresarial português] e dona do BPN - Banco Português de Negócios. Embora Abrantes Serra tenha confirmado ao jornal uma ligação de vários anos com o escritório brasileiro Oliveira e Silva, de José Dirceu, tal vínculo não consta no site institucional do escritório de advocacia português. Fernando Lima explicou, porém, que o escritório tem local próprio em S. Paulo, onde está "quase sempre" um dos sócios, João Vaz Fernandes. Os registros na Ordem dos Advogados do Brasil indicam que o domicílio profissional de Vaz Fernandes é na Rua Botucatu, o mesmo endereço da firma de José Dirceu. Por outro lado, o escritório LMF & Associados está ainda associado ao JD&S através de André Serra, filho de João Abrantes Serra, o que foi confirmado por Fernando Lima.
Fernando Lima negou-se a confirmar, alegando "sigilo profissional", se o Ongoing é cliente do LSF & Associados. No Brasil o Ongoing recorre, entre outros, aos serviços jurídicos de Lilian Ribeiro, que tem escritório com José Dirceu. Terá sido, ainda, por via de João Serra que o ex-embaixador em Madri e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, Martins da Cruz, aparece associado à promoção de alguns negócios do outro lado do Atlântico, envolvendo especificamente grupos espanhóis.
Além das relações pessoais citadas acima, diz o jornal português que José Dirceu também é amigo pessoal de Nuno Vasconcellos e Rafael Mora, respectivamente presidente e vice-presidente do Ongoing, e de Miguel Relvas, ministro de Assuntos Parlamentares (que confirmou manter com José Dirceu uma relação de amizade desde 2004, mas disse que "não o vê há cerca de um ano"). Recentemente, segundo ainda o Público, a imprensa brasileira noticiou que José Dirceu preparava o terreno para a Bandeirantes entrar na RTP [Rádio e Televisão de Portugal], e evidenciou a amizade do brasileiro com o ministro Miguel Relvas, responsável institucional por aquele canal público, como sendo "facilitadora do negócio".
Eis aí um pequeno e expressivo recorte do currículo de José Dirceu, o mentor maior do Mensalão e de inúmeras outras proezas de mesmo quilate ético e moral no cenário político e empresarial brasileiro.
Do dileto amigo Gardino recebi um comentário oportuno e pertinente sobre a omissão do Banco Espírito Santo (BES), no artigo do jornal português, como um dos tentáculos financeiros de José Dirceu em Portugal.
ResponderExcluirRealmente, no texto da reportagem não consta essa referência, mas no gráfico que o acompanha (que não consegui acessar digitalmente, por não ser assinante do jornal) aparece nítida e explicitamente como um dos vínculos de José Dirceu o nome de Miguel Horta e Costa, vice-presidente do grupo BES Investimento e ex-CEO da Portugal Telecom. Esse executivo, juntamente com António Mexia (CEO da EDP, ex-ministro das Obras Públicas e Telecomunicações, ex-BES Investimento) e Ricardo Salgado (Presidente do Grupo BES e acionista da Portugal Telecom) forma a lista de três portugueses arrolados entre as 641 testemunhas de defesa arroladas por José Dirceu no Caso Mensalão. Como se vê, o "capo" tupiniquim está ligado a altíssimas esferas do empresariado e da política portugueses.