domingo, 5 de fevereiro de 2012

Fotógrafo do cadáver de Herzog diz que foi usado

Uma revelação exclusiva é o destaque da "Ilustríssima" deste domingo: o repórter Lucas Ferraz, da Sucursal de Brasília, localizou em Los Angeles o autor da mais importante imagem da história do Brasil nos anos 1970 --a foto do jornalista Vladimir Herzog morto numa cela do DOI-Codi, em São Paulo, no ano de 1975.

A íntegra da reportagem está disponível na internet para assinantes do jornal e do UOL, empresa controlada pelo Grupo Folha, que edita a Folha

Fotógrafo da Polícia Civil de São Paulo, o santista Silvaldo Leung Vieira, então com 22 anos, foi recrutado pelo Dops (Departamento de Ordem Social e Política) para uma de suas primeiras "aulas práticas": o registro do cadáver do jornalista, que havia comparecido espontaneamente ao DOI-Codi, após ter sido procurado por agentes da repressão em sua casa e na TV Cultura, onde trabalhava como diretor de jornalismo. Ele tinha ligações com o PCB (Partido Comunista Brasileiro), mas não chegou a ter atividades na clandestinidade.

"Ainda carrego um triste sentimento de ter sido usado para montar essas mentiras", afirmou Silvado à Folha, por telefone.

Segundo relatos de testemunhas, Vlado, como era conhecido pelos amigos, foi torturado e espancado até a morte. A imagem produzida por Silvaldo ajudou a derrubar a versão do suicídio, uma vez que seu corpo pendia de uma altura de 1,63 m, com as pernas arqueadas e os pés no chão, o que torna altamente improvável que tenha se matado. A morte gerou manifestações, como a famosa missa na catedral da Sé, em São Paulo, e contribuiu para que o presidente Ernesto Geisel e seu ministro Golbery do Couto e Silva vencessem a queda de braço com a linha dura da ditadura, que pedia um aperto na perseguição à esquerda, sob o argumento de que o país vivia a ameaça do comunismo.

Quando Silvaldo chegou ao DOI-Codi para fotografar o cadáver de Herzog, a cena do "suicídio" estava montada. Numa cela, o corpo pendia de uma tira de pano atada a uma grade da janela. As pernas estavam arqueadas eos pés, no chão. Completavam o cenário papel picado (um depoimento que fora obrigado a assinar) e uma carteira escolar.

"[...] não me deixaram circular livremente pela sala, como todo fotógrafo faz quando vai documentar uma morte. Não tive liberdade. Fiz aquela foto praticamente da porta. Não fiquei com nada, câmera, negativo ou qualquer registro. Só dias depois fui entender o que tinha acontecido", diz Silvaldo.  [...] "Tudo foi manipulado, e infelizmente acabei fazendo parte dessa manipulação", lamenta-se ele. "Depois me dei conta de que havia me metido numa roubada. Isso aconteceu, acho, porque eles precisavam simular transparência".

"Tenho para mim que esses acontecimentos foram a raiz das Diretas-Já", disse à Folha o então governador de São Paulo, Paulo Egydio Martins, que também tinha atritos com os militares da linha dura. 

Silvaldo Leung Vieira também fotografou a cena do "suicídio" de Manoel Fiel Filho, operário que morreu em situação semelhante à de Herzog e cuja morte também foi decisiva para mudar os rumos do regime. Essa imagem, no entanto, nunca apareceu.

Filho do jornalista Vladimir Herzog, morto numa cela do DOI-Codi em 1975, Ivo Herzog, 45, disse neste domingo que a reportagem da Folha colabora para enterrar ainda mais a versão de que seu pai teria se suicidado. 

 Silvaldo Leung Vieira, o então fotógrafo da Polícia Civil de S. Paulo localizado pela Folha em Los Angeles - (Foto: Zen Sekisawa/Folhapress).

O jornalista Vladimir Herzog, que foi encontrado enforcado em uma cela, em 25 de outubro de 1975 -- (Foto: Jornal do Sindicato de Jornalistas de S. Paulo).

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