[Pelo visto, o mundo científico anda envolvido em sérios problemas de ética na área acadêmica -- só na Alemanha, dois ministros de Estado perderam seus cargos por plágios em suas teses de doutorado. Pela reportagem de hoje no Estadão, o problema é pior do que parece.]
"É uma coisa tão horrorosa e tão incômoda que, por muito tempo,
preferimos acreditar que o problema não existia. Mas ele existe, e
estamos lidando de frente com ele agora". A afirmação, do biofísico Paulo Sérgio Beirão, reflete bem o momento de
enfrentamento vivido entre cientistas e aquele que provavelmente é o
maior fantasma de sua comunidade: a prática de fraudes na ciência. O
número de casos relatados de plágio, falsificação e até fabricação
(invenção) de resultados em trabalhos científicos vem aumentando
significativamente nos últimos anos, deixando no ar a sensação de que
uma "epidemia de fraudes" está se espalhando pelo outrora inabalável
universo da integridade científica.
Uma das causas seria o maior acesso à internet e a softwares, que facilitam tanto a prática quanto a detecção de fraudes. [Esta é uma maneira escapista e simplista de explicar o problema, para dizer o mínimo. Focaliza apenas o mecanismo da fraude e não o que está por trás dele. O problema essencialmente é de falta de ética, este é o ponto a investigar. Por que isso acontece? Na Alemanha, por exemplo, a obsessão por títulos de doutorado, dada sua supervalorização pela sociedade em geral, é considerada uma das principais causas dessa quebra de ética -- ela gerou uma quase epidemia de plágios de teses de doutorado que, como dito acima, já derrubou dois ministros de Estado. Uma meritocracia distorcida pode, sem dúvida, desencadear esse tipo de comportamento. Como em tudo na vida, o conceito de ética tem que ser incutido nas pessoas desde sua mais tenra idade. Em caso de fraude, confirmada a culpa após uma investigação integralmente ampla e democrática a punição tem que ser exemplar, para desestimular ao máximo sua repetição.]
As estatísticas mais alarmantes vêm dos Estados Unidos. Segundo dados
divulgados em dezembro pelo Escritório de Integridade em Pesquisa (ORI,
em inglês) do Departamento de Saúde do governo americano, o número de
trabalhos anulados nos últimos dez anos só nas ciências biomédicas
aumentou 435% - levando em conta artigos listados na base PubMed,
referência bibliográfica internacional para pesquisas nessa área. No ano
passado, 375 artigos da base foram revogados, comparado a 271 em 2011 e
a 70, em 2003.
Criado há 20 anos, o ORI é encarregado de investigar denúncias de
fraudes cometidas por cientistas que recebem recursos dos Institutos
Nacionais de Saúde dos EUA. O escritório recebe uma média de 198
denúncias por ano, das quais 36% resultam em condenação. Em 2011,
segundo o relatório anual mais recente, foram recebidas 240 denúncias, e
dentre as 29 investigações concluídas, 13 (44%) resultaram em um
veredito de culpa.
Números da Web of Science, a biblioteca digital que cataloga artigos das
melhores revistas científicas do mundo, contam uma história semelhante,
com um aumento significativo no número de anulações ao longo da
última década. Só nos últimos dois anos, cerca de 800 trabalhos
relacionados na base foram retratados, segundo estimativas divulgadas
pelo site Retraction Watch, que publica diariamente notificações sobre
pesquisas anuladas no mundo todo.
Trabalhos anulados são removidos da literatura e deixam de ter
validade científica. A revogação não significa que tenha havido má fé
por parte dos autores, mas é frequentemente relacionada a casos de má
conduta.
No Brasil. Os sintomas dessa "epidemia" ainda são amenos no Brasil, mas
as agências reguladoras e de financiamento estão atentas ao problema e
já se preparam para um agravamento no quadro local de denúncias.
Beirão está na linha de frente desse movimento. Ele é o presidente da
Comissão de Integridade na Atividade Científica (Ciac) do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), criada há
um ano para lidar especificamente com esse assunto. Cabe à Ciac
estabelecer regras de boas práticas e de conduta ética na atividade
científica, assim como analisar denúncias de possíveis violações dessas
regras, quando elas envolvem pesquisadores ou projetos financiados pelo
CNPq.
"O número de denúncias não é muito grande, mas já aumentou desde a
criação da comissão", relata Beirão, que também é professor da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e diretor de Ciências
Agrárias, Biológicas e da Saúde do CNPq. "Toda denúncia que chega é
investigada, além de casos que nós detectamos por conta própria".
Na primeira reunião da Ciac, em julho de 2012, foram analisados quatro
casos, incluindo três acusações de plágio e uma, de má conduta ética.
"Em todos os casos, medidas prévias de punição já haviam sido tomadas e a
Ciac decidiu por enviar notas de repreensão aos denunciados", informou a
comissão. Sete meses depois, na segunda reunião, realizada no início deste mês,
foram dez casos, incluindo quatro acusações de plágio, uma de
falsificação de resultados e cinco, de má conduta ética.
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) trilha
um caminho similar, iniciado em setembro de 2011 com a publicação de um
Código de Boas Práticas Científicas, que estipula princípios
fundamentais de integridade na ciência e determina regras e prazos para
investigação de possíveis casos de má conduta. O código tem implicações
diretas para todos os pesquisadores e instituições que recebem recursos
da Fapesp.
"Em toda entidade de pesquisa deve haver um órgão exclusivamente
encarregado de receber alegações de más condutas científicas
relacionadas a pesquisas nela realizadas, avaliar seu grau de
fidedignidade e especificidade e, se for o caso, iniciar e coordenar a
investigação de fatos alegados", diz o código. "A responsabilidade principal é das instituições; a Fapesp só intervém
quando considera absolutamente necessário", complementa o filósofo Luiz
Henrique Lopes dos Santos, professor da Universidade de São Paulo (USP) e
membro da Coordenação Adjunta da Diretoria Científica da Fapesp.
Desde o lançamento do código, a Fapesp já abriu 14 processos
administrativos por má conduta científica, incluindo 8 por plágio, 3 por
falsificação de dados de pesquisa, 1 por plágio e falsificação de
dados, 1 por falsificação de dados curriculares e 1 por quebra de sigilo
de assessoria ad hoc. Desse total, sete processos continuam em
andamento e sete foram finalizados - dos quais quatro resultaram em
declaração de culpa e punição.
Gravidade. "A situação é mesmo preocupante", reconhece Santos. "Todas as
instituições e todas as agências estão atentas a isso." Segundo ele, é
importante que todas as denúncias sejam investigadas, mesmo que sejam
anônimas. "Não importa quem fez a denúncia ou porquê. Se encontrarmos um
bilhete debaixo da porta dizendo que há fraude numa pesquisa, vamos
investigar. Não dá para ignorar nada".
Tanto Santos quanto Beirão, porém, enfatizam que as investigações devem
ser conduzidas com respeito aos acusados e garantindo a eles amplo
direito de defesa. A apuração dos fatos, segundo eles, é essencial para
proteger a reputação dos pesquisadores, caso eles tenham sido acusados
injustamente. Mesmo nos casos em que o pesquisador for considerado culpado, as
consequências devem ser avaliadas com cuidado. "As punições precisam ser
dosadas muito bem, para não cometer injustiças", afirma Beirão. "Se a
punição for muito leve, torna-se inócua; se for pesada demais, pode
destruir para sempre a carreira do pesquisador".
Ambas as agências estão avaliando o que fazer com relação à divulgação -
ou não - dos nomes dos pesquisadores culpados de má conduta. As
punições podem variar desde uma nota de repreensão até o cancelamento de
bolsas e exigência de ressarcimento dos recursos públicos empenhados na
pesquisa.
Na área dos medicamentos, a nivel mundial, acabou de sair o livro "Guia dos 4000 Medicamentos Úteis, Inúteis ou Perigosos", escrito pelos Professores EVEN, Philippe e DEBRÉ, Bernard, que deveria se tornar referência de cabeceira de todos. Na área médica, essas fraudes são assassinas seriais, para dizer o mínimo. As bulas só contam metade da verdade sobre os remédios. Confiram!!
ResponderExcluirAmigo VASCO:
ResponderExcluirO assunto é sério, e não vejo solução
Vou me limitar a algumas práticas brasileiras, vividas por mim enquanto professor na UFF, em épocas passadas.
De uns tempos para cá (não a nossa época), os alunos dos cursos de Engenharia deveriam apresentar um "trabalho de fim-de-curso" orientado por um professor, que seria julgado posteriormente por uma "banca".
Orientei diversos desses trabalhos, voltados para a área de Telecomunicações, ao longo desse tempo, e vi muitas "coisas" diferentes.
Alguns casos notáveis:
- certa vez, orientei uma aluna em um trabalho e, toda semana, recebia dela alguma coisa para analisar e recomendar; os prazos estavam se tornando curtos, de modo que pedi a ela que se empenhasse mais no trabalho. Ela assim o fez, e no final me entregou o trabalho.
Nessa última leitura, notei alguma coisa 'diferente', mas aceitei o trabalho e a próxima etapa seria a apresentação à banca.
No dia da apresentação, eu já havia identificado a 'diferença': uma parte do trabalho estava escrito na terceira pessoa do singular e a outra parte na primeira pessoa do plural. Havia mais um 'autor', com certeza!!
Chamei-a reservadamente, e ela me disse que havia recorrido a um outro professor (meu amigo) para concluir o trabalho. Disse-lhe que ela seria cobrada por mim, que fazia parte da banca, justamente sobre essa parte, e se mostrasse desconhecimento seria reprovada. Ela se deu muito bem, e foi aprovada.
Vou postar um segundo comentário em sequencia.
Abraços - LEVY
Amigo VASCO:
ResponderExcluirEsse é o segundo comentário sobre o assunto, mais uma opinião geral.
Pouco tempo atrás, um amigo meu professor da UFF, me solicitou uma análise para dois trabalhos de fim-de-curso, que ele julgava serem cópias.
Recebidos os arquivos, pesquisei na WEB e não encontrei nada sobre o assunto.
Entretanto, o segundo trabalho apresentava uma série de figuras que, pelo texto, teriam sido tiradas da tela de um osciloscópio para ilustrar o trabalho.
Chamou-me a atenção a marca do osciloscópio: era um LeCroy que custa cerca de US$ 60.000,00. Acho que não há um único instrumento desse no Brasil, muito menos acessível por um aluno de graduação. Liberei o primeiro trabalho e condenei o segundo.
Um pouco de 'pressão', e o aluno revelou a origem. Havia copiado.
Mas a questão é mais séria. As nossas classes estudantis não têm a prática de escrever o que quer que seja.
E a coisa vai de mal a pior: o próprio ENEM já admite erros de português nas redações do exame.
Não vejo futuro nessa situação: tudo só tende a piorar.
Abraços - LEVY
E não há mesmo, Levy! Bons exemplos, os seus. Estamos na era do "copiar, colar" ou ctrl-C & ctrl0-V". Os benefícios do computador pessoal (o PC) são inegáveis e notórios, bem sei. No entanto, apareceu a praga da preguiça que o copiar-colar estimula. A CIRCULAÇÃO da informação é maior do que jameais foi, já que "se algo existe, está na INTERNET". Em contrapartida, o PROCESSAMENTO dessa mesma informaçao é nenhuma. Imensos dossiers são produzidos sem que o seu produtor tenha um conecimento mínimo do que fez (ctrl-C & ctrl-V). Tudo isso associado à má fé trará resultados desastrosos, mesmo a curtíssimo prazo.
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