quarta-feira, 27 de março de 2013

A Europa não pode confiar em uma Alemanha turrona e egoísta, diz revista alemã

[O artigo traduzido abaixo é da autoria de Jakob Augstein, e foi publicado em 25/3 no site Spiegel Online International. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade. O artigo é mais um exemplo da posição crítica implacável da revista alemã Der Spiegel (O Espelho) à atuação da Alemanha na Europa e à chanceler Angela Merkel, responsabilizada por essa atuação. Quem quiser ter mais uma prova disso é só ler o artigo "O que Chipre nos diz sobre o caráter da Alemanha", no mesmo site.]

Ao longo da crise financeira de Chipre o poder da Alemanha esteve à mostra. Mas a Alemanha está perseguindo os objetivos errados, mostrando como é incapaz de exercer corretamente seu poder. Os líderes cipriotas surgiram com a ideia de tornar seus próprios pequenos poupadores responsáveis pela falência dos bancos -- com a aprovação da Alemanha -- porque queriam manter-se fiéis aos seus princípios de crime e castigo. [Ver postagem anterior.]

Toda a Europa, na realidade o mundo todo, notou isso. Apesar do seguro dos depósitos e das promessas da própria chanceler Angela Merkel, no final é o cidadão comum quem sofre? O plano foi retirado, e agora o ônus cai principalmente sobre russos abastados. [Ver postagem anterior.] - Mas, o dano já estava feito e a confiança, minada. Quanto vale, realmente, a palavra da chanceler? Com a questão de Chipre ficou mais uma vez demonstrado que a Europa não pode confiar nos alemães.

Felizmente, agora o grupo do euro adotou a medida correta [em relação a Chipre]. Os que têm depósitos bancários menores estão protegidos [será?...], um banco vai à falência e outro terá seu tamanho reduzido. Mas a mis-en-scène da semana passada se encaixa bem na imagem que a Europa transmite exatamente agora: banqueiros irresponsáveis impõem perdas até aos lavadores de dinheiro ricos, e os políticos ajudam ambos os grupos a se salvarem da melhor maneira possível -- às custas do cidadão comum, que não tem nem recursos nem influência para colocar-se em segurança. E tudo isso ocorre sob o domínio alemão.

Isso foi um sinal. A chanceler entrega a si mesma e os alemães à luxúria da admiração do próprio umbigo. A memória histórica é varrida, essencialmente, o que é bom para pouco mais do que noites acolhedoras em que nos enrolamos em cobertores e comemos com os olhos as falhas morais apresentadas na TV em dramas da Segunda Guerra Mundial, como a recente minissérie alemã "Nossas mães, nossos pais".  Mas, isso não significa nada para o presente. Como em duas vezes anteriores em nossa história recente, os alemães estão cada vez mais entrando em conflito com seus vizinhos -- não importa o custo disso. É um caminho que, facilmente, pode levar ao medo da hegemonia política alemã no continente. De fato, a concepção de integração europeia de Merkel é simplesmente que a Europa se curve à vontade política da Alemanha.

Rodeada de idiotas?

Enquanto o suplício de Chipre se intensificava, revelava-se uma verdade sobre os políticos alemães: eles se caracterizam por uma teimosia que os alemães vêem como aderência a seus princípios, mas que na realidade não é nada mais que soberba [a presunção de quem sempre se considera moralmente correto]. Com seu manejo político da Europa, Merkel quebrou todas as tradições da Alemanha Ocidental [o autor aqui foi cruel, referindo-se subliminarmente ao fato da chanceler ter crescido e sido educada na antiga Alemanha Oriental]. E ela fez isso com menos escrúpulo do que teve quando quebrou as tradições de seu próprio partido. O principal conselheiro de Merkel para assuntos europeus, Nikolaus Meyer-Landrut, apresentou-lhe o cenário no verão de 2011. Tudo pelo qual Bruxelas é responsável funciona simplesmente bem, disse-lhe ele, enquanto as áreas que cabem aos estados membros estão em desordem. Isso seria o fundamento lógico para garantir mais poder a Bruxelas, mas Merkel decidiu de outra maneira.

Sob a liderança de Merkel, a Europa de nações estados foi revivida -- uma tendência contra a qual o ex-chanceler Helmut Schmidt emitiu um duro alerta: "A Corte Federal Constitucional alemã, o Banco Federal Alemão e a chanceler Merkel estão agindo como se fossem o centro da Europa, para a irritação de nossos vizinhos", disse ele, e uma parcela da opinião pública tende para uma "visão nacional-egoísta" da Alemanha. Schmidt, que passou pela Alemanha nazista e pela Segunda Guerra Mundial, não é pessoa de usar essas palavras suavemente.

Nikolaus Blome, vice-editor do tabloide de circulação em massa Bild [mais ou menos o equivalente alemão do nosso O Dia], escreveu um editorial em que chamava os parlamentares de Chipre de "CiprIDIOTAS" porque votaram contra o plano da União Europeia (UE) de taxar os depósitos bancários. Mas, se aprendemos alguma coisa da série best-seller "Diary of a Wimpy Kid" ["Diário de um Garoto Fracote", em tradução livre] de livros infantis, é que aqueles que se julgam rodeados de idiotas é que são os próprios idiotas. Dessa crise do euro está surgindo um conflito sobre a hegemonia alemã na Europa. Ele parece ser baseado em questões econômicas, quando na realidade se fundamenta na política do poder.

Os alemães impõem ao povo europeu as algemas da dívida -- uma atitude que o antropólogo e ativista do "Ocupem Wall Street" David Graeber classifica como perniciosa. "Se a história mostra alguma coisa, é que não há melhor maneira de justificar relações baseadas na violência, de fazê-las parecer morais, do que reemoldurá-las na linguagem da dívida -- acima de tudo, porque isso imediatamente faz parecer que é a vítima que está fazendo algo errado", escreveu ele em seu livro "Dívida: os primeiros 5.000 anos", de 2011.

A Alemanha paga pela crise (e lucra com ela)

Como no passado, os oprimidos hoje estão sendo ridicularizados. Quem quer que tenha dívidas é considerado culpado pelo próprio crime.

Essa linha de raciocínio abre espaço tanto para acusações como para auto-comiseração, como evidenciado pelo colunista conservador Hugo-Müller Vogg. "Sem as garantias alemãs, não haveria resgate", escreveu ele em uma coluna no Bild na semana passada. "Ainda assim, nós alemães somos criticados, até mesmo clara e completamente odiados, nos países assolados pela crise. A chanceler é denegrida com o bigode de Hitler, bandeiras alemãs são rasgadas e nós alemães somos os diabólicos responsáveis por toda miséria". A partir daí desenvolvem-se conversas em bares e mesas de jantar, entre proletários e professores -- que podem proporcionar um sucesso brilhante nas eleições vindouras ao novo partido populista da direita "Alternativas para a Alemanha".

Isso tudo é uma mentira. Os alemães não somente pagaram pela crise, eles também lucraram com ela. O dinheiro poupado no pagamento de juros de que a Alemanha tem desfrutado desde o início da crise chegou a 10 bilhões de euros, só no ano passado. Além disso, há o pagamento de juros das nações devedoras. A realidade da crise do euro é esta: os pobres de Atenas estão pagando os ricos da Alemanha. [Acho que aqui o autor erra, e muito, ao deixar de recriminar a vida descontrolada que a Grécia levava -- o erro alemão não elimina o erro grego.]

Tais experiências falharam no passado, e voltarão a falhar no futuro. Enquanto continuam aplaudindo e aclamando sua chanceler, os alemães deveriam prestar muita atenção às palavras do ex-chefe do Grupo do Euro, [o luxemburguês] Jean-Claude Juncker: "Qualquer um que acredite que o eterno tema de guerra e paz na Europa foi colocado em repouso de modo permanente pode estar cometendo um erro monumental. Os demônios não foram banidos, eles estão simplesmente dormindo".  [Estas palavras, assustadoramente, têm sua razão de ser e devem, na minha opinião, ser vistas como um alerta sério.]

Um comentário:

  1. Eu não acho que esteja cercado de idiotas. Eu tenho certeza que eu sou mesmo um idiota. Vou resumir a minha idiotice: A Alemanha perdeu duas guerras mundiais, foi destruída e construída duas vezes, pagou e paga gigantescos tributos pelo holocausto, absorveu uma DDR caindo aos pedaços e continua a maior economia europeia. Agora é chamada de egoísta e turrona por relutar em ajudar governos corruptos que viveram décadas na gandaia da semi-democracia semi-transparente. Deve ser fácil jogar pedra no telhado deles. Difícil mesmo é fazer um estádio de futebol decente. Bem... eu avisei que era um idiota.

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