domingo, 9 de fevereiro de 2014

Ensinando matemática -- a hora para um cessar-fogo

[O artigo traduzido abaixo foi publicado em 01/2 na revista The Economist. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

Tecnologia e novas ideias estão substituindo os exercícios em classe -- e ajudando os alunos a aprender.

Se os sistemas de educação no mundo têm um foco em comum, esse é gerar pessoas que sejam proficientes em matemática quando deixam a escola. Governos estão impressionados com as evidências apresentadas pelo Banco Mundial e outras instituições de que melhorar os resultados em matemática aumenta o PIB e a renda [isso não é novidade -- já em 2010 a OCDE emitiu relatório em que concluía que havia uma relação direta entre o nível de conhecimento de matemática da população em geral e o PIB de seu país]. Isso, junto com a reflexão profunda provocada pela comparação abrangente de resultados do PISA [sigla inglesa para Programa para Avaliação Internacional de Estudantes] em relação ao desempenho em matemática de jovens de 15 anos produzida pela OCDE -- um clube com predominância de países ricos -- está fazendo com que educadores em muitos lugares busquem novamente que matemática ensinar, e como ensiná-la. [Ver postagens anteriores, uma em 5/12/2013 e outra em 29/11/2012.] - [O foco central do PISA 2012 foi matemática.]

Os países que não se saíram bem nos resultados se preocupam sobre como emparelhar com os bem sucedidos, sem afugentar os alunos com exercícios chatos. Os líderes da lista, em sua maioria asiáticos (ver gráfico), receiam que seu foco em proficiência técnica não se traduza em entusiasmo pela matemática após a saída da escola. E todo mundo se preocupa com como preparar alunos para um mercado de trabalho que premiará o pensamento criativo em escala cada vez maior.



Tudo "fecha" - Avaliação média do PISA para matemática, % de alunos por nível, 2012 - [Below level 1 (worst) = Abaixo do nível 1 (pior); - 6 (best) = 6 (melhor); - Incompetente (abaixo de zero) - Competente (acima de zero)] - Fonte: OCDE - (Gráfico: The Economist).


A educação em matemática era antes um campo de batalha: as "guerras da matemática" americanas dos anos 1980 pôs em confronto os tradicionalistas -- que enfatizavam a fluência nos cálculos de "lápis e papel" -- contra os reformistas, liderados pelo maior lobby de ensino do país, que centralizavam o ensino na solução de problemas da vida real, geralmente ou frequentemente com o auxílio de calculadoras. Houve um recuo, quando pais e acadêmicos se preocuparam com a possibilidade de que a "nova matemática" deixasse os alunos mal preparados para os cursos universitários de matemática e ciências. Mas, como muitos países descobriram desde então, treinar alunos para gabaritar exames não é o mesmo que equipá-los para aplicar no trabalho e na vida os conhecimentos que adquiriram a duras penas.

Os reformistas de hoje acham que a nova tecnologia torna essa discussão supérflua. Entre eles está Conrad Wolfram, que trabalhava com o Mathematica, um programa que possibilita aos seus usuários resolver equações, visualizar funções matemáticas e muito mais. Ele argumenta que os computadores tornaram obsoletos os procedimentos rotineiros, como as divisões longas. "Se solução de problemas de alto nível e pensamento crítico são o que buscamos, não há muita evidência disso em um monte de currículos", diz ele.

O governo da Estônia contratou a consultora de Conrad em Oxfordshire para modernizar os cursos de matemática para os alunos das escolas secundárias. Começando este mês, a reforma focalizará aulas feitas em torno de problemas "abertos", que não têm apenas uma solução. Um exemplo: "Qual é o melhor algoritmo para selecionar um(a) parceiro(a) romântico(a)?". (Resposta possível: use mais parceiros(as) com um limite de qualidade mais baixo para maximizar a chance de êxito.) - Outro exemplo: "Estou bêbado?", que leva a uma análise quantitativa que envolve massas corporais, taxas de absorção de álcool e outras variáveis. 

Algumas estrelas do PISA estão buscando também uma abordagem nova. O governo de Cingapura contratou David Hogan, um australiano que é educador em matemática, para assessorá-lo em seu programa curricular. Ele quer que os alunos sejam capazes de explicar o que sabem aos seus colegas de classe, e aplicar essa abordagem a situações não usuais.

Israel também está fazendo experiências, consciente do fim iminente da benesse gerada pela chegada de muitos matemáticos da ex-União Soviética. Algumas aulas israelenses de matemática a partir da escola primária serão dadas em breve com o uso de tablets baratos, uma abordagem criada por Shimon Schocken. Um acadêmico da Universidade Herzlyia, a partir de 2005 ele montou um grande grupo online de "autodidatas" que constroem computadores e programas a partir do zero. Os alunos são encorajados a visualizar suas soluções e não apenas a obter as respostas corretas. (Este autor, que cresceu entre folhas de cálculo de álgebra, encontrou um exercício de iPad embaraçosamente difícil, envolvendo o agrupamento de ovelhas em redis de guarda.)

Andreas Schleicher, o estatístico encarregado dos estudos do PISA, concorda em que muitos dos algoritmos -- procedimentos rotineiros para resolver problemas habituais -- em que as crianças têm gasto anos para dominá-los são hoje fáceis de "digitalizar, automatizar e contratar de terceiros". Mas, ele alerta contra a conclusão de que portanto não vale mais a pena ensiná-los. Um terço dos alunos testados em Shanghai, que lidera as listas de matemática do PISA -- e onde os alunos se exercitam com aritmética mentalmente, aprendem álgebra cedo e decoram fórmulas -- pode aplicar seus conhecimentos a problemas novos e difíceis, em comparação com 2% a 3% nos EUA e na Europa.

Jovens, na China e alhures, precisam ter os fundamentos necessários para avaliar se uma resposta obtida via computador está próxima do correto, antes de começar a confiar em tecnologias sofisticadas. Aí então eles poderão alegremente abandonar os exercícios com divisões longas e equações quadráticas. Para a maioria dos matemáticos ponderados, a boa notícia é que ambos os lados dessa guerra de trincheira infrutífera entre progressistas e conservadores/tradicionalistas parecem prontos para um cessar-fogo.

[Não encontrei informações sobre o que faz o Brasil especificamente  nesse cenário, nem sobre medidas efetivas nossas pós PISA 2012. A análise dos resultados do Brasil no PISA 2012 está disponível em formato pdf no site da OCDE. Apresento a seguir alguns pontos dessa avaliação:
  • em matemática, o desempenho do Brasil (7°) foi comparável ao desempenho de Albânia (121°), Argentina (26°), Jordânia (90°) e Tunísia (78°); em relação a países latino-americanos, o Brasil saiu-se pior que Chile (36°), México (14°), Uruguai (77°) e Costa Rica (80°), e foi melhor que Colômbia (30°) e Peru (49°) -- os parênteses foram acrescentados por mim e indicam a posição do país no ranking de PIBs do Banco Mundial relativo a 2012, e mostram que o Brasil está anos-luz distante de ter um desempenho compatível com sua posição entre as economias do planeta;
  • embora o desempenho do Brasil em matemática esteja abaixo da média da OCDE (494), ele passou de 356 para 391 desde 2003 e tornou-se o país com maior ganho em desempenho desde 2003 -- houve também melhoras significativas em leitura e ciências;
  • as melhoras foram particularmente fortes entre os alunos de baixo desempenho em matemática, leitura e ciências;
  • entre 2003 e 2012 o Brasil expandiu também o índice de matrículas nas escolas primária e secundária, com a taxa de matrícula para alunos de 15 anos passando de 65% em 2003 para 78% em 2012;
  • o clima disciplinar nas escolas brasileiras foi melhor em 2012 do que em 2003, e as escolas foram capazes de atrair e reter professores qualificados com mais facilidade;
  • repetência ainda é disseminada no Brasil, está negativamente associada ao desempenho em matemática e predomina mais entre os estudantes carentes. O Brasil precisa buscar meios mais eficientes para lidar com estudantes de baixo desempenho de modo a criar expectativas elevadas para todos, motivar os estudantes e reduzir as altas taxas de evasão escolar.
  • O Brasil teve desempenho abaixo da média em matemática (situa-se entre as posições 57 e 60), leitura (situa-se entre 54 e 56) e ciências (situado entre 57 e 60) no universo dos 65 países e economias avaliados no PISA 2012 para alunos de 15 anos.
Ver também as postagens anteriores do blogue citadas acima.] 

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