[Para esta postagem usei como referências: - [1] "Teogonía, Trabajos y Días, Escudo, Certamen" - Hesíodo ((El Libro de Bolsillo, Alianza Editorial, Madrid, 1986) ); - [2] "Guia Visual da Mitologia no Mundo" - National Geographic Brasil (Editora Abril, 2010); - [3] "Mitologia"- Edith Hamilton (Martins Fontes, 1999); - [4] pesquisas pessoais na Internet. -- Os números eventualmente citados no texto correspondem a essas referências.]
As mitologias em geral são exemplos notáveis da criatividade humana, da inventividade do imaginário coletivo, mas a mitologia grega tem relevo especial nesse universo por seu caráter antropomórfico -- a retratação dos deuses como seres humanos. Os gregos se espalharam por muitos outros territórios e encontraram tantas culturas diversas que a sua religião e sua visão de mundo tornaram-se mais complexas.
Estudiosos apontam para o papel importante que as influências culturais desempenharam na mitologia grega. Os mitos refletiam também como os gregos enxergavam a complexa realidade do mundo natural e espiritual. No grego antigo, mito não significava "história"e sim uma sequência de eventos e ações unificados, cuidadosamente construídos. Era a palavra usada para descrever a trama, e não a história em si. Como essas histórias tinham sido transmitidas oralmente durante séculos, possuíam centenas de variações. As primeiras e principais fontes literárias dos mitos gregos eram os poemas épicos dos séculos 7 e 8 a.C. de Homero (a Ilíada e a Odisseia, sobre a guerra deTroia e as aventuras do herói Ulisses) e Hesíodo (a Teogonia, uma detalhada genealogia dos deuses) [2], [1].
Para compreender a tendência para o antropomorfismo e avaliar os aspectos mais chocantes da mitologia grega -- a carreira de Zeus como conquistador (o pegador de mulheres mortais e deusas) e estuprador em série, e o egoísmo e a irracionalidade inerentes aos deuses, sem mencionar os atos de incesto e canibalismo, bem como o hábito de devorar os próprios filhos -- é necessário situar os mitos no contexto das competições de música e das cenas de teatro para o qual foram criados. Plateia e juízes exigiam histórias vívidas, com técnicas de narrativa ousadas -- quanto mais colorida e memorável a história, maior a probabilidade de o autor voltar para casa campeão, com a coroa de folhas de oliveira ou de louro. As histórias sobre os escândalos dos deuses serviam ainda para outro propósito: espalhar a dúvida sobre o poder e os exemplos éticos dos deuses. Isso levou ao surgimento da filosofia como uma procura para outros princípios da vida e do mundo, encontrados tanto na natureza quanto na razão da humanidade [2].
Esta postagem se limitará a reproduzir exemplos da engenhosidade de Zeus (Júpiter, para os romanos) nas suas conquistas amorosas, não apenas por seu aspecto lúdico mas também e principalmente por suas implicações sobre (ou correlações com) o comportamento humano. O mais majestoso dos deuses apaixonava-se por uma mulher atrás da outra, e recorria a todos os subterfúgios possíveis para conseguir seus objetivos e, ao mesmo tempo, evitar que a mulher (Hera) soubesse de sua infidelidade. Há quem diga [3] que a explicação de tais atos se deve ao fato de o Zeus das canções e histórias ter sido criado pela combinação de muitos deuses. Quando seu culto chegava onde já havia um governante divino aos poucos os dois terminavam por se fundir, e a mulher do deus primitivo também era transferida para Zeus. O resultado, porém, não foi muito bom e os gregos das gerações seguintes não viram com bons olhos essas intermináveis aventuras amorosas.
Antes de entrar no cerne da postagem, cabe uma referência rápida à mitologia romana, que às vezes tende a ser considerada como uma réplica da grega, o que não seria verdade [2]. A mitologia romana sofreu grande influência dos etruscos e dos habitantes das colônias de língua grega que viviam ao longo da costa leste da Itália e na Sicília, estes últimos com suas crenças politeístas e seus ricos relatos de deuses e heróis. Os romanos adicionaram muitas divindades gregas ao seu panteão, como Júpiter (Zeus) e Juno (Hera) e outros, mas a paixão grega pela mitologia como a encontrada nos poemas de Homero e Hesíodo inicialmente não criou raízes em Roma. Os romanos não se interessavam muito pela mitologia [2] porque não concebiam seus deuses à semelhança dos seres humanos -- por isso, as divindades não eram nomeadas. Na maior parte das vezes, o culto romano se resumia a fazer oferendas ao "deus do lugar", sem nenhuma outra designação. O que importava mesmo era invocar a "presença" daquela divindade, a fim de que garantisse o sucesso em todos os empreendimentos. Outro aspecto da mitologia romana foi a deificação dos imperadores, uma prática herdada do helenismo de influência ocidental, a partir do arquétipo de Alexandre, o Grande. Inicialmente, os imperadores eram deificados apenas após a morte. Mais tarde, César e Augusto tiveram o culto imperial estabelecido ainda em vida. A deificação, porém, referia-se mais à ordem estatal que o imperador representava do que à sua pessoa. O culto ao deus imperador era exigido como prova da aliança de um indivíduo com Roma.
As conquistas amorosas de Zeus, o pegador
Depois de destituir o pai, Crono, Zeus passou a governar o mundo todo -- os deuses e a humanidade. Caracterizado pela ordem e pela justiça, o reinado de Zeus mantinha a disciplina nas pólis, as cidades-Estado gregas, e seu nome era dado como garantia em juramentos. Como rei dos reis, protegia a realeza e era o deus do céu e do trovão -- o raio e a águia, lado a lado, eram seus símbolos mais significativos, representando força e justiça.
Era particularmente adorado nas cidades de Olímpia e Dodona, a casa de um antigo oráculo. E, embora fosse o deus máximo, possuía qualidades quase humanas, especialmente a predileção pelo sexo feminino. Para a irritação de sua segunda esposa, Hera, Zeus teve muitos casos com deusas, ninfas e mortais, dos quais sempre resultaram filhos, o que o tornou pai de uma prole numerosa. Como estratégia de sedução, usava sua habilidade para se transformar em outros seres. Apesar de seus muitos amores, Zeus casou-se apenas duas vezes. A primeira esposa, Métis, filha do titã Oceano, foi forçada ao casamento. Ela assumiu vários disfarces para se esconder, mas Zeus por fim a encontrou. A filha favorita de Zeus, Atena, nasceu da cabeça de Zeus depois que ele engoliu Métis, grávida de Atena. A segunda esposa, Hera, deusa da fidelidade matrimonial, lutou contra as amantes de Zeus. Seu ciúme era famoso.
Como um Don Juan de alta estirpe e poderoso, Zeus foi democrata em suas conquistas e teve amantes em todos os quadrantes: divindades, semi-divindades e mortais. A lista é impressionante: pela Wikipédia, teriam sido 23 amantes divinas (que lhe deram 60 filhos) e 45 amantes semidivinas e mortais (com as quais teve 65 filhos). A lista abaixo, obviamente, é apenas uma amostra dessas conquistas do deus dos deuses.
Amantes divinas [2], [4]
Maia
Maia era a mais velha e a mais bonita das filhas de Atlas. Era inevitável que Zeus a notasse. Para evitar que Hera descobrisse, ele furtivamente a deixou dormindo e foi ter com Maia. Desta união nasceu Hermes, o mais desonesto e sagaz de todos os deuses [2]. Serviu o pai e outros deuses como mensageiro, além de guiar as almas dos mortos ao submundo. Talvez o ato de bravura mais famoso de Hermes tenha sido o assassinato de Argos, um animal de 100 olhos, para libertar Io, amante de Zeus (ver adiante). Se Maia não tivesse escapado à vingança de Hera, provavelmente Hermes não teria existido.
Deméter
Filha de Crono e Reia, era portanto irmã de Zeus, que se tornou seu amante -- por sinal, um amante um tanto ciumento. Dessa união nasceram Perséfone e Zagreu. Deméter era a deusa do milho, do cultivo e das árvores, sendo responsável também por dar início às estações -- era a Ceres dos romanos. Ela teve também uma vida amorosa agitada, tornando-se amante entre outros de Iásio (filho de Zeus com Electra, ver adiante). Conta-se que, quando descobriu o caso, Zeus matou Iásio com um raio.
Leto
Filha de Febe e Céos e deusa do anoitecer, era prima de Zeus, com quem teve os gêmeos Apolo e Ártemis (Diana, para os romanos). Quando engravidou dos dois, Leto vagou pelo mundo em busca de um lugar onde pudesse tê-los, porque Hera, enciumada e furiosa com mais essa aventura amorosa de Zeus, proibiu que a Terra acolhesse a parturiente. Temendo a cólera da rainha dos deuses, nenhuma região ousou recebê-la. Foi então que a estéril e flutuante ilha de Ortígia, por não estar fixada a parte alguma e portanto não pertencer à Terra, não tendo assim o que temer de Hera, abrigou a amante de Zeus.
Mnemósine
Quando a titã Mnemósine, deusa da memória, dormiu com Zeus por nove noites deu à luz nove filhas chamadas de musas (Calíope, Clio, Erato, Euterpe, Melpômene, Polimnia, Terpsícore, Tália e Urânia). Cada uma delas tinha uma função especial na vida cultural do Olimpo.
Nêmesis
Deusa grega da segunda geração, Nêmesis era -- segundo Hesíodo [1] -- uma das filhas de Nix, a deusa da noite. Tão bela como Afrodite, era geralmente representada sob a forma alada. Certa feita, Zeus apaixonou-se perdidamente por sua beleza e resolveu possuí-la de qualquer jeito. Ela tentou evitar unir-se com ele transformando-se numa gansa, mas Zeus transformou-se num cisne e uniu-se a ela. Nêmesis pôs um ovo, fruto dessa união, e o abandonou. Alguns pastores o encontraram e o entregaram à rainha Leda, para que o chocasse junto com sua ninhada -- e desse ovo nasceram Helena (de Troia) e Pólux.
Amantes semidivinas e mortais
Egina
Filha do rei-rio Asopo. Zeus se apaixonou por ela e se transformou numa águia para capturá-la. Asopo ficou furioso e procurou pela filha por toda a Grécia, mas Zeus pôs fim a essa caça atingindo-o com raios. Levou Egina para uma ilha isolada, onde ela concebeu seu filho Éaco. Depois do nascimento do filho Egina abandonou a ilha, mas pediu a Zeus que a povoasse -- ele atendeu-a, e depois deu seu nome à ilha.
Europa
Um dia Zeus viu uma garota mortal, Europa, recolhendo flores. Inflamado de desejo, transformou-se em um touro e se aproximou dela com a boca cheia de flores de açafrão. Zeus então a sequestrou e a levou para Creta, onde se deitou com ela. Tiveram três filhos: Sarpédon, o rei da Lícia; Radamanto, que se tornou um dos juízes do submundo depois de morrer; e Minos, o rei de Creta.
Io
Certa vez, Zeus dormiu com Io, sacerdotisa de Hera. Antes que a esposa o acusasse de infidelidade, ele transformou Io numa vaca com a qual presenteou Hera, que a pôs sob a guarda de Argos ("com uma centena de olhos"). Enviado por Zeus, Hermes matou Argos e libertou Io. Hera então a atormentou com uma mosca, fazendo-a fugir. O mar Jônico (ou Iônico) e o estreito de Bósforo -- cujo nome significa "passagem da vaca" -- têm esses nomes em homenagem às várias perambulações de Io.
Leda
Outra mulher desejada por Zeus foi Leda, rainha de Esparta, esposa do rei Tíndaro. Para evitar o ciúme de Hera e de Tíndaro, Zeus se transformou em um cisne e se deitou com Leda. A história dessa união coincide exatamente com a de Zeus com Nêmesis (ver acima) [2], deixando dúvida sobre qual dessas histórias é a "verdadeira".
Alcmene
Alcmene era uma simples mortal -- e casada. Mas, se recusou a consumar o casamento até que seu marido Amphytrion completasse um ato de vingança para ela. Zeus disfarçou-se como seu marido, dizendo-lhe que havia retornado depois de cumprida com êxito sua missão de vingança. Alcmene acolheu Zeus em sua cama, acreditando que fosse seu marido. Uma das versões desse mito diz que Zeus ordenou ao deus sol que tirasse uma folga, para que sua noite de amor fosse mais longa. O Amphytrion de verdade não ficou nada contente em retornar para uma mulher que dizia já ter dormido com ele, mas como seu amante havia sido Zeus não havia nada que um humilde mortal pudesse fazer. Da união Zeus - Alcmene nasceu o famoso herói Hércules.
Calisto
Os mitos variam quanto à filiação de Calisto -- alguns dizem que ela era filha do rei de Arcadia, outros que seu pai era o rei de Tebas. Há ainda outros que dizem que ela era uma ninfa da floresta. Todas as versões concordam no entanto em que era uma acompanhante de Ártemis e que fizera um voto de castidade, como era obrigatório para todas as acompanhantes de Ártemis. Zeus, porém, se apaixonou por ela -- e aí, já se sabe o que acontece. Como Calisto fizera voto para permanecer virgem, evitando a companhia de qualquer homem, Zeus teve que se disfarçar de Ártemis para se aproximar dela. O plano funcionou, e Zeus conseguiu o que queria. Quando Calisto estava grávida de seu filho com Zeus, Arcas, Ártemis descobriu a quebra do voto de castidade e, como castigo, transformou-a em um urso (que matou mais tarde, segundo uma das versões desse mito).
Dânae
Era filha de Acrísio, rei de Argos, que recebeu de um oráculo a profecia de que Dânae daria à luz um filho que o mataria, não importava onde se escondesse. Acrísio tentou desesperadamente evitar que isso ocorresse, e para evitar que Dânae engravidasse a aprisionou em uma torre de bronze, com apenas uma pequena abertura para entrada de ar e comida. Zeus, no entanto, apaixonou-se perdidamente pela jovem e penetrou na cela por essa abertura como uma chuva de prata, e caiu em seu colo fecundando-a.
Electra
Há vários mitos envolvendo Electra, filha de Atlas, mas nenhum deles dá detalhes de como Zeus a seduziu. Mesmo não havendo uma história com detalhes desse caso amoroso, essa união foi importante -- Dárdano, um de seus filhos (os outros foram Iásio e Harmonia), foi o fundador da casa real de Troia.
Ganymede
Ninguém estava a salvo da luxúria de Zeus, nem mesmo os rapazes jovens. Ganymede era um príncipe da família real troiana. Alguns mitos dizem que ele era o mais bonito de todos os mortais, entre homens e mulheres -- quando Zeus o viu, foi amor à primeira vista. Mandou então uma águia -- ou ele mesmo se transformou nessa ave -- para levar o jovem para o Monte Olimpo. Lá, ele passou a servir vinho aos deuses (especialmente a Zeus), substituindo Hebe nessa função.
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