domingo, 22 de dezembro de 2013

Harmonização comida-vinho: o que beber com o foie gras?

[O artigo traduzido abaixo é de autoria de Enrico Bernardo e foi publicado em 17/12 na seção "Vin" ("Vinho") do jornal francês Le Figaro. O italiano Enrico Bernardo foi eleito o melhor sommelier do mundo em 2004 e é proprietário do restaurante Il Vino, no 7° arrondissement (distrito) em Paris, classificado com uma estrela do guia Michelin. O texto derruba o mito do casamento único e indissolúvel  "foie gras - Sauternes". O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]




Foie gras semicozido, foie gras frito (poêlé) [antes que chefs e gourmands(es) caiam na minha pele, vou substituir o "frito" por "tostado/grelhado na frigideira"...] ou foie gras trufado ... É sua a opção de escolher qual deles participará de sua mesa de boas festas.  Em compensação, para sublimar esse prazer, será sua a responsabilidade de encontrar o vinho que harmonize completamente com eles -- siga então o guia.

Se a alimentação abundante dos palmípedes migratórios é um fenômeno natural -- eles "criam suas reservas" antes de uma longa viagem -- parece que a adaptação disso à criação dessas aves remonta à civilização egípcia, como o testemunham os afrescos encontrados em Saqqarah [o autor se refere à superalimentação forçada de patos e gansos para a produção de foie gras, que sofre forte oposição de ambientalistas e já provocou atritos entre alemães e franceses e determinou a proibição de venda e consumo desse produto na Califórnia].  Parece que a tradição dessa "gordura" ("gras") atravessou países e séculos graças às comunidades judias da Europa central: privadas do azeite de oliva e impedidas de recorrer à banha de porco por motivos religiosos, elas cozinhavam à base da gordura de ganso. Hoje, a França é de longe o maior produtor mundial desse produto, e desenvolveu inúmeras receitas para ele. Reservei três delas, bastante diferentes entre si para justificar escolhas diferentes na adega para acompanhá-las.

A primeira, a terrina de foie gras semicozido, eu a acompanharei com um pouco de marmelo, cuja acidez relativa equilibrará o lado gorduroso. E procurarei um vinho Vouvray suave (os há também secos) com 3 a 5 anos, cuja uva Chenin propõe aromas de maçã-reineta ... e de marmelo. Nessa apelação, tenho um fraco pelo [Domaine] Clos Naudin: Phillippe Foureau, terceiro de uma verdadeira dinastia de viticultores, que produz vinhos muito reveladores desse terroir um pouco desconhecido.

O foie gras fresco frito [ver observação acima sobre o "frito"] é apreciado quente, evidentemente. À gordura natural soma-se então uma verdadeira untuosidade que pede um acompanhamento um pouco acidulado, como suco de mirtilo ou compota de ruibarbo por exemplo. Aí, vejo com bons olhos um vinho da Alsácia, mas preferencialmente a um Gewurztraminer -- que não teria vivacidade para resistir ao confronto -- escolheria antes um Riesling de colheita tardia que, com seus toques citronados, irá equilibrar a gordura dominante. Penso principalmente na produção de Frédéric-Émile do Domaine Trimbach, em Ribeauvillé -- um templo do vinho riesling, especialmente na faixa de idade de 4 a 5 anos.

A terceira receita é a do foie gras trufado, que se encontra tanto em conserva quanto em terrina. A presença da melanóspora [tipo de fungo existente nas trufas] irá evidentemente modificar a competição dos sabores, não tanto por sua intensidade e sua persistência -- o caráter crocante e o grelhado das torradas de pão de campanha (pain de campagne) são os fatores que, sobretudo, influenciarão a escolha do vinho. E desta vez, sem qualquer hesitação, minha escolha é a de um grande champanhe, brut millésime ou de produtor de prestígio. Penso particularmente no Bollinger Grande Année 2002,  bastante rico e vinoso para fazer frente à trufa enquanto sua efervescência e sua frescura se opõem à gordura do fígado. Suas notas amanteigadas e seus toques de frutas secas criarão uma tonalidade outono-inverno que se harmonizará bem com a trufa e o pão grelhado.

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