[O texto traduzido abaixo é da autoria de Sylvie Riou-Millot e foi publicado na edição n˚ 796 (Junho de 2013) da revista francesa Sciences et Avenir, págs. 66 a 68. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]
Não somos todos iguais ante as radiações ionizantes utilizadas no quadro da radioterapia na luta contra os cânceres. Os pesquisadores, de fato, concluíram que de 5 a 15% da população seriam "radiossensíveis". Um melhor conhecimento da reação de cada um permitiria portanto modular o tratamento. Esse seria um primeiro passo rumo a protocolos personalizados, que evitariam efeitos secundários graves e, às vezes, fatais. Assim, depois de vários meses de pesquisa, dois testes -- um sanguíneo e outro cutâneo -- estão em fase de experiência na França para detetar essa radiossensibilidade individual (RSI) dos pacientes.
Ainda que utilizados unicamente no quadro de protocolos de pesquisa, tais testes já geram muita esperança na França, onde 200.000 novos doentes cada ano recebem tratamento radioterápico para tratamento de câncer. Um estudo, realizado com voluntários sadios, será iniciado nas próximas semanas com o Inserm [sigla francesa para Instititudo Nacional da Saúde e da Pesquisa Médica] para pesquisar na população em geral eventuais anomalias genéticas relacionadas com uma possível radiossensibilidade.
Os protocolos de irradiação devem ser individualizados
Tratar por radioterapia consiste em liberar uma dose de radiações ionizantes considerada eficaz para destruir as células cancerígenas, poupando ao máximo os tecidos sadios à volta do tumor. Acontece que os protocolos de irradiação adotados atualmente nos tratamentos são padronizados: levam em conta cálculos de limitação das doses sem levar em consideração a RSI. "Contudo, sabe-se desde o início do século 20, graças a estudos de pioneiros da radioterapia, que ocorrem diferenças de reações nos pacientes", comenta Nicolas Foray, pesquisador de radiobiologia no Centro Internacional de Pesquisa em Cancerologia de Lyon. "Mas, face ao aumento do número de casos de câncer e em decorrência de restrições econômicas e práticas ["práticas"?!!], a RSI há muito tempo foi deixada de lado. Já é mais do que tempo de se restabelecer esse conceito".
O conhecimento da RSI permitiria antecipar melhor as complicações nos pacientes. Esta é a razão pela qual dois testes muito diferentes foram desenvolvidos por duas equipes francesas. Esses testes estudam em dois grupos de células uma consequência diferente, para cada grupo de pesquisa: a morte celular para os linfócitos, as alterações de DNA para as células da pele. "As complicações ocorrem seja precocemente, isto é nas semanas seguintes ao início do tratamento, seja bem mais tardiamente, meses ou anos depois dele", define o Prof. David Azria, radioterapeuta no centro anticâncer Val d'Aurelle, de Montpellier.
É em sequência a seus trabalhos, realizados há mais de dez anos, que esse especialista estabeleceu o primeiro exame de sangue, nas pesquisas em Montpellier e no Instituto Gustave-Roussy, em Villejuif, que avalia a capacidade dos linfócitos de resistir às radiações. Esse pesquisador estabeleceu também uma "taxa de apoptose linfocitária radioinduzida" (Talri, em francês), que mede a taxa de mortalidade das células submetidas ao tratamento. Para obtê-la, basta colher uma amostra de sangue do paciente. Essa amostra é então irradiada a 8 grays -- o equivalente a um tratamento por radioterapia -- e depois examinada 48 horas mais tarde. "Nossos estudos encontraram uma relação inversa entre a Talri e a ocorrência tardia de complicacões, sem que se possa no momento explicar o porquê disso. Dito de outra maneira, quando a Talri é elevada (mais de 16%), sabe-se já com certeza que o paciente não é hipersensível e que não apresentará complicações tardias", explica o especialista. "Ao contrário, é preciso ser prudente quando aquela taxa for baixa".
A radiossensibilidade pode ser de origem genética
Um outro eixo de pesquisa é seguido no Centro Internacional de Cancerologia de Lyon. Aqui, também depois de uma década, o grupo de radiobiologia de Nicolas Foray estabeleceu um teste diferente, sob experiência em mais de uma dezena de hospitais e centros clínicos. Neste caso, são os fibroplastos -- as células da pele -- que interessam aos pesquisadores: eles estudam os efeitos secundários das radiações sobre os mecanismos de reparação do DNA. As radiações ionizantes causam aí, de fato, lesões graves, fissuras ditas de duplos filamentos [double strand] que formam como que verdadeiros "buracos" no DNA. Se forem mal reparadas, essas lesões podem induzir uma instabilidade genética no paciente ou, dito de outra maneira, um risco de câncer.
O teste consiste pois em retirar uma amostra de pele, que é em seguida irradiada com 2 Gy, o equivalente a uma sessão de radioterapia. As células da amostra são então observadas de perto, e as lesões genéticas contabilizadas por uma técnica de imunofluorescência. Este teste visa uma população diferente daquela focada pelo exame de sangue mencionado anteriormente, pois se trata aqui de pessoas suspeitas de serem radiossensíveis por razões genéticas. Entre elas, as mulheres que têm um alto risco genético de desenvolver um câncer de mama e que são submetidas a mamografias anuais desde a idade de 30 anos. E os primeiros resultados parecem comprobatórios. "Pudemos estabelecer que a repetição das doses fracas introduz o problema de uma amplificação dos efeitos e deve, nesse grupo de risco particular de mulheres muito jovens, fazer refletir no sentido da escolha de uma aplicação menos radiante como a IRM [Imagem por Ressonância Magnética]", afirma Nicolas Foray.
Por enquanto, os testes mencionados acima estão ainda longe de poderem ser propostos como rotina nos hospitais ou seja, de fazer parte integrante de protocolos de tratamento. Longos estudos são ainda necessários para garantir sua confiabilidade e sua validade, pois a RSI depende de um número muito grande de fatores: da dose de irradiação, do fracionamento e do escalonamento no tempo dos tratamentos, da zona do corpo afetada, do volume do tumor cancerígeno, da natureza da irradiação utilizada, etc.
As lições do acidente de Épinal
O dramático acidente ocorrido em Épinal [ver postagem anterior] atesta a diversidade de situações. Entre 1987 e 2006, mais de 5.000 pacientes cancerosos foram acidentalmente irradiados com doses superiores de 8% a 30% acima das prescrições, em sequência a uma série de falhas (erro de programação do computador de controle dos aceleradores, cálculos errados). Entre os pacientes, sete morreram. Mas, para um mesmo excesso de dose, se alguns morreram outros apresentaram complicações de diferentes níveis de gravidade, e outros foram curados de seu câncer inicial.
Graças aos trabalhos realizados com pacientes afetados por doenças genéticas raras (progéria, coréia de Huntington, etc), Nicolas Foray estava desde 2008 em condições de propor a primeira classificação em grupos de radiossensibilidade baseada no funcionamento de certas das vias moleculares implicadas na reparação das fissuras do DNA. Esse pesquisador deverá igualmente lançar este ano, em parceria com o Inserm, um estudo -- denominado Indira -- que será realizado com um grupo geral de pessoas: amostras de pele e de sangue serão retiradas de voluntários sadios pertencentes ao Samu [sigla francesa para Serviço de Assistência Médica Urgente]. "As provas ou testemunhos da RSI não cessam de se acumular, sua negligência de longo tempo não será mais sustentável", prognostica Foray. [Progéria = espécie de nanismo congênito em que o indivíduo apresenta aspectos externos e faciais de velhice precoce, com queda dos cabelos, pele enrugada, magreza, etc. -- Coréia de Huntington = afecção hereditária que acomete indivíduos na fase adulta, caracterizada por movimentos irregulares, distúrbios da fala e demência.]
Glossário
Gray (Gy) -- Unidade da dose absorvida.
Sievert (Sv) -- Unidade que reflete os efeitos biológicos das radiações absorvidas (1 Gy de raios X = 1 Sv).
RADIAÇÕES
Os diferentes níveis de exposição
A periculosidade das partículas absorvidas pelo organismo -- expressa em grays (Gy) -- depende da dose -- medida em sieverts (Sv) -- acumulada ao longo do tempo. As doses variam de acordo com os tipos de câncer e os órgãos afetados, de 40 a 80 Gy na totalidade do tratamento. Os primeiros sinais de uma síndrome aguda aparecem entre 0,5 e 2 Sv. Estima-se que o risco de câncer radioinduzido aparece a partir de 100 mSv. Na França, o Instituto de Radioproteção e de Segurança Nuclear (IRSN, em francês) estima que cada indivíduo recebe em média uma dose de 4 mSv por ano, dos quais 2,3 mSv de origem natural e 1,7 mSv de origem artificial. A quase totalidade da dose de origem artificial é devida à exposição para fins médicos. Estima-se que o próprio radiodiagnóstico representa uma dose média de 1 mSv por pessoa/por ano.
Dose Efeitos
6 Sv Dose letal em 100% dos casos
5 Sv Dose letal, com 50% de óbitos
2 a 4 Sv Hemorragias, perturbações neurológicas
0,5 Sv a 2 Sv Náuseas, vômitos, risco de esterilidade
100 mSv Risco de câncer radioinduzido
20 mSv Dose anual admitida para os profissionais na França
1 mSv Dose anual admitida para a população na França
TERAPIA
Raios externos ou internos
Existem dois tipos de radioterapia, em função dos tumores a tratar.
Na radioterapia "externa", a fonte de radiação ionizante fica situada a vários centímetros de distância do paciente. Ela é efetuada por meio de aceleradores de partículas que produzem feixes de fótons ou de elétrons de energia compreendidos entre 4 e 25 megaeletrovolts (MeV) e liberam doses superiores ao gray por minuto. Esses aceleradores substituíram as antigas bombas de cobalto.
Na radioterapia "interna", ou curieterapia, a fonte é colocada na proximidade imediata do tumor ou diretamente -- e, às vezes, de maneira permanente -- nos tecidos (mama, língua, próstata, útero, etc). Trata-se principalmente do irídio 192 e do césio 137. Mas, desenvolveram-se outras modalidades novas de radioterapia, utilizando outras partículas, neutrons ou também prótons, chamados também de íons carbono. Esta última técnica, denominada hadronterapia, é reservada para tumores radiorresistentes, como certos tumores da cabeça e do pescoço, ou do tecido conjuntivo, os sarcomas.
DOSES DE RADIAÇÃO
45 a 80 grays
Doses totais absorvidas por radioterapia (em média), segundo a localização do tumor, com base em uma sessão diária de 2Gy (unidade de dose absorvida), 5 dias na semana, durante cerca de 8 semanas.
10 a 20 mGy
Para uma varredura de tórax.
1 a 4mGy
Para uma mamografia.
Os efeitos nefastos das radiações, a curto e longo prazos
Efeitos agudos Efeitos tardios
ORAL
Irritação das mucosas, Boca seca, risco dentário, osteonecrose
perdado paladar
PELE
Queimaduras Radiodermite, atrofia, fibrose
TÓRAX (mama)
Queimaduras da pele Radiodermite, toxidade cardíaca
PULMÃO
Tosse Insuficiência respiratória
DIGESTIVO
Náuseas, diarreias Diarreias
REGIÃO GENITAL
Homem Homem
(próstata, testículos) Dificuldade para urinar, impotência,
Problemas digestivos, esterilidade
cutâneos, urinários
Mulher
(útero, ovários)
Problemas digestivos, Esterilidade
cutâneos, urinários
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