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“(O plebiscito) É um instrumento popular para legitimar governos e conferir aos governantes superpoderes, um cheque em branco para que o governante dê o significado à autorização dada pelo povo nas urnas. Isso pode manietar o povo”, Gustavo Binenbojm, professor de Direito Administrativo e Constitucional da UERJ e da FGV.
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Destinada a confrontar a população com questões objetivas e diretas, a realização de um plebiscito é uma ferramenta legítima do processo democrático. A história recente, entretanto, demonstra que ele pode ser utilizado para propósitos pouco nobres: vizinhos sul-americanos recorreram ao mecanismo para tentar governar diretamente com o povo, passando por cima das instituições democráticas e se perpetuando no poder. Em resposta à inédita onda de protestos que chacoalhou o Brasil, a presidente Dilma Rousseff propôs uma consulta popular para promover uma reforma política no país - ainda que nenhum cartaz tenha reivindicado isso. A estratégia bolivariana, tirada da manga no momento mais crítico do seu governo, acoberta um perigoso interesse: aprovar o financiamento público de campanha e o voto em lista, antigos sonhos do PT.
Como avalia o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior, a opção pelo plebiscito “joga areia nos olhos do povo”. Um levantamento do Datafolha constatou que a reforma política era uma reivindicação de apenas 1% dos manifestantes que tomaram as ruas de São Paulo nas últimas semanas. Mas o governo não quer perder a oportunidade aberta pelo clima mudancista.
O PT defende o financiamento público de campanha porque seria o maior beneficiário desses recursos, já que tem a principal bancada na Câmara dos Deputados e esse é o critério usado para a divisão do bolo. Com o financiamento público, o partido conseguiria assegurar recursos superiores aos das outras siglas. Caso o caixa dois não seja efetivamente extinto, o que é uma hipótese plausível, o dinheiro de bancos e empreiteiras continuariam a seguir a lógica de favorecer quem tem a chave do cofre - no caso da União, o PT. Por isso, interessava mais ao partido a ideia inicial de Dilma, que incluía uma Assembleia Constituinte com poderes para dar os rumos à reforma. Mas a ideia fracassou por ser inconsistente e sem base jurídica. Ainda assim, o PT aposta na capacidade de mobilização de sua própria militância para moldar o sistema político-eleitoral.
Ciente das intenções de seu principal aliado, o PMDB é majoritariamente contrário ao financiamento público. Os peemedebistas têm bom relacionamento com o empresariado e um elevado número de governos estaduais; também por isso, não veem razões para uma mudança no sistema.
(Fonte: Veja - clique na imagem para ampliá-la)
Voto proporcional - O sistema de eleição para deputados
e vereadores é o segundo ponto-chave que deve constar do plebiscito. A
adoção do voto em lista, outro tema que surgirá na consulta, favoreceria
o PT. O partido tem questão fechada na defesa desse tema: seguidas
pesquisas mostram que, dentre as legendas, o Partido dos Trabalhadores
possui, de longe, a maior fatia de eleitorado fiel. O DEM, que se
posiciona na centro-direita e não tem concorrentes neste campo, também
quer o voto em lista.
O PSDB é a favor do voto distrital,
cuja defesa consta do estatuto da sigla. A regra seria bem aplicável em
estados como São Paulo e Minas Gerais - onde os tucanos têm maior poder
de fogo. Nesses estados, muito extensos e populosos, os candidatos se
dividem informalmente entre cidades e regiões, o que já se aproxima do
voto distrital. O PSD também fechou questão em defesa do voto distrital.
Para o PMDB, que sofre de fraqueza programática e é mais personalista
dos que as outras siglas, a saída defendida é o chamado "distritão". O
modelo é o mais simples possível: o eleitor escolhe o candidato,
individualmente, e o voto não influencia o desempenho dos outros nomes
do partido. Ganham os mais votados e o quociente eleitoral, que provoca o
chamado "efeito Tiririca", seria abolido. É como se cada estado fosse
um distrito.
Pressa - Nos últimos dois anos, o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva se empenhou pessoalmente nas negociações para a
implementação da reforma política defendida pelo PT. Mas, no Congresso, o
tema emperrou. O partido já havia desistido de fazer uma reforma que
valesse para as eleições de 2014 porque, nesse caso, a mudança
precisaria estar aprovada até o início de outubro deste ano. Mas os
protestos nas ruas foram vistos pelo PT como uma "janela de
oportunidade". O partido não quer perder o impulso dado pelas
manifestações populares. Por isso, tem pressa. E não é só: o momento
atual é perfeito para que a sigla molde a reforma política ao seu gosto.
Dono da maior bancada na Câmara e hóspede do Palácio do Planalto, o PT
não pode garantir que esse cenário será o mesmo na próxima legislatura.
Com uma militância ativa em torno dos pontos centrais, além de braços
organizados em sindicatos e entidades estudantis, o PT aposta que poderá
converter essa força de mobilização em resultados no plebiscito. Para
isso, é até bom que o eleitor comum, desmobilizado, não participe do
processo. "Seguramente não são todos os cidadãos que vão se interessar
por participar do plebiscito, mas todos aqueles que têm interesse neste
debate terão espaço concreto de atuação: poder votar e ajudar a definir
as prioridades da reforma política", disse o ministro da Educação,
Aloizio Mercadante.
O presidente do DEM, senador José Agripino Maia (RN), estranha a pressa
repentina. "É no mínimo curioso. O governo tem pressa para encontrar o
caminho diversionista e fugir da crise", diz ele. O deputado Rubens
Bueno, líder do novo MD (fusão do PPS com o PMN) na Câmara, defende que o
Congresso elabore a reforma e a população apenas decida se aprova ou
rejeita as mudanças, em bloco: "A nossa ideia básica é o Congresso
Nacional votar todas essas sugestões e submetê-las a um referendo na
mesma data das eleições do ano que vem", diz.
Riscos e obstáculos - A cegueira momentânea causada pelo anúncio inesperado da presidente encobre uma dificuldade técnica: o de apresentar, por plebiscito, questões para as quais a votação pode não apresentar maioria. “Basta haver três perguntas para não ser plebiscito. Imagine que, no sistema eleitoral (proporcional, distrital e distrital misto), um tipo consiga 35% dos votos, o outro 34% e o terceiro 31%. Não há formação de maioria”, alerta Reale Júnior, que considera impossível usar esse modelo de votação para um tema como a reforma política. “Não há necessidade de chamar as pessoas para definir a reforma. É uma falta de juízo”, completa Reale, reiterando que os temas em jogo são bastante complexos.
Na última quarta-feira, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF), Carlos Ayres Britto, comparou o plebiscito proposto agora com a
entrega de um “cheque em branco” aos deputados e senadores que já miram
nas eleições de daqui a um ano e meio. A metáfora de Britto é uma
referência à grande margem de indefinição que pode resultar da votação
que se desenha. O roteiro estabelecido para os plebiscitos é, em resumo,
a criação de um decreto legislativo com um terço de aprovação de uma
das Casas, a discussão dos temas e das perguntas ao eleitor, a apuração e
o encaminhamento da decisão ao Congresso, que deve seguir a orientação
das urnas. O rito é perfeito, por exemplo, para a decisão sobre a
emancipação de um município. Mas incompatível com questões como
financiamento público de campanhas ou sistemas de votação. Afinal, os
eleitores definirão “se” algo deve ser feito, entregando aos
parlamentares a decisão sobre “como” isso será posto em prática.
“Esse processo pode resultar em uma deliberação da população no vazio”,
afirma Gustavo Binenbojm, professor de Direito Administrativo e
Constitucional da UERJ e do curso de pós-graduação em Direito da
Fundação Getúlio Vargas.
O plebiscito de Dilma, por enquanto, está mergulhado em incertezas. “A
expressão ‘reforma política’ é nesse momento um rótulo em uma caixa
vazia. Ninguém sabe ao certo quais medidas serão propostas”, explica o
coordenador-geral do instituto de Direito da PUC-Rio, Adriano Pillati,
para quem é preciso, no mínimo, de três a quatro meses de debate sobre o
tema com a população.
A saída apontada pelos especialistas para que seja assegurada a
participação popular, mas de forma mais prudente, é, ao fim do processo,
a realização de um referendo. Depois de o Congresso fazer o texto da
reforma política, a população seria convocada às urnas para dizer sim ou
não sobre uma proposta real. Tecnicamente, é possível haver o
plebiscito antes e o referendo depois – apesar de não se eliminar, com
isso, os problemas na origem da proposta de agora. “Existe um risco de a
opção da população ser desvirtuada. Por isso, deveria haver plebiscito e
referendo”, afirma Ivar A. Hartmann, professor de Direito da FGV do Rio
de Janeiro.
No momento, a demanda indiscutível da população nas ruas é por uma política menos corrupta e mais voltada para o interesse público. A reforma política – necessária e que se arrasta há anos sem que haja consenso – surgiu como a tradução possível feita pelos governantes para retomar o diálogo com os brasileiros. “Há uma esperança enorme em torno da reforma política. Apesar de necessária, nenhuma reforma produz políticos melhores. O que muda os políticos é a sociedade, através do voto”, lembra Adriano Pillati.
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