[A Alemanha continua surpreendendo, como nos mostra abaixo o artigo de Judy Dempsey no International Herald Tribune do dia 28 de maio, que traduzo a seguir. O título do artigo na versão impressa ("Alemanha olha para o sul à procura de engenheiros") -- a que usei na tradução -- difere do título da versão digital, mas os textos são idênticos. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]
A Associação Alemã de Engenheiros, ou V.D.I., está desesperada. Ela precisa de 70.000 engenheiros, e depressa. Seus membros, consistindo de empresas grandes e pequenas, estão abordando universidades e escolas à procura de estudantes de graduação ou estagiários de engenharia mecânica, eletrônica e de produção de máquinas para sustentar a maior e mais bem sucedida economia movida pela exportação na Europa. Nas condições atuais, são precisos em média 114 dias para preencher um cargo de engenheiro, de acordo com a V.D.I.
Alguma ajuda está disponível, graças à crise econômica na Espanha, em Portugal e na Grécia, onde o desemprego entre os jovens subiu para uma média de 50%. Em decorrência disso, milhares de graduados jovens e instruídos desses países estão migrando para a Alemanha, ajudando assim a compensar a escassez de engenheiros e outros profissionais. "Estima-se que cerca de 50.000 espanhóis vieram para a Alemanha nos últimos dois anos", disse Ángel de Goya Casagrande, chefe da seção de trabalho e assuntos sociais da embaixada da Espanha em Berlim.
As vantagens para a economia alemã são imensas. À parte da indústria, a escassez de mão de obra é aguda também em hospitais e instituições para idosos, e nas áreas de serviços e no setor de varejo. Todos eles estão agora empregando jovens espanhóis e de outros países do sul da Europa.
Os novos imigrantes, ávidos por encontrar trabalho, estão se integrando rapidamente. Eles aprenderam alemão em seus países, ou estão fazendo curso intensivo de alemão na Alemanha. "Você não pode imaginar como aumentou nos últimos dois anos o número de espanhóis desejosos de aprender o alemão ", disse Manfred Ewel, vice-diretor e professor de línguas no Goethe Institut em Madri. No ano passado, mais de 10.000 estudantes se matricularam em Madri e Barcelona, um aumento de 60% em relação a 2010.
"Tudo isso se deve a Angela Merkel", disse Ewel, referindo-se à visita de Merkel à Espanha há mais de 2 anos atrás. "Ela disse que engenheiros e outros profissionais espanhóis seriam bem-vindos na Alemanha. Foi uma sensação. De repente, a Alemanha surgia no mapa com um lugar onde encontrar trabalho. Espanhóis jovens aceitaram a oferta de Merkel".
Enquanto para a Alemanha essa migração é extremamente benéfica, há um lado preocupante. Alguns analistas têm receio sobre quanto essa drenagem de cérebros, de engenheiros e médicos, enfermeiros e programadores de computador afetará a Espanha quando sua economia se recuperar. "Há preocupações, mas vejo isso de maneira diferente", disse Matilde Mas, do Instituto Valenciano de Pesquisa Econômica. "A crise espanhola está tendo fesultados positivos", explicou ela. A Dra. Mas acredita que a Espanha terá ganhos com aqueles que retornarem após alguns anos -- eles terão uma enorme experiência em suas bagagens.
A crise está mudando também as estruturas sociais. "Fico dizendo a meus alunos para saírem e ver o mundo. Ganhar experiência. Mas, as estruturas familiares são muito conservadoras, muito protetoras, especialmente com relação às mulheres jovens. Se você não conseguir encontrar um emprego após seus estudos, fique em casa", disse a Dra. Mas. "Agora, com essa crise, isso deixou de ser uma opção", acrescentou ela.
Contudo, analistas na Alemanha alertam que o governo da chanceler Merkel carece ainda de uma estratégia de longo prazo para atacar a escassez de mão de obra. Considerando-se as catastróficas tendências demográficas da Alemanha [crescimento de 0,1% ao ano no período de 1995 a 2000], o influxo de europeus do sul também não será suficiente para resolver esse problema.
De acordo com o Instituto para Pesquisa Econômica de Colônia, existe já um déficit de 210.000 graduados em MINT (abreviação alemã para matemáticos, engenheiros, cientistas e especialistas em TI).
O Birô Federal de Estatísticas da Alemanha estimou que a população em idade de trabalho na faixa etária entre 20 e 65 anos, que hoje monta a 50 milhões, cairá para 33 milhões por volta de 2060 a menos que haja imigração suficiente. O influxo de europeus do sul não é mais do que uma gota d'água no oceano.
Não se trata de que a Alemanha não tenha tido qualquer chance ou oportunidade de atacar a escassez de mão de obra e a crise demográfica. Durante os anos 1990, quando milhões de russos e de russos de origem alemã se transferiram para a Alemanha, o governo se recusou a reconhecer seus títulos universitários russos, desperdiçando o talento e o treinamento de dezenas de milhares deles.
Sucessivos governos alemães falharam também em prover os três milhões de residentes de origem turca com a educação necessária para fazer uso de seus talentos.
Hoje, a Alemanha não pode presumir que o influxo de milhares de jovens europeus do sul resolverá seu problema. "A Alemanha precisa de imigrantes mais qualificados não somente da Europa do sul, mas também de países de fora da União Europeia", disse Jörg Dräger, presidente da Fundação Bertelsmann, instituição que publicou um relatório recente sobre a escassez de mão de obra da Alemanha. "Ela carece de uma estratégia de integração de longo prazo".
[O drama alemão de depender fortemente da imigração para poder manter sua pujança econômica é um retrato cristalino do dilema europeu, de conciliar suas necessidades de mão de obra com a entrada maciça de estrangeiros. Por mais qualificados que sejam estes, os inúmeros e nada simples problemas de integração que acarretarão no curto, médio e longo prazos em sociedades conservadoras e muitas vezes xenófobas podem transformar-se em tremenda dor de cabeça para todos os envolvidos.]
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