[Reproduzo o seguir o excelente artigo de hoje de Elio Gaspari na Folha de S. Paulo e no Globo sobre a reação da nossa doce ex-guerrilheira às manifestações que varrem o Brasil. Ver postagem anterior sobre o assunto.]
O comissariado quer tungar o ronco
Elio Gaspari -- Folha de S. Paulo e O Globo, 26/6/2013
A proposta escalafobética da doutora Dilma de convocar uma constituinte
exclusiva para decidir uma reforma política foi coisa de um governo que
acha que pode tudo, mesmo não sabendo nada. Seu objetivo é tungar o
ronco das ruas. Ao tratar das tarifas de transporte público propondo um
"Plano Nacional de Mobilidade Urbana", a doutora falou no dialeto de
comissários que empulham a rua com eventos. Falando em reforma política,
fala de nada.
Ganha um mês em Pyongyang quem souber como um plebiscito poderia
legitimar uma discussão que não se sabe como começa nem como termina.
Hoje, há apenas uma insistente proposta de reforma do sistema eleitoral,
vinda do PT, sucessivamente rejeitada pelo Congresso.
São dois os seus tendões. Um é o financiamento público das campanhas. Em
tese, nenhum dinheiro privado iria para os candidatos. Só o público,
seu, nosso. A maior fatia iria para o PT. Quem acredita que esse sistema
acabaria com os caixas dois tem motivo para ficar feliz. Para quem não
acredita, lá vem tunga. Seria mais lógico proibir as doações de
empresas. O Congresso pode decidir que quem quiser dar dinheiro a
candidatos deverá tira-lo do próprio bolso e não mais das empresas que
buscam-no de volta nos preços de seus produtos.
O segundo tendão é a criação do voto de lista. Hoje o voto de um cidadão
em Delfim Netto vai para a cumbuca do partido e acaba elegendo Michel
Temer. Tiririca teve 1,3 milhão de votos e alavancou a eleição de três
deputados, um deles petista, com apenas 93 mil votos.
Pelo sonho do comissariado, os partidos organizariam listas e os votos
que a sigla recebesse seriam entregues aos candidatos, na ordem em que
foram arrolados pelos mandarins. Em poucas palavras: Os eleitores perdem
o direito de escolher o candidato em quem querem votar e as cúpulas
partidárias definem a composição das bancadas. (O sujeito que votou em
Delfim elegeu Temer, mas em Delfim votou.) Uma proposta sensata de
emenda constitucional veio exatamente de Michel Temer: cada Estado
torna-se um distritão e são eleitos os mais votados, independentemente
do partido. Tiririca elege-se, mas não carrega ninguém consigo.
O comissariado queria contornar a exigência de três quintos do Congresso
(357 votos em 594) necessários para reformar a Carta. Numa
constituinte, as mudanças passariam por maioria absoluta (298 votos).
Esse truque some com 59 votos, favorecendo quem? A base governista.
Todas as constituintes brasileiras derivaram de um rompimento da ordem
institucional. Em 1823, com a Independência. Em 1891, pela Proclamação
da República. Em 1932, pela Revolução de 30. Em 1946, pelo fim do Estado
Novo. Em 1988, pelo colapso da ditadura. Hoje, a ordem institucional
vai bem, obrigado. O que a rua contesta é a blindagem da corrupção
eleitoral e administrativa. Disso o comissariado não quer falar.
Há um século o historiador Capistrano de Abreu propôs a mais sucinta Constituição para Pindorama:
"Artigo 1º: Todo brasileiro deve ter vergonha na cara.
Artigo 2º Revogam-se as disposições em contrário."
Na hora em que a rua perdeu a vergonha de gritar, a doutora diz que o problema e sua solução estão noutro lugar.
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