O empresário Marc Rich, que morreu ontem na Suiça aos 78 anos, será enterrado hoje em Israel. Rich morreu de um derrame, em um hospital próximo à sua casa em Lucerna. De acordo com a revista Forbes, os bens de Rich em 2012 somavam US$ 2,5 bilhões.
Rich era uma figura polêmica. De um lado, até ser perdoado em 2001, ele foi um fugitivo acusado nos EUA em um dos maiores casos de evasão fiscal da história americana e de fazer comércio com o Irã do aiatolá Khomeini, apesar das sanções dos EUA. Por outro lado, apesar de ter sido acusado também de transacionar com países hostis a Israel, autoridades sêniores do governo israelense, instituições públicas e organizações sem fins lucrativos o reverenciavam e chegaram mesmo a pressionar o ex-presidente americano Bill Clinton para que o perdoasse. Apesar disso, Rich nunca foi condenado nos EUA por aquelas ou quaisquer outras acusações feitas contra ele.
Rich doou centenas de milhões de shekels (ILS) [1,00 ILS = 0,276 US$] a organizações israelenses: ao Partido Trabalhista, ao Conselho presidencial, à cinemateca de Tel Aviv, ao Centro Interdisciplinar em Herzliya, ao Museu de Israel, à Orquestra Filarmônica e outras.
Recentemente, o mistério que cercava o abrangente apoio dado a Rich foi disperso. Um outro aspecto de sua vida foi revelado em uma entrevista que deu em 2009 ao jornalista suiço Daniel Ammann, publicada mais tarde em uma biografia que Ammann escreveu dele com o título "O Rei do Petróleo: As Vidas Secretas de Marc Rich", que foi traduzida para o hebreu e aprovada por Rich. No livro, Rich admitiu que havia comprado petróleo do Irã mesmo após a revolução islâmica durante o governo de Khomeini, assim como durante a crise dos reféns americanos em 1979 e até meados dos anos 1990. Ele afirmou que grande parte desse petróleo foi para Israel durante esses anos.
De acordo com Rich, Israel foi dependente do petróleo iraniano mesmo depois que as relações entre os dois países foram cortadas. Ele disse que suas conexões empresariais com o Irã se iniciaram antes da revolução local, com o conhecimento de funcionários sêniores do regime iraniano, e que simplesmente continuou a fazer negócios com eles apesar das sanções impostas pelos americanos. Ele disse que os iranianos continuaram a "honrar os contratos".
Quando Clinton tentou explicar porque deveria perdoar Rich e seu sócio Pincus (Pinky) Green no seu último dia como presidente, uma das razões eram os muitos pedidos nesse sentido que havia recebido de altos líderes dos partidos israelenses Likud ("União") e Trabalhista, incluindo Ehud Barak e Shimon Peres. De acordo com Clinton, eles lhe explicaram que Rich havia feito doações para instituições israelenses sem fins lucrativos e para os esforços do Mossad [o serviço secreto de Israel] destinados a resgatar judeus de países hostis, assim como para o processo de paz via financiamento de iniciativas para educação e saúde em Gaza e na Margem Esquerda. [É muito interessante e didático conhecer a elasticidade do raciocínio de Israel em relação ao Irã -- para o grande público, o Irã é o Belzebu que quer destruir o país e os judeus, e por isso deve até ser bombardeado e se possível arrasado por conta de seu programa nuclear. Mas, por trás dos bastidores o petróleo iraniano e os lucros que propiciou a Rich, o grande benemérito de Israel, eram não só bem-vindos como essenciais e até beatificados. A ponto de justificar uma enorme pressão sobre o governo americano, obrigando-o a se violentar para atender o lobby israelense. Como diria Cícero, o tempora, o mores!]
Em uma entrevista à revista Newsweek em 2002, Clinton disse ter-se lamentado por ter dado o perdão a Rich e que isso causou danos à sua imagem.
Rich afirmou no livro que, na realidade, era um colaborador do Mossad. Ele disse que forneceu informações ao Mossad sobre o que estava ocorrendo no Irã, na Síria e na Rússia para ajudar Israel e que de fato colaborou nos esforços para trazer para Israel judeus da Etiópia, Iêmen e países árabes. De acordo com relatórios, Rich franqueou seus escritórios ao Mossad para que este os usasse para camuflar suas atividades.
Todos aqueles que receberam doações de Rich se esforçaram ao máximo para garantir que seu passado não fosse revelado, como por exemplo -- de acordo com informes da mídia -- seus negócios com o Iraque de Saddam Hussein e com a África do Sul durante o apartheid, assim como buscaram enfatizar suas contribuições para Israel. Uma fundação através da qual ele atuou não fornece informações transparentes sobre as atividades dela em Israel, e só depois do perdão de Clinton começou a destacar o nome de Rich. Durante aquele período, Rich manteve um perfil discreto e se recusava a dar entrevistas.
Apesar disso, essa fundação é considerada uma das maiores e mais generosas de Israel. Foi montada e instalada por Rich, sua ex-esposa a compositora Denise Rich, e seus sócios Alec Hackel e Pincus Green -- este último fugiu com Rich dos EUA. De acordo com seus próprios informes, a fundação doou mais de US$ 135 milhões ao longo das duas últimas décadas.
Rich, que nasceu na Bélgica, começou sua carreira na Philipp Brothers, uma das maiores empresas comercializadoras de matérias primas na época, dela saindo com Green em 1974 para criar a empresa de commodities Marc Rich & Cia AG. Rich e Green foram os primeiros pioneiros a operar com o mercado spot [mercado à vista] -- bens para entrega imediata -- para petróleo, e o exploraram para auferir lucros rápidos. Por causa de seu grande sucesso nesse setor, Rich foi apelidado de o "rei das commodities".
A empresa de Rich acabou transformando-se na gigantesca Glencore International na área de commodities, mas Rich vendeu-a em 1993 e fundou uma nova empresa, a Holding Marc Rich & Cia., também na Suiça. Além de investir em commodities, Rich expandiu seus investimentos nos anos 1980 a setores adicionais comprando com o industrial Marvin Davis os estudios da 20th Century Fox em 1981. Mas em 1984, depois que Rich fugiu dos EUA, Davis vendeu sua parte para Rupert Murdoch por US$ 250 milhões.
Marc Rich em 1985 - (Foto: Reuters).
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