domingo, 17 de novembro de 2013

Sentenças de morte nos EUA entram em crise por causa da Europa

[A notícia traduzida abaixo foi publicada no jornal inglês The Independent em 13/11 e traduzida parcialmente no Globo de hoje. Embora existam crimes monstruosos e revoltantes, para os quais nossa primeira reação seja a de punir o criminoso na mesma moeda, no mínimo, nada há a meu ver que justifique esse tipo de atitude, muito menos quando ela se realiza pelas mãos do Estado, como ainda ocorre nos EUA e alhures. O site Globo News publicou em 2010 uma relação dos tipos de pena de morte então existentes, e a relação dos países que a contemplavam em seu sistema penal -- não acredito que ela tenha se alterado de lá para cá. O inusitado da notícia do The Independent é a inesperada crise na "indústria" da pena de morte nos EUA, por falta de insumos indispensáveis importados da Europa. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

Câmara para execução de pena de morte nos EUA por injeção com substância letal. - (Foto: The Independent).
Há uma crise profunda e sem precedentes na indústria de execuções nos EUA, e seus oponentes não sabem se comemoram ou se choram esse fato. Quase que acidentalmente, a União Europeia (UE) está cada vez mais frustrando os esforços dos 32 estados americanos que têm a pena capital para manter suas execuções, ao negar-lhes o acesso aos medicamentos tradicionalmente utilizados em injeções letais. Se os departamentos correcionais desses estados ainda não esgotaram seus estoques desses medicamentos, o que quer que ainda tenham deles está perdendo a validade.

Eis a boa notícia: por causa disso, a taxa de assassinatos patrocinados pelo Estado tem sido significativamente mais lenta. Missouri determinou uma moratória nas execuções, até que uma nova fórmula letal seja encontrada. Mas, outros estados estão tentando manter seus shows sem interrupção por meio de improvisações arriscadas e macabras.

Nesta manhã, um assassino de crianças em Ohio, Ronald Phillips, de 40 anos, deve ser executado com um coquetel de líquidos tóxicos nunca antes utilizado. A maneira como morrerá poderá ou não satisfazer o determinado pela Oitava Emenda, que proíbe "punição cruel ou inusitada".

Lamentável para os carrascos. "Continuaremos a ser afetados repetidamente por essas decisões de empresas farmacêuticas, a menos que os estados que adotam a pena capital possam encontrar um produto farmacêutico que ofereça alguma estabilidade em seu suprimento", lamentou Chris Koster, procurador-geral do Missouri, antes de ponderar em voz alta -- supõe-se que para fins políticos -- sobre o restabelecimento da câmara de gás. Sua contraparte no Arkansas, Dustin McDonald, disse aos legisladores estaduais que sua [dele] alternativa poderia ser a cadeira elétrica. [É impressionante a indiferença com que essa gente fala de um assunto tão traumático!]

Os problemas começaram em 2010, quando uma empresa farmacêutica de Illinois, Hospira, protestou contra o fato de um de seus produtos -- o tiopental sódico -- ser utilizado para assassinatos patrocinados pelo estado, e interrompeu a produção desse fármaco. O Arizona e outros estados recorreram a uma fonte menos respeitável -- Dream Pharma, uma empresa inescrupulosa de fundo de quintal em Londres. Isso não durou muito, porque autoridades do Reino Unido (RU) e dos EUA sabiamente fecharam esse comércio. 

A melhor opção disponível era o pentabarbital, um anestésico poderoso. Mas então, seu principal produtor, Lundbexk Inc., da Dinamarca, recuou também e frustrou as prisões americanas. Desde então, o fabricante alemão do sedativo Propofol, o medicamento demolidor considerado culpado pela morte de Michael Jackson, ameaçou interromper completamente suas exportações para os EUA se os estados americanos o utilizassem para execuções, exatamente o que o Missouri havia planejado fazer. Agora, Bruxelas [UE] impôs suas próprias restrições à exportação de "medicamentos para execuções". 

"É irônico o modo pelo qual a Europa tenha tido o tipo de impacto que vem tendo", disse esta semana Deborah Denno, uma especialista em métodos de execução [há especialistas para tudo neste mundo ...] na Escola de Direito da Universidade Fordham em Nova Iorque. "E isso tem sido enorme". [É bom não esquecer que, em matéria de métodos para matar prisioneiros e acusados a Europa tem um know-how impressionante desde a Idade Média, passando pelas fogueiras e torturas inquisitórias, a guilhotina, e os campos de concentração nazistas.]

Mas ela enfatizou também os riscos inerentes à disputa agora existente para remediar a situação com coquetéis de medicamentos não testados. "As dificuldades surgidas têm tornado muito difícil para os departamentos correcionais levar a cabo suas execuções, e como consequência eles estão recorrendo a medidas desesperadas. É tentativa e erro", disse ela. 

Uma opção que vem sendo buscada especialmente pelo Texas, o mais diligente dos estados com pena capital, é a de recorrer aos serviços das chamadas farmácias de manipulação que se oferecem para produzir cópias, versões sintéticas de medicamentos antigos. O problema é que esses estabelecimentos são muito mal regulados/controlados e, segundo seus críticos, a qualidade de seus produtos varia de irregular a completamente inaceitável.

Outros estados têm recorrido a especialistas em combinações e misturas, para ver o que pode ser feito com medicamentos prontamente disponíveis. No mês passado, a Flórida foi o primeiro estado a substituir o tiopental sódico pelo midazolam, que produz relaxamento profundo e perda de memória. O debate agora é saber como o teste se desenrolou. Decorreram 14 minutos até que William Happ fosse declarado morto, o dobro do tempo esperado. Uma testemunha da AP (Associated Press) disse que "ele permaneceu consciente por mais tempo e movimentou mais o corpo após perder a consciência do que outras pessoas executadas recentemente por injeção letal".

(...) Uma pesquisa do Gallup no mês passado verificou que 60% dos americanos apoiam a pena de morte para assassinos condenados, o percentual mais baixo em quase 41 anos. Os argumentos contra a pena capital vão desde as despesas obscenas para sustentar os corredores da morte e os processos de apelação a questões de consciência e, obviamente, ao sempre presente risco de se matar um inocente.

Podemos ousar esperar que esse espetáculo macabro de estados com pena capital fazendo experiências em suas celas da morte possa contribuir para reverter a opinião pública sobre o assunto. É algo fortuito que a Europa tenha desempenhado um papel crucial nesse processo mas, de qualquer maneira, é algo de que se orgulhar.



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