segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Excesso de iodo na gestação e lactação pode causar hipotireoidismo na prole

[O texto abaixo é de Karina Toledo e foi publicado no site da Agência FAPESP em 11 de novembro.]

Um experimento feito com ratas na Universidade de São Paulo (USP) mostrou que o consumo excessivo de iodo durante o período de gestação e lactação pode tornar a prole mais propensa a sofrer de hipotireoidismo na vida adulta. O trabalho faz parte do projeto de pós-doutorado de Caroline Serrano do Nascimento, realizado com Bolsa da FAPESP e supervisão da professora Maria Tereza Nunes, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB-USP).
“Os efeitos deletérios do excesso agudo e crônico de iodo no organismo já estão descritos na literatura. Agora, estamos observando que esse elemento desencadeia também mecanismos epigenéticos, ou seja, o consumo excessivo desse elemento pela mãe durante a gestação e lactação gera consequências no desenvolvimento fetal e, aparentemente, programa o organismo do filhote para ficar mais suscetível ao desenvolvimento de hipotireoidismo durante a vida adulta”, comentou Nascimento.
O iodo é um micronutriente essencial para o homem e demais mamíferos, pois é usado na síntese dos hormônios tireoidianos T3 (triiodotironina) e T4 (tiroxina). Além de regular o metabolismo, esses hormônios são importantes para o funcionamento adequado de praticamente todos os órgãos.  Já há muitas décadas se sabe que a deficiência desse mineral pode causar bócio, ou seja, um aumento no volume da glândula tireoide que prejudica seu funcionamento. Sabe-se também que a falta de iodo durante a gestação pode levar a danos cerebrais em crianças, uma vez que os hormônios tireoidianos desempenham um papel extremamente importante no desenvolvimento do sistema nervoso central. Por essa razão, no Brasil, tornou-se obrigatória na década de 1950 a adição de iodo no sal de cozinha.
Mas, estudos recentes têm mostrado que o consumo superior à dose diária recomendada – cerca de 150 microgramas – também pode trazer prejuízos ao funcionamento da tireoide. Este ano, uma resolução da Anvisa reduziu a faixa de variação do iodo no sal de 20 a 60 miligramas por quilo – quantidade recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para populações que consomem até 10 gramas de sal por dia – para 15mg/kg a 45 mg/kg.  A medida foi tomada após pesquisas do Ministério da Saúde mostrarem que a população brasileira ingere uma taxa de iodo maior do que a recomendada pela OMS em razão do consumo elevado de sal.

Em seu mestrado e doutorado, Nascimento estudou o que acontece no organismo durante uma sobrecarga aguda de iodo. “Desde 1948 se sabe que o excesso agudo exerce um efeito inibitório no tireocito – a célula da tireoide que produz os hormônios tireodianos. É um efeito rápido e adaptativo, que tem como função proteger a célula daquela sobrecarga momentânea. O objetivo do meu mestrado e doutorado foi desvendar as bases moleculares por trás desse fenômeno”, contou.
Nascimento mostrou que o excesso de iodo diminui a expressão e atividade de uma proteína conhecida como NIS, que é responsável por transportar este oligoelemento essencial para a biossíntese de hormônios tireoidianos pelos tireocitos.  “Quando a NIS está menos expressa ou não está funcionado adequadamente, o tireocito capta menos iodo e produz menos hormônios. Mas, após o período de inibição ou terminada a sobrecarga, a célula volta a sintetizar e secretar hormônios normalmente”, disse.

Dados da literatura e também de outro estudo conduzido no ICB sob a coordenação de Nunes, no entanto, indicam que, quando o consumo excessivo de iodo se torna crônico, o tireocito perde a capacidade de se adaptar e de escapar do efeito inibitório.  “Quando tratamos ratos cronicamente com excesso de iodo, observamos diminuição na expressão de diversas proteínas relacionadas à síntese dos hormônios tireoidianos e aumento na expressão de proteínas relacionadas à inibição da função do tireocito. Além disso, ocorre um aumento na produção de citocinas inflamatórias, que podem desencadear um quadro de tireoidite”, contou a pesquisadora.  Segundo Nascimento, há estudos que relacionam o aumento na incidência de casos de tireoidites autoimunes, como a tireoidite de Hashimoto, ao excesso de iodo na alimentação.
Reprogramação de genes
Conhecendo os efeitos da exposição crônica ao excesso de iodo e sabendo da importância dos hormônios tireoidianos na gravidez, Nascimento e Nunes decidiram então investigar os efeitos da sobrecarga durante este importante período do desenvolvimento. Buscaram avaliar se os prejuízos desencadeados pelo excesso de iodo na mãe poderiam ser transmitidos para seus filhos por meio de mecanismos epigenéticos.
No primeiro trimestre da gestação, explicou Nascimento, o feto é totalmente dependente dos hormônios tireoidianos produzidos pela mãe e qualquer alteração na síntese hormonal nessa fase pode causar consequências graves para o desenvolvimento fetal. Após o segundo trimestre, o bebê já tem sua própria tireoide desenvolvida, mas ainda depende do aporte de iodo da mãe, que é feito pela placenta.
“Como a placenta expressa a proteína NIS, queríamos descobrir se o excesso de iodo poderia prejudicar o transporte deste elemento para o feto. Além disso, durante a lactação, esse transporte também poderia ser comprometido pela sobrecarga de iodo, pois a mama também expressa NIS. Outro objetivo do estudo é investigar se o tratamento da mãe com excesso de iodo poderia alterar a expressão de genes na prole ou prejudicar seu desenvolvimento”, explicou Nascimento.
Desde o início da gestação até o fim da lactação, as ratas passaram a receber água contendo uma dose de iodo cinco vezes maior que a recomendada. No caso dos humanos, seria o equivalente a ingerir diariamente o iodo existente em 12 gramas de sal (antes da mudança determinada pela resolução da Anvisa). Já o grupo controle recebeu apenas a quantidade de iodo considerada ideal. “Optamos por uma dose equivalente à que poderia ser obtida pela população brasileira, que sabidamente come uma quantidade muito grande de sal”, contou Nascimento.
Após o desmame, aos 21 dias de idade, as proles dos dois grupos passaram a receber ração e água com quantidades ideais de iodo. Aos 90 dias de idade, os pesquisadores constataram que os filhotes das ratas submetidas à sobrecarga do mineral haviam desenvolvido hipotireoidismo, enquanto os do grupo controle estavam com a tireoide saudável. As mães tratadas com excesso de iodo também apresentaram quadro de hipotireoidismo, como era esperado, já no fim do período de lactação.  “Vimos que a maioria dos genes ligados à biossíntese dos hormônios tireoidianos estava com a expressão diminuída tanto na mãe, quanto na prole adulta, no grupo exposto ao excesso de iodo durante a gestação e lactação”, contou Nascimento.
O próximo passo, segundo a pesquisadora, é descobrir em que momento da gestação ou da lactação esse excesso de iodo é mais prejudicial. “Uma vez que tivermos esclarecido bem os mecanismos que ocorrem na prole, poderemos voltar e descobrir em que fase do desenvolvimento o iodo altera a programação gênica dos animais. Aparentemente, em cada uma das fases há uma resposta diferente na programação da expressão de genes durante a vida adulta”, afirmou.
Apesar de conhecer bem as consequências da ingestão excessiva de iodo, Nascimento não defende a ideia de eliminar ou reduzir a adição do mineral ao sal. “Penso que o ideal seria investir em políticas públicas para reduzir o consumo de sal na população, pois dessa forma você evita não apenas prejuízos à tireoide como também doenças cardiovasculares. Com a atual redução, por outro lado, não se tem garantia de que as pessoas vão ingerir quantidades ideais de iodo se diminuírem o sal na alimentação”, avaliou.

De acordo com a pesquisadora, conhecer melhor a forma como a proteína NIS é regulada pelo iodo pode trazer perspectivas terapêuticas interessantes.  “A NIS é extremamente importante no diagnóstico e tratamento de câncer de tireoide com iodo radioativo. Muitos trabalhos tentam aumentar a expressão dessa proteína em tecidos cancerígenos, para que eles captem ainda mais o iodo radioativo e a terapia seja mais eficaz. Desta maneira, conhecer como essa proteína é regulada pode trazer perspectivas interessantes no desenvolvimento de terapias que visem tanto o tratamento do câncer de tireoide, como de outros tipos de câncer”, afirmou. 






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