[O texto abaixo foi um dos editoriais do jornal Financial Times de 30 de outubro. Prisões são um problema no mundo inteiro -- e gigantesco no Brasil -- e alguns países têm recorrido à terceirização (privatização) dos serviços penitenciários na tentativa de resolvê-lo, por isso o editorial pareceu-me de interesse. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]
Já se passaram 30 anos desde que Margaret Thatcher propôs pela primeira vez que companhias que buscam lucros deveriam substituir empresas estatais como prestadoras de serviços públicos. Os esforços britânicos para fazer recuar as fronteiras do Estado têm sido desde então amplamente copiados.
Entretanto, alegações de abusos em uma prisão privada na África do Sul são a advertência mais recente de que esse tipo de terceirização pode dar mau resultado. Foi dito que os prisioneiros foram encharcados com água para torná-los suscetíveis a choques elétricos e que foram injetados com drogas à força. Isso traz consigo ecos dos maus tratos sofridos há uma geração por aqueles que se opunham ao regime do apartheid.
G4S, a empresa que administra a prisão de Mangaung, refuta essas alegações. Faz-se necessária uma investigação inteiramente independente para se saber onde está a verdade. Ainda assim, essa não seria a primeira vez que prisioneiros sob custódia dessa companhia internacional de segurança tivessem sido vítimas de agressões sérias. No início deste ano, um inquérito resultou em um veredito de homicídio ilegal no caso de um detido que morreu após ser detido por guardas da G4S em um avião no aeroporto de Londres. Recentemente, inspetores verificaram que a G4S era tão ineficiente em manter drogas fora de uma de suas prisões no Reino Unido (RU) que um em cada sete prisioneiros havia se tornado um viciado.
Estimulada pela tendência global de terceirização, a G4S tornou-se uma organização de 620.000 pessoas. Algumas de suas falhas passadas -- incluindo o fiasco de não providenciar os guardas de segurança que havia prometido para os Jogos Olímpicos de Londres em 2012 -- podem refletir a dificuldade de administrar uma empresa desse porte. Mas há igualmente um problema mais amplo com o modelo de negócio desse setor. Concorrências são frequentemente ganhas por empresas que exageram na qualidade de seus serviços mas os quotam a baixo preço. Quando o desempenho desaponta, a correção é pouca.
É difícil saber o que está acontecendo em um ambiente fechado como uma prisão, e cancelar contratos pode ser oneroso mesmo quando a empresa é claramente culpada. Os políticos são geralmente relutantes em passar pelo constrangimento de rasgar contratos que assinaram.
Uma injeção de rigor comercial pode baixar custos e melhorar a qualidade dos serviços públicos [uma receita que tem se mostrado inviável no Brasil]. Mas, a terceirização pode ir demasiado longe. A responsabilidade dos políticos para com os contribuintes está associada a uma obrigação moral de assegurar que prisioneiros não sofram qualquer tipo de agressão.
O desempenho irregular de provedores privados deve ser ponderado pelos políticos, no momento em que analisam se devem ser terceirizados os serviços de sursis ["probation services" - suspensão condicional de uma sentença, sujeitando o delinquente primário a uma vigilância não policial mas educativa por um "probation officer"] no RU. Se optar por transferir a chave a terceiros, o governo deve garantir que estará firmemente no controle desses serviços.
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