sábado, 3 de maio de 2014

"Cigarro vendido hoje é mais letal que há 50 anos", diz líder antitabagista

[A reportagem abaixo foi publicada em 02/5 pelo jornal Estado de S. Paulo. Ver postagens anteriores sobre tabagismo, por exemplo uma de fevereiro de 2013 e a outra de maio de 2012, ou acessando o marcador "tabagismo" na aba direita do blogue. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

Presidente da organização de controle do tabagismo Campanha para Crianças Livres de Tabaco (CTFK), Matt Myers garante que o cigarro hoje é mais letal do que o vendido há 50 anos. Entre as razões para o aumento do risco, afirma, está a mudança do design do cigarro, que permite maior absorção da fumaça pelo fumante. Myers, que esteve no Brasil semana passada, criticou a liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal suspendendo os efeitos da proibição do uso de aditivos no cigarro no País. Para ele, o Brasil perdeu a liderança no combate ao tabagismo. A seguir, trechos da entrevista concedida ao Estado.

Por que o cigarro hoje é mais perigoso?

Ao ver que o cigarro passou a ser relacionado com câncer de pulmão e doenças cardíacas, a indústria tomou medidas para tentar melhorar a imagem do produto. Mas as mudanças acabaram por aumentar o risco. Recentes estudos feitos nos Estados Unidos mostram que o risco de o fumante morrer de causas relacionadas ao cigarro aumentou em relação ao que era registrado no passado. Artigos mostram, por exemplo, que o risco de desenvolver câncer de pulmão entre homens fumantes dobrou nos últimos 50 anos e, entre as mulheres, é cinco vezes maior.

Como se sabe que o aumento nas taxas de morte é provocado pelo cigarro e não por outros fatores que aumentam o risco de câncer, como a poluição?

Isso foi levado em consideração nas pesquisas. O aumento do risco de câncer em pulmão é provocado principalmente pelas mudanças de design dos produtos derivados do tabaco.


E os aditivos?

Ao constatar o aumento da preocupação da população com a saúde, fabricantes passaram a recorrer aos aditivos para tentar tornar o contato com a fumaça do cigarro na garganta mais agradável. A estratégia foi adotada porque fumantes associam a irritação na garganta ao perigo do produto. O uso de aditivos, ao mesmo tempo que transforma o ato de fumar em algo mais fácil, confere a falsa impressão de que os cigarros atualmente são menos perigosos, porque irritam menos. Além disso, a adição torna o cigarro mais atrativo entre os não fumantes, sobretudo mulheres e crianças. O primeiro cigarro, tendo uma sensação mais suave, incentiva a experimentação. E, o mais cruel, depois do primeiro uso não é preciso muito tempo para que a dependência ao cigarro se desenvolva. Os aditivos permitem à indústria manipular os consumidores.
O Supremo Tribunal Federal suspendeu liminarmente em setembro a proibição do uso de aditivos feita pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

A decisão do STF vai provocar consequências trágicas para a saúde. A medida da Anvisa havia sido adotada com base em dados científicos e representa um avanço importante para a política de combate ao tabagismo. O STF ignorou os estudos. [A decisão do STF, de 13/9/2013, que tornou a permitir a venda de cigarros com aditivos foi da ministra Rosa Weber, que se especializou na área trabalhista e não tem trazido nenhum brilho à nossa Suprema Corte. Por uma dessas "coincidências" que cheiram mal, ela é gaúcha e o Rio Grande do Sul é um dos grandes produtores de fumo no país. A ACT -Aliança de Controle ao Tabagismo aguarda um posicionamento do governo federal favorável à resolução e espera que a Advocacia Geral da União entre com recurso cabível para derrubar a liminar – até o momento, o Executivo não comenta oficialmente o assunto. É duro ver esses senhores e senhoras togados subjugados pela indústria do fumo!]
A indústria afirma que aditivos são indispensáveis.

Isso não é verdade. Lembre-se que no passado eles afirmavam que seus produtos não provocavam câncer. Nesse caso, há uma quantidade substancial de dados que mostram que os aditivos são usados para alterar o impacto negativo e essa mudança aumenta o risco de iniciação de cigarros entre jovens e o fumo entre mulheres. As evidências científicas que dão base à Anvisa são avassaladores.
Qual é a opinião do senhor sobre a política de controle do tabagismo adotada pelo Brasil nos últimos dez anos. 

O Brasil foi por muito tempo líder global na adoção de medidas para redução do tabagismo. Infelizmente, começou a ficar para trás. Medidas foram aprovadas, mas não foram implementadas.
O poder da indústria aumentou? O governo está maleável?
É um comentário triste, mas está muito claro o poder da indústria do tabaco e, ao mesmo tempo, a vontade do governo brasileiro de colocar os interesses da indústria do tabaco acima dos interesses da população. Não há outra explicação. Não há nenhuma razão científica para que o Brasil não avance nas medidas de controle do tabagismo.
A indústria usa como argumento sua importância para economia do País.

O argumento está totalmente equivocado. O fumo causa doenças e perdas de produtividade. Isso traz um impacto negativo à economia. Nos Estados Unidos, boa parte dos estudos mostra que todos os anos são perdidos US$ 250 bilhões em tratamentos relacionados a doenças provocadas pelo cigarro e em perda de produtividade de trabalho. [O Brasil gastou R$ 21 bilhões em 2011 com doenças relacionadas ao tabaco -- esse valor equivale a 30% do orçamento do Ministério da Saúde em 2011 e é 3,5 vezes maior do que a Receita Federal arrecadou com produtos derivados ao tabaco no mesmo período.]

Os EUA ainda estudam regras para regular o cigarro eletrônico. Eles são uma nova ameaça?

Sou favorável à regulamentação. Além da proibição para venda de menores como foi sugerido, acho importante regras para propaganda e, sobretudo, para o uso de produtos aditivos. [Ver postagem anterior sobre o cigarro eletrônico.]


Nenhum comentário:

Postar um comentário