sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Escândalo na indústria automobilística -- segredos sujos

[O setor automobilístico mundial está abalado com o reconhecimento da Volkswagen de que fraudou os testes de emissão de poluentes de seus carros a diesel nos EUA. A fraude envolve 11 milhões de veículos no mundo todo. Veja como a fraude da Volkswagen foi descoberta.

De acordo com a Volkswagen, o software foi usado em 11 milhões de carros em todo o mundo, equipados com motor diesel EA 189, que é 2.0 litros. Ainda não há informações sobre quais outros países foram atingidos pela fraude, mas 500 mil desses carros foram vendidos nos Estados Unidos. Entre eles, segundo a EPA, estão Jetta, Beetle (chamado de Fusca no Brasil), GolfPassat e o Audi A3 -- da marca que pertence ao grupo Volkswagen. Questionada pelo G1, a Volkswagen do Brasil informou que ainda não recebeu informações da matriz sobre se existem carros com a adulteração no país. O único modelo da empresa a utilizar este motor no Brasil é a picape Amarok.

A Volkswagen será investigada no Brasil por conta da fraude nas emissões do motor EA189, o popular 2.0 TDI, que equipa vários modelos da marca nos EUA. Apesar da empresa vender somente a picape Amarok com motor diesel, o Ibama pediu uma apuração dos demais propulsores. Para a área técnica do Proconve [Programas de Controle de Emissões Veiculares, do Ibama], outras tecnologias podem ter seus resultados adulterados com ajuda de centrais eletrônicas. Isso significa que motores a gasolina e Flex podem também ser fraudados por software que detecta inspeção ambiental.


Apenas a Volkswagen será investigada, pois o caso nos EUA envolve somente a empresa. As demais não terão seus dados verificados. De acordo com o Ibama, todos os carros nacionais e importados da VW oferecidos no Brasil estão com emissões abaixo dos limites estabelecidos pelo país.
Traduzo a seguir reportagem da revista The Economist sobre o assunto. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]


Foto: Shutterstock/The Economist

A falsificação de testes de poluição pela Volkswagen abre as portas para uma indústria automobilística muito diferente

Emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) e outras imundícies pelos escapamentos de carros e caminhões causam um grande número de mortes prematuras -- talvez 58.000 por ano apenas nos EUA, sugere um estudo. Portanto, o escândalo que envolveu a Volkswagen (VW) esta semana não é uma contravenção de segunda importância ou um crime sem vítimas. O fabricante de carros alemão admitiu que instalou em 11 milhões de seus carros a diesel no mundo todo um software que permitiu que eles passassem nos restritivos testes americanos para emissões de NOx. Mas, tão logo os carros saíam do laboratório, o software desativava seus controles de emissões e eles começavam a expelir gases até 40 vezes acima do nível permitido. Os danos à própria Volkswagen são imensos. Mas, os eventos desta semana afetarão outros fabricantes de carros, outros países e o próprio futuro do diesel.

Winterkorn se foi

Comecemos pela VW. Seu presidente, Martin Winterkorn, renunciou e a companhia separou € 6,5 bilhões (US$ 7,3 bilhões) para cobrir o impacto financeiro que virá. Mas, investidores temem pelo pior: nos primeiros quatro dias após o estouro do escândalo em 18 de setembro as ações da VW perderam um terço de sua cotação, reduzindo em € 26 bilhões o valor da empresa.  Depois que todas as multas, pedidos de compensação, ações legais e custos de recall forem somados essa debacle pode ser para o fabricante alemão o que Deepwater Horizon foi para a BP [ver postagem anterior].  No caso da BP, o desastre na perfuração de petróleo foi um acidente; no caso da VW, foi deliberado.  O Departamento de Justiça dos EUA está absolutamente certo ao abrir uma investigação criminal contra a empresa. Outros países deveriam seguir a Coreia do Sul e investigar o que a VW esteve fazendo secreta e ilegalmente com seu procedimento. Embora poucos chineses comprem carros a diesel, o escândalo pode estimular seu governo a confrontar a empresa por exagerar a economia de combustível para motores a gasolina.

Tenha ou não o Sr. Winterkorn qualquer responsabilidade pessoal pelo escândalo, é natural que perca seu emprego por causa disso. Ele é um engenheiro famoso por sua atenção com detalhes; se desconhecia o software fraudulento, precisava conhecê-lo. Vender grandes quantidades de "Diesels Limpos" era muito importante para o esquema da VW de fracionar o mercado americano, um ponto fraco, que por sua vez era vital para seus planos de superar a Toyota do Japão como o maior fabricante de carros do mundo. A grande estratégia que Winterkorn havia supervisionado jaz agora em ruínas. 

Uma mudança nas altas esferas e uma multa pesada não podem ser o fim da questão. Os promotores públicos americanos têm que honrar sua promessa de ir atrás das pessoas responsáveis por crimes corporativos, em vez de apenas punir os acionistas da companhia pela imposição de grandes multas. A maioria dos recentes escândalos bancários terminou não em tribunais, mas em acordos opacos e grandes multas. No início deste mês, o Departamento de Justiça anunciou um acordo de US$ 900 milhões com a GM, maior fabricante de carros americana, pelo fato da empresa não ter feito recall de carros com um defeito na chave de ignição que seria responsável por colisões que mataram pelo menos 124 pessoas e feriram 275. Promotores afirmaram que dirigentes (não identificados com seus nomes) da GM haviam de plena consciência ignorado os efeitos potencialmente letais do defeito, e dado preferência a lucros em detrimento da segurança. Ainda assim, não foram anunciadas denúncias contra eles.  

Isso tem que mudar -- e as autoridades sabem disso. Em um discurso este mês, a vice-procuradora-geral dos EUA, Sally Yates, disse que de agora em diante multar negócios ocuparia o segundo lugar das medidas a serem tomadas, cedendo a prioridade à apresentação de denúncias cíveis e criminais contra pessoas físicas. Uma empresa acusada não teria mais sinal verde para cooperar com as investigações (como a VW diz que fará) a menos que dê às autoridades federais o nome de cada dirigente ou empregado envolvido no malfeito e procure juntar e apresentar provas de sua responsabilidade pessoal. 

A VW é um teste para essa nova abordagem. Mas, para evitar suspeitas de que são mais duras com empresas estrangeiras -- como as que surgiram no caso Deepwater da BP e em recentes acordos bancários -- as autoridades americanas devem processar também os dirigentes culpados da GM. No entanto, os maiores efeitos do escândalo [da VW] serão sentidos do outro lado do Atlântico. A atitude desonesta da VW levanta a questão de que outros fabricantes de carros tenham praticado trapaças semelhantes, quer seja para satisfazer os padrões menos exigentes da Europa para emissões de NOx ou seus padrões comparáveis de economia de combustível -- e, por conseguinte, quanto às emissões de dióxido de carbono. A BMW e a Mercedes, dois dos principais pares alemães da VW, se apressaram em afirmar que não fizeram a mesma coisa. Entretanto, o teste de emissões de gases  da Europa é uma farsa. Os fabricantes de carros contratam seus próprios testes, e as autoridades reguladoras permitem que eles se engajem livremente em todos os tipos de truques, como remover os retrovisores externos durante os testes e cobrir as fendas à volta de portas e janelas para reduzir o arrasto e, assim, fazer com que os carros queimem menos combustível. As autoridades reguladoras toleram também a presença de software parecido com o da VW, que identifica quando um carro está sendo testado e transfere o motor para o modo "econômico". Isto explica porque a eficiência de combustível que os motoristas europeus conseguem nas estradas é cerca de 40% menor do que as promessas dos fabricantes.

No caso dos EUA, suas autoridades reguladoras -- diferentemente das europeias -- pelo menos preparam e produzem às vezes seus próprios testes para checar os resultados dos fabricantes. Mas, é chegada a hora para que todo esse sistema seja removido e substituido, em toda parte, com toda a testagem de carros feita de maneira completamente independente em condições reais de funcionamento. Com a raiva e o ressentimento pelo comportamento da VW em seu ponto máximo, este é o momento para agir. Mas isso exige também que os reguladores europeus mudem sua atitude em relação ao diesel, que é responsável por metade dos carros vendidos no continente. Veículos a diesel podem ser muito econômicos em termos de combustível (e assim emitir pouco dióxido de carbono), mas frequentemente ao custo de maiores emissões de NOx. Essa compensação foi decidida a favor do diesel através do sistema de testes muito deficiente da Europa e pelos padrões europeus mais brandos quanto à emissão de NOx.

Sem diesel à vista

Mesmo que outros fabricantes de veículos a diesel não tenham recorrido ao mesmo nível de trapaça da VW, o escândalo pode significar que esses carros têm dificuldade em satisfazer as normas e padrões aplicados rigorosamente a ambos os tipos de emissão. Há quem receie que isso possa ser a "morte do diesel". Que seja. Há ainda oportunidade ou possibilidade de aprimorar o venerável motor a gasolina, e para mudar para carros mais limpos que funcionam com metano, hidrogênio e eletricidade, ou que são híbridos. Já ocorre uma corrida multibilionária entre essas várias tecnologias para veículos, com fabricantes frequentemente apostando em várias delas como uma maneira de atingir as metas em termos de emissões. Se o comportamento da VW acelerar a morte do diesel, ele pode levar finalmente, após tantas partidas falsas, ao começo da era do carro elétrico. 



Nenhum comentário:

Postar um comentário