O Caminho Inca, construído inteiramente à mão, é uma verdadeira obra de engenharia - (Foto: Doug McMains)
Construtores que morreram há muito tempo têm a resposta para o desenvolvimento rodoviário mais sustentável? Uma nova exposição no Museu Smithsoniano em Washington (EUA) mostra porque o império inca construiu uma infraestrutura duradoura.
O Caminho Inca é uma das obras de engenharia mais extraordinárias do mundo. No século XVI, ajudou a transformar um pequeno reino no maior império do hemisfério ocidental. E, para inveja dos engenheiros modernos, trechos substanciais da rede de 39.000km sobrevivem no dia de hoje, unindo centenas de comunidades através de Argentina, Bolívia, Chile, Equador e Peru. Incrivelmente, ela foi toda construída inteiramente à mão, sem ferro ou transporte com rodas.
Uma exposição no Museu Nacional dos Índios Americanos é o resultado de sete anos de pesquisas, que concluíram que os incas tinham muito conhecimento prático sobre a água.
"Quando se vê Machu Picchu, no Peru -- essa estrutura maravilhosa no topo de uma montanha que milhões de turistas visitam todos os anos -- o que a maioria das pessoas não vê e infelizmente tampouco sabe é que debaixo dela existe uma verdadeira maravilha", diz José Barreiro, um dos curadores da exposição O Grande Caminho Inka (o museu Smithsoniano usa a forma quíchua para a palavra "inca"). [Ver postagem anterior sobre Machu Picchu].
Foto: Doug McMains
As construções de pedra de Machu Picchu estão localizadas sobre um complexo sistema de irrigação de galerias e canais, que controlam o fluxo de água em direção a fontes que funciona ainda hoje. E embora arqueólogos saibam disso há algum tempo, a exposição revela a extensão do conhecimento que os incas possuíam sobre a água e como aplicaram a mesma tecnologia à construção de estradas.
"Todos os anos, a água destrói muitas estradas modernas. Mas, as estradas incas tendem a resistir e sobreviver", diz Barreiro.
José Barreiro diz que as estradas incas tendem a ter uma duração incrivelmente longa - (Foto: AP)
"As construções foram feitas prevendo a possibilidade de eventos sísmicos, e é isso que os engenheiros de hoje têm interesse de estudar -- como podemos nos beneficiar desse conhecimento".
Sustentabilidade foi a chave para o sucesso. Os incas eram atentos às condições locais, utilizando materiais locais e trabalhando com a paisagem.
Em terrenos escarpados, construíram degraus para dissipar a energia das águas e conter a erosão. Nas altitudes elevadas, pavimentaram as estradas com pedras locais para proteger a superfície contra o gelo e a neve derretida, e quando necessitavam de muros de contenção deixavam buracos para a drenagem de água.
"Os incas se preocuparam com a preservação do meio ambiente, e as estradas são uma parte da Mãe Natureza", diz Ramiro Matos, chefe dos curadores da exposição e um nativo que fala o quíchua. Ele cresceu transitando pelas estradas incas (também conhecidas como Qhapaq Nan) no altiplano central do Peru, e diz ter uma conexão forte com elas.
A Unesco declarou o Caminho Inca um Patrimônio da Humanidade em 2014 - (Foto: Smithsonian Institute)
"A estrada não é apenas uma via física", diz ele. "É uma estrada cosmológica, e pessoas de hoje a consideram uma estrada com vida, viva".
"Os Kallawaya (doutores itinerantes da Bolívia) ainda usam a estrada para caminhar e reciclar suas energias. Eles dizem que a estrada tem um espírito".
O centro espiritual e a capital do império era Cusco, no sudeste do Peru. Todas as estradas se originavam nessa cidade. Ao longo das rotas, todos os lugares sagrados eram marcados com wakas [uma classe de objetos sagrados]-- afloramentos de pedras, edifícios ou até a confluência de rios, que serviam de altares para a Pachamama (Mãe Terra) ou para Inti (o deus sol).
Muitas dessas tradições continuam ainda hoje, e parte da exposição explora a maneira pela qual a estrada ainda une povos de diferentes etnias ao longo da vasta região andina. "Contactamos os descendentes dos incas e conversamos com eles sobre como se sentem quanto à estrada e ao seu significado", diz Matos. "Tínhamos a investigação histórica, agora temos a história oral".
O centro espiritual e a capital do império era Cusco, no sudeste do Peru. Todas as estradas se originavam nessa cidade. Ao longo das rotas, todos os lugares sagrados eram marcados com wakas [uma classe de objetos sagrados]-- afloramentos de pedras, edifícios ou até a confluência de rios, que serviam de altares para a Pachamama (Mãe Terra) ou para Inti (o deus sol).
Muitas dessas tradições continuam ainda hoje, e parte da exposição explora a maneira pela qual a estrada ainda une povos de diferentes etnias ao longo da vasta região andina. "Contactamos os descendentes dos incas e conversamos com eles sobre como se sentem quanto à estrada e ao seu significado", diz Matos. "Tínhamos a investigação histórica, agora temos a história oral".
Dois moradores passam pelo Caminho Inca próximo a Jujuy, na Argentina - (Foto: Axel Nielsen)
A exposição revela um lado diferente dos incas, que são mais frequentemente lembrados por seu notório desejo por sangue e sua predileção por sacrifícios humanos. Mas, retratá-los como ambientalistas não nega suas características menos atraentes.
"Não estamos passando a imagem de que há culturas perfeitas", diz Barreiro. "Mas nosso foco foi afastar o macabro e olhar para os outros 90% da vida, como era organizada e a genialidade e o ímpeto dos incas para executar essa tarefa em particular [de construir o Caminho]".
Ele diz que a sociedade inca era certamente "severa/rigorosa" mas, no seu âmago, era uma filosofia de reciprocidade. Os incas devolviam à natureza o que ela lhes dava, e cada um sabia seu papel na comunidade. "Todo o meio ambiente estava vivo. Tudo, das pedras para os animais, para o cosmos, necessitava de algum tipo de interação com um ser humano, fosse em orações, conectividade ou apreço".
"Tudo era organizado e regulado pelo Estado. Você tinha os controladores do Caminho, os controladores das pontes e os khipu -- um dispositivo provido de nós que fazia o acompanhamento das pessoas que transitavam pela estrada, dos produtos que por ela circulavam, organizava censos das pessoas e das notícias de todas as partes do império". [Para mais informações sobre os khipus, ver postagem anterior.]
Exemplos de khipus e de 140 outros objetos -- alguns com mais de 2.000 de existência -- estão incluídos na exposição do Smithsoniano para ajudar a ilustrar o desenvolvimento do Caminho Inca e de seus conceitos espirituais.
"Não estamos passando a imagem de que há culturas perfeitas", diz Barreiro. "Mas nosso foco foi afastar o macabro e olhar para os outros 90% da vida, como era organizada e a genialidade e o ímpeto dos incas para executar essa tarefa em particular [de construir o Caminho]".
Ele diz que a sociedade inca era certamente "severa/rigorosa" mas, no seu âmago, era uma filosofia de reciprocidade. Os incas devolviam à natureza o que ela lhes dava, e cada um sabia seu papel na comunidade. "Todo o meio ambiente estava vivo. Tudo, das pedras para os animais, para o cosmos, necessitava de algum tipo de interação com um ser humano, fosse em orações, conectividade ou apreço".
"Tudo era organizado e regulado pelo Estado. Você tinha os controladores do Caminho, os controladores das pontes e os khipu -- um dispositivo provido de nós que fazia o acompanhamento das pessoas que transitavam pela estrada, dos produtos que por ela circulavam, organizava censos das pessoas e das notícias de todas as partes do império". [Para mais informações sobre os khipus, ver postagem anterior.]
Exemplos de khipus e de 140 outros objetos -- alguns com mais de 2.000 de existência -- estão incluídos na exposição do Smithsoniano para ajudar a ilustrar o desenvolvimento do Caminho Inca e de seus conceitos espirituais.
Um khipu da era inca, um dispositivo para contabilidade e controle - (Foto: BBC News)
Detalhe de um khipu da era inca - (ver postagem anterior)
Caixa de um fabricante de khipu - (ver postagem anterior)
Mas, ironicamente, foi o Caminho Inca que acelerou o desaparecimento de seus criadores.
Quando os espanhóis chegaram à costa do Pacífico em 1532, o império estava enfraquecido pelas lutas internas e pela varíola. E a mesma estrada que havia dado aos incas acesso sem precedentes a cada parte de seu reinado, agora permitia o mesmo para os conquistadores espanhóis.
Em um ano os invasores haviam consolidado seu poder e retirado o poder de Cusco, estabelecendo Lima como a nova capital colonial. O Qhapac Nan foi relegado ao abandono. Rotas que haviam sido vitais para as comunidades incas foram ignoradas pelos espanhóis, que estavam mais interessados em ter acesso as minas de ouro e prata do império que havia desmoronado.
Mas o Caminho Inca permanece vivo, combinando história com seu novo propósito.
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