[No dia 23 de setembro passado, reunidos em Bratislava (Eslováquia) os ministros de comércio da União Europeia (UE) decidiram desarmar suas defesas contra a China, principal alvo de medidas antidumping do bloco por causa das exportações chinesas de aço e outros bens para a UE. Isso permitirá à UE reconhecer a China como economia de mercado e reduzirá o risco de uma guerra comercial entre eles.
Essa decisão em Bratislava marca uma reviravolta inesperada e completa da UE em relação à aceitação da China como uma economia de mercado, tendo em conta o exposto pela imprensa francesa imediatamente antes da citada reunião. Traduzo a seguir textos do caderno de economia do jornal francês Le Figaro de 23 de setembro passado, abordando a reação da União Europeia à concessão de status de economia de mercado à China. Pelas regras da OMC (Organização Mundial do Comércio) estabelecidas por ocasião da entrada da China na Organização em 2001, todos os países serão obrigados a reconhecer a China como economia de mercado a partir de 2016. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]
Comércio: queda de braço entre a Europa e a China
Le Figaro - 23/9/2016
Bruxelas se opõe ao status de economia de mercado a ser concedido a Pequim. Uma ameaça ao emprego.
Quinze anos após sua entrada na Organização Mundial do Comércio (OMC), a China deverá obter em dezembro vindouro o status de economia de mercado ["economia de mercado é aquela em que as empresas não são controladas pelo Estado, e decidem por si mesmas o que produzir e vender, com base no que consideram como lucro factível ao fazê-lo" -- Longman Business English Dictionary, 2007, pág. 172; -- ou ainda, é uma economia em que os preços de bens e serviços são definidos por oferta e demanda]. Os europeus se opõem a isso, considerando que o Império do Meio não preenche os requisitos para essa classificação. Eles temem o impacto negativo disso sobre o comércio e o emprego, porque não poderão se proteger tão eficientemente como hoje contra as práticas de dumping das empresas chinesas [dumping é uma prática comercial que consiste em uma ou mais empresas de um país venderem seus produtos, mercadorias ou serviços por preços extraordinariamente abaixo de seu valor justo para outro país (preço que geralmente se considera menor do que se cobra pelo produto dentro do país exportador), por um tempo, visando prejudicar e eliminar os fabricantes de produtos similares concorrentes no local, passando então a dominar o mercado e impondo preços altos. É um termo usado em comércio internacional e é reprimido pelos governos nacionais, quando comprovado. Esta técnica é utilizada como forma de ganhar quotas de mercado]. Este tema crucial está na pauta de uma reunião ministerial que acontecerá hoje, 23 de setembro, em Bratislava.
A Europa quer evitar uma nova invasão de produtos chineses
Jean-Jacques Mével - Le Figaro, 23/9/2016
A China espera eliminar em dezembro um entrave às suas exportações. A UE se defende.
Nada de baixar a guarda antes de verificar o estoque de munições ... Em 11 de dezembro, após quinze anos de espera, a China deverá receber o status cobiçado de "economia de mercado" (SME, na sigla em francês) e consequentemente eliminar uma boa parte das defesas que protegem a Europa, assim como os EUA e o Japão, contra as exportações chinesas baratas.
Essa é a leitura literal , defendida por Pequim, dos protocolos do acesso chinês à OMC assinados em 2001. A UE defende antes o espírito do texto, ou seja a necessidade de continuar a se proteger de um exportador invasivo dirigido com mão de ferro pelo binômio Estado-partido. A superprodução de aço chinesa, resultado de subvenções maciças em seguida à fixação de preços degradados para a exportação, terminou por convencer os mais reticentes. Nestes se incluem os britânicos, perplexos na primavera com a quebra da siderúrgica Tata Steel UK.
Um discurso ambíguo
Com a aproximação da data fatídica de 11 de dezembro, a Europa mantém um discurso ambíguo quanto à outorga do famoso "status" à maior potência exportadora do planeta. Ela [China] pretende "fazer o necessário para respeitar suas obrigações na OMC", diz-se em Bruxelas. É o tema que azeda o relacionamento com Pequim. Contudo, Jean-Claude Juncker [presidente da Comissão Europeia] nem mesmo o mencionou em um discurso interminável que marcou a retomada de atividades da UE. Washington e Tóquio, ao contrário, exibiram em público uma linha muito mais dura.
Sobre o tema, os europeus estão divididos por opiniões jurídicas contraditórias, interesses nacionais dissonantes (a Alemanha não quer arruinar um grande mercado) ou ainda por filosofias divergentes (o Reino Unido e a Escandinávia são bastiões do livre comércio). A UE se concentra em uma outra prioridade: com ou sem SME para a China, seja o que vier, será necessário dar musculatura às defesas contra a concorrência desleal, diz-se na Comissão. A Índia e a Rússia são igualmente visadas.
Planejar uma réplica unida, dotada de argumentos plausíveis, é o que está em jogo no encontro dos 28 ministros do Comércio Exterior em Bratislava. A Comissão pôs sobre a mesa um arsenal novo desde 2013, com direitos mais elevados e procedimentos mais rápidos contra as exportações a preços desleais e as subvenções diretas à produção. Em março, ela mais uma vez endureceu seu texto: "Devemos ser capazes de reagir ao dumping com a mesma firmeza que os Estados Unidos", insistiu Jean-Claude Juncker.
Na reunião de Bratislava, mais uma vez as diferenças devem aplainadas. Enquanto os EUA impõem ao aço chinês taxas de importação de 265%, a Europa continua a se obrigar à regra barroca do "direito menor" (lesser duty rule = regra do imposto menor), ou seja um alinhamento com o que o resto do mundo pratica de mais baixo, o que quer dizer menos de 50%. O Reino Unido, a Holanda, a Europa nórdica e os países bálticos se recusam a alterar seus planos e ideias, em relação aos demais países do bloco. Não se espera nenhum avanço prático em Bratislava. As decisões, se forem tomadas, virão de preferência da próxima cúpula europeia em 21 e 22 de outubro.
Três vias cheias de emboscadas para a União Europeia
Anne Cheyvialle e Manon Malhére -- Le Figaro, 23/9/2016
É preciso ou não conceder o status de economia de mercado (SEM, na abreviatura francesa) à China? A questão é econômica e politicamente sensível de tanto que são cruciais os riscos em termos de intercâmbios comerciais, de investimentos e sobretudo de emprego.
Intercâmbios comerciais em 2015
● 170 bilhões de euros de exportações europeias para a China
● 350 bilhões de euros de importações europeias da China
● 180 bilhões de euros, o déficit comercial daUE com a China
☛ Represálias chinesas em caso de não concessão do status
Ao recusar o status de economia de mercado para a China, os europeus se expõem a represálias. Isso poderia começar com uma batalha jurídica. Se não se chegar a um acordo até a data limite de 11 de dezembro de 2016, Pequim poderá imediatamente acionar o órgão que regula as diferenças entre membros na OMC. Um procedimento que pode durar de três a cinco anos.
A queda de braço se dará também no terreno comercial, com a imposição de barreiras para limitar as importações oriundas da UE. Já houve precedentes. Na disputa entre Bruxelas e Pequim sobre painéis solares, as autoridades chinesas ameaçaram aplicar medidas antidumping sobre as importações de vinhos franceses e italianos. Outro risco em caso de manutenção do impasse é a perda de contratos de negócios para as empresas europeias e uma baixa nos investimentos chineses na Europa. O presidente chinês Xi Jinping prometeu contribuir para o plano Juncker.
☛ Perda de empregos se a China obtiver o status
A outorga do status de economia de mercado à China limitará de fato a capacidade de defesa comercial da UE frente a Pequim. Bruxelas deverá mudar seu método de cálculo para avaliar as práticas de dumping das empresas chinesas. Os europeus não poderão mais basear-se no custo de produção praticado em um terceiro país , a Turquia ou o Brasil, mas sim sobre o custo da China. Como será mais difícil provar que há dumping, o número de reclamações cairá. Resultado, avaliado pelo Cepil (centro de pesquisas sobre a economia mundial): as exportações chinesas para a UE poderiam aumentar de 3,9% a 5,3% em volume (entre 13 e 18 bilhões de dólares).
O impacto será ainda mais contundente se se levar em conta o fato de que certos produtores chineses aumentam seus preços por receio de medidas antidumping. No total, o Cepil calcula a alta possível das exportações chinesas entre 25 e 27 bilhões de euros. Como resultado, uma baixa na produção industrial da Europa, de 3,1 a 23 bilhões de euros. A indústria estará na primeira linha dos afetados, em particular a siderurgia, setor particularmente afetado pelo dumping chinês, assim como o setor eletrônico.
Os estragos sobre o emprego são de difícil avaliação. Como comprovação disso, as grandes diferenças de resultados entre um estudo e outro: de 63.600 a 234.000 para a Comissão Europeia e uma faixa muito mais alarmante avaliada pelo Instituto de Política Econômica, entre 1,7 e 3,5 milhões.
☛ Uma terceira via a ser definida
Aceite ou não o status chinês, a Europa corre o risco sério de padecer com isso. Bruxelas planeja uma terceira via. A ideia seria reforçar os instrumentos de defesa comercial de que dispõe a UE, o que passa por uma modificação do método aplicado aos procedimentos antidumping. Esta solução permitiria também aos europeus se protegerem contra os abusos das empresas chinesas , sem entretanto violar as regras internacionais.
Exatamente para isso, desde 2013, há uma proposição legislativa sobre as mesas dos governos europeus para modernizar o arsenal comercial, mas as negociações patinam por causa de divergências. Esse texto permitiria "acelerar os procedimentos antidumping e antisubvenção, e autorizaria a Comissão a instituir direitos/impostos maiores em certas circunstâncias", lembrou a Comissão Europeia em julho.
Essa solução alternativa permitiria proteger os europeus e satisfazer as exigências chinesas? Esta é no momento a grande incógnita, já que as medidas não estão ainda claramente definidas e o processo deverá demandar vários meses. Enquanto espera, nada impedirá Pequim de pressionar e até mesmo adotar medidas de represália.
Pequim tenta intimidar e dividir os europeus
Sébastien Falletti - Le Figaro, 23/9/2016
Imperioso, o dragão chinês expõe suas garras. Impondo direitos aduaneiros de até 46% contra certos aços europeus, acusados de dumping, Pequim lançou uma advertência ameaçadora à UE em 24 de julho. Se Bruxelas não reconhecer à China o status de economia de mercado até o fim do ano, como exigem os chineses, represálias serão adotadas.
Para os dirigentes da segunda economia mundial, tal status é um objetivo estratégico e uma recusa da Europa contra ele seria tomada como uma afronta. "É um caso sensível, porque ele supera o risco econômico com um forte viés político-simbólico. Esse status seria um reconhecimento de que a China doravante faz parte da corte dos grandes". É como nos Jogos Olímpicos!", analisa Françoise Nicole, diretora do Centro Ásia do Ifri [Instituto Francês de Relações Internacionais].
Quinze anos após seu acesso à OMC, o reconhecimento aos chineses de seu status de economia de mercado pelas grandes potências como a UE e os EUA seria uma nova etapa do retorno do gigante emergente ao primeiro plano do cenário mundial. Um contencioso ainda mais importante para o Partido, no momento em que investidores estrangeiros e também a população têm dúvidas sobre as perspectivas econômicas do mastodonte, cujo crescimento caiu para seu nível mais baixo dos últimos 25 anos. Já no anterior o regime chinês havia redobrado seus esforços para conseguir a inclusão do yuan no DES, a cesta de moedas do FMI [DES = Direito Especial de Saque é composto por uma cesta de moedas que inclui o dólar, o euro, a libra e o iene. O DES pode complementar as reservas oficiais dos países-membros. Esses países também podem efetuar entre si trocas voluntárias de DES por moedas.], ao lado do dólar, do euro, do iene e da libra. Essa integração simbólica será efetivada em 1° de outubro.
Relação de interdependência
A batalha do SEM se insere na mesma perspectiva, mas se anuncia mais árdua, ao passo que os EUA se opõem frontalmente, via OMC, às demandas de Pequim, apontando a dedo suas promessas não cumpridas em termos de abertura de mercado.
Fiel a seus hábitos, a China pressiona a UE apostando nas suas divergências internas, que permitem aos chineses evitar Bruxelas e atuar diretamente junto às capitais europeias. "Eles apostam na ameaça para ganhar a partida. Porque os europeus têm a tendência de pensar que necessitam muito menos da China do que o inverso. Na realidade, há uma interdependência. E o risco de guerra comercial é exagerado", avalia Françoise Nicolas.
Ao regime chinês não interessa um conflito maior com seu principal parceiro comercial, no momento em que sua economia está envolvida em uma transição delicada que necessita de transferências de tecnologia. Os dirigentes chineses sabem que o tempo urge para armazenar energia, quando a onda populista pressiona por um retorno ao protecionismo no Velho Continente e a Brexit semeou inquietação em Pequim, privando a China de um aliado favorável à abertura.
[Com todo esse contexto exposto acima, não seria de se esperar a decisão da reunião em Bratislava de reconhecer a China como economia de mercado. No entanto, parecer ter vencido o pragmatismo: o mercado chinês é muito grande e importante para ser ignorado ou tratado com desdém e, como se viu pelas trocas comerciais entre UE e China em 2015, os chineses têm peso considerável no abastecimento do mercado europeu. Aguardemos o comportamento da China no comércio internacional e na OMC após dezembro deste ano.
De qualquer maneira, me soa esdrúxulo aceitar-se a China como economia de mercado pelo conceito mesmo deste título, tendo em conta a presença maciça do Estado na esmagadora maioria das empresas chinesas.]
Recebido por email de Moyses Tomaz de Oliveira:
ResponderExcluirQuerendo ou não, a China, em bem pouco tempo será a lider de mercado UNIVERSAL.
Ampliar relações com aqueles comunistas...
ResponderExcluirQuem vai tomar uma atitude?